tag:blogger.com,1999:blog-70255278346470507102024-03-08T12:54:51.186-08:00O Grande EdgarFilippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.comBlogger205125tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-159140924999249462018-10-12T15:33:00.001-07:002018-10-12T15:33:16.263-07:00Trezentos Milissegundos<div style="text-align: justify;">
O zunido passou tão perto do meu ouvido que minha única reação foi apreciar sua bela melodia a me dizer que estava tudo bem, que só passou para me acordar. Acordou, de fato. Abri os olhos tomando uma golfada de ar que me expandiu os sentidos e reconstruiu minha vida em um segundo. Menos do que isso na verdade, dizem que o cérebro leva até trezentos milissegundos para processar uma informação. Uma bala na cabeça você só descobre que tomou quando chegar lá em cima - ou lá embaixo - e perguntar o que está acontecendo. Se não houver isso de céu ou inferno você vai viver eternamente naquele último momento, último pensamento, antes do balaço atravessar seus miolos e se alojar em alguma parte do seu crânio. É assim, sua vida não foi interrompida, não deu para apertar o Stop, foi Pause, para sempre. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Uma explosão ao longe me trouxe de volta. Não o clarão, mas o som, que demora bem mais para chegar, e a pancada no peito. Me joguei no chão junto com todos os outros do lado de cá, do lado que claramente está perdendo. É tiro, porrada e bomba para o nosso lado, gritos, pedras e molotov para o lado deles. Eu quase não acredito no que estou vivendo, nada faz sentido. Sabe quando você fala demais uma palavra e ela simplesmente perde o sentido na sua cabeça, como se não fizesse ligação com nada? Mais ou menos isso, só que com a vida, o espaço-tempo em que eu estava vivendo. Não foi fácil retomar a linha de raciocínio, não foi fácil levantar na multidão para correr para algum lado sem nem lembrar de que lado eu estava. No primeiro passo porém, meu joelho parecia explodir e caí no chão novamente. Parece que foi aí que as coisas voltaram a fazer sentido, ou melhor, sentido não fez, nem nunca vai fazer, mas consegui ordenar as sinapses e reconectar os fios na cabeça até o começo de tudo, assim, talvez em trezentos milissegundos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Aliás, uma pessoa que toma uma bala na cabeça e não morre, tem grandes chances de morrer nos trinta dias que se seguirem ao evento e, se não morrer, provavelmente viverá o resto da vida com sequelas. Ainda assim é mais comum o uso de coletes a prova de bala do que capacetes, porque a área do tronco é maior, mais fácil de acertar, mesmo que haja maiores chances de sobreviver dependendo de onde o tiro acertar. Talvez se alguém colocar na ponta do lápis e calcular probabilidades, verá que de um lado a chance de acertar a cabeça é menor, mas o risco de morrer é maior e, no resto do corpo, vale a lógica inversa. Quem será que ganha? </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pensando nisso, em quem será que ganha, meu cérebro deu um tranco e acelerou até o começo dessa história. A única palavra que me veio como resposta ao que vi e vivi nos últimos cinco anos foi: patético. O passado é patético e o futuro... não há.</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-46869768672772968542018-10-05T06:16:00.001-07:002018-10-05T20:09:22.435-07:00Podres Poderes<div style="text-align: justify;">
Os três poderes apodrecem nos planaltos. Padecem de programas e propostas, perpetuam pífios planos de parlamentares patéticos. Pobres e podres de rico pedem mudanças, para si mesmos e seus pares. Despreparo proporcional ao preconceito, ou vice e versa. Prevalece o excesso de palavrões e preconceitos. Um pouco de protesto da oposição. Parece o passado de novo. Padece o futuro do povo. Prova-se o problema. Segurança pública se resolve com porte de armas. Pow pow pow, parte o coração, do bandido podre, preto e pobre. Planta o pilar do pragmatismo político. Prático e patriótico. Povoa o plenário. Passeia nos parques, armado, preparado para o ataque, ou a defesa pessoal. Coldre pesado. Ponto trinta e oito. Permitido. Primitivo. Parece que o pensar é o único ato proibido.</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-40929829968523977802017-06-26T10:33:00.000-07:002017-06-26T10:33:05.863-07:00Marcas de Expressão<div style="text-align: justify;">
Exercício de criatividade um. Começa-se sem idéias. Continua sem elas. Persiste. Nada. Solta o lápis e estica as pernas. Pega o lápis de novo. Repassa a sequencia de ações que acabou de suceder. Passa para o papel, ou melhor, transforma em pixels. Sem luz não há escrita, literalmente. Lembro que preciso pagar as contas. As outras, a de luz está paga. Débito automático, como esse que viemos pagar nessa encarnação. Mecanicamente programado para pagar, trabalhar, amar, morrer, voltar ao plano superior, dar corda, descer de novo e por aí vai. Dessa vez como homem. Amanhã como mulher. Depois, bananas. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não te revolta que os dias um dia acabem para sempre e você não sabe o que vem depois? Se tudo o que te contaram é verdade ou só mais um motivo pra você seguir sem questionar? A sociedade é o irmão mais velho que inventa coisas só pra você ficar quieto. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Às vezes eu desligava o controle da minha irmã do vídeo game e deixava ela apertando os botões para acreditar que ela estava jogando. Hoje a vida faz isso comigo, mas hey, o importante é participar, apertar os botões falsos como se fossem importantes. Acordar cedo todos os dias e ir trabalhar acreditando na construção de uma sociedade melhor que só está ficando pior. Se você parar pra pensar vai ver que tudo está indo para o buraco, menos o seu sorriso de bom dia às sete da manhã. Isso aí é coisa de ator profissional, daqueles do teatro Nô que morreriam se perdessem uma deixa. Você e sua máscara de amplificar caráter. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Você pensa nessas coisas? Eu venho pensando enquanto visto a minha cara de segunda-feira. A cara de sexta é melhorzinha, tem menos marcas de expressão. Não sei se foi se tornando pouco expressiva ao longo da semana ou se a pressão diminuiu mesmo. Um pouco dos dois, o mundo que me molda e eu que me moldo no mundo, ou ao mundo, o que dá no mesmo que a primeira afirmação. Faz diferença? Parece que não.</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-88983111089539007712017-06-23T10:47:00.002-07:002017-06-23T10:47:47.294-07:00Em Tempo<div class="MsoNormal">
<o:p> </o:p><span style="text-indent: 35.4pt;">- E então, qual é o sentido
disso?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 35.4pt;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Depende, o que é isso a princípio?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
sei, mas não depende de mim o que possa ser.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ou
depende e você não quer aceitar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Recuso-me.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Pois
prossiga sem compreender, se isso te faz bem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Me
mata por dentro, mas não quero crer que se eu aceitar entenderei.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nada
garante.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nem
impede.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Concordo, é preciso tentar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Empírico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Experimento auto-social.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E se
não der certo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Já
não está certo, há de piorar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tem
razão, não piora.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mas também
não sai de onde está.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Melhor assim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Melhor seria se fosse diferente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ou
pior.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Há de
piorar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Deixa
pra lá.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Pra
depois ou para sempre?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Pra
outro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ou
outra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Preciso me retirar, você vem?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E pra
onde vai?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Espero você voltar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Está
frio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Eu me
aqueço, e você?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- O
vento me acalma.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Parado não há vento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Movimento é mudança.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mudar
é bom.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- O bom
é conhecido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Desconheço.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Agora
eu me vou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
se vá, encontre-se.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Sem
saber aonde estou?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Sabendo
ou não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E
como saber?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Deixa
que eu aponto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E se
estiver errada?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Pergunto eu, e se?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mal
não há de fazer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nem
pode ser pior.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Então
devo ficar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Se
for o melhor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
há como saber.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Basta
decidir.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E
depois?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- O
depois dirá.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- O
futuro é mudo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- O
futuro é o mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mundo
pequeno.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mundo
cão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Para
onde então?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Por
aqui mesmo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E
você?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Me dê
a sua mão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
me pertence.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Será
minha então.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tanto
faz.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
serei dona.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- O que
será?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Outra
mão apenas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tenho
duas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
tens nenhuma, esqueceu?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Está
certo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Agora
são três.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mãos
do mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- De
ninguém.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E de
todos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Agora
sim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- O
quê?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Você
sorriu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
me pertence.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mas
se aproprie.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Posso?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Então?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Deve.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Me
obrigue.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Agora!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Está
bem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Viu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
posso olhar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
te pertencem os olhos também.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Exato.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Use
os meus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E
você.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
importa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- São
belos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- O que
vê?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Vejo-me.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- És
belo também.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- São
seus olhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- São
reflexos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Espelhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E espelhos
não mentem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mas
se quebram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ainda
assim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mal
se pode ver.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Se
juntar os pedaços.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E se
faltar algum?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- A
gente inventa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- A
gente?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Toda
a gente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Então
você vem?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Vou
depois.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Depois do que?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- De
você.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
entendo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
há de entender.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Vou-me.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Lembre-se de mim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- De
que me vale?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Só
assim posso viver.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Pois
se quiser me acompanhe.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nos
encontraremos de novo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Quando?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Quando, é questão de tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
se aplica?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não a
nós.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nem
tempo nem espaço.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Vejo
que agora entende.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Você
ao menos existe?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Pergunte aos filósofos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não
existem mais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Então
está respondido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Bom,
então, adeus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Até
logo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-
Breve?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 35.4pt;">
</div>
<div class="MsoNormal">
- Em
tempo.<o:p></o:p></div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-42691580070677992492017-06-21T15:49:00.001-07:002017-06-21T15:49:44.712-07:00Sobre mimEsse blog é uma forte fonte de consulta quando eu quiser me lembrar de mim.Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-84951269467211058982017-06-21T12:28:00.004-07:002017-06-21T12:28:55.763-07:00O Entorno de Saturno<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">A um bilhão de
quilômetros da Terra, a humanidade mergulha entres os anéis de Saturno em uma
curva de sessenta e três graus na primeira das vinte aproximações pretendidas
para estudo da composição das majestosas circunferências planetárias que
rodeiam aquele planeta. Aqui em casa, não sei como vou fazer para trabalhar
doze horas do meu dia, entre a saída para o trabalho e o retorno, lavar a
louça, a roupa, passar a roupa também, tomar banho, comer, dormir e ler algum
livro ou fazer qualquer coisa que seja para mim. Em um plano bastante agressivo
a sonda vai sofrer com as forças gravitacionais e ser impulsionada novamente
para fora e se preparar para um novo mergulho, mais análises e fotografias
cósmicas. Depois de jantar preciso agir rapidamente em direção ao que pretendo
fazer durante a noite, se não o fizer, perco o resto do dia sentado no sofá
sapeando por mídias digitais e viajando distâncias imaginárias para Dubai ou
Ubatuba sem sair do sofá. O grupo que vai analisar os dados ficará um longo
período no escuro, sem receber notícias da corajosa sonda até que ela esteja
pronta para emitir novos sinais vitais aos seus tutores terrestres, tudo deve
levar um ou dois dias, não sabemos ao certo. Não são raras as noites que passo
de olhos abertos procurando respostas virtuais para perguntas imediatas e
superficiais que surgiram apenas por eu estar procurando resposta para outras
perguntas imediatas e superficiais, assim mergulho no cosmos de outras vidas
pelas fotografias e dados expostos em seus universos particulares. Após cumprir
sua missão de longos anos, Cassini ficará sem combustível e mergulhará uma
última vez para o denso e obscuro mundo do desconhecido planeta Saturno com uma
triunfal queima de componentes que entraram para o livro dos recordes como o
primeiro show pirotécnico do planeta dos compromissos. Meu compromisso
permanecerá mesmo que eu desapareça em pedaços em um particular show de fogos,
artificiais e belos, enquanto aguardo no escuro a próxima ligação, mensagem ou
sinal divino que me aproxime ou afaste de outro alguém. A humanidade colidirá
com uma nova fronteira, demarcando assim com sua urina metálica territórios
alheios, como sempre fez e continuará fazendo por direito assumido em leis
terráqueas com validade universal indeterminada. Meu mundo colidirá com outro
formando novas partículas de fortes ligações atômicas e será objeto de estudo
para outros planetas em galáxias distantes e menos invasivos do que nós, seres
humanos, de racionalidades duvidosas, enquanto uma chuva de meteoros ofuscará as
lentes de um telescópio apontado de Saturno para cá, construído com os
destroços de uma sonda decaída, feito um anjo que trouxe tecnologia do céu, aos
seres do além mar, ou do além poeira cósmica, não sem antes ameaçar por vinte
vezes colidir com a poeira estelar por ali encontrada. Espero que os estudos
revelem a origem do meu ser, dos anéis que orbitam o meu planeta, das luas que
seguem o rastro infinito desse nado em águas negras, desviando de buracos
destruidores de planetas e enfim, as sondas se encontrem quando Saturno se
alinhar ao signo de Cassini em uma epopeia de explosões universais. Como é belo
e denso o universo e sua gravidade.<o:p></o:p></span></div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-26838989639782102162015-07-07T18:35:00.000-07:002015-07-07T18:35:16.321-07:00RetalhosRetrabalho hábitos envelhecidos<br />
Descrevo contornos embriagados<br />
Escolho peças de lados cortantes<br />
Desvio os olhos da realidade<br />
Em paraísos disfarço essa tristeza<br />
Enroscada na garganta inflamada<br />
Nos bicos dos seios já caídos<br />
De uma grande mãe fragmentada<br />
Descalço pés enlameados<br />
Não os lavo antes de dormir<br />
Encho o colchão de rua quente<br />
Cubro sonhos de concreto armado<br />
Sou pedra de chão mal colocada<br />
Faço tropeçar pernas bambas<br />
Porque escolho ser torto e largo<br />
Mas que me errem os pés suaves<br />
Não faço pouco de quem antes tenta<br />
Nem largo o cheiro do pó do homem<br />
Gosto mesmo é de pisadas fortes<br />
Pisadas que trazem o gosto da morteFilippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-44385158294889837992015-06-08T17:19:00.001-07:002015-06-08T17:19:43.090-07:00Folhas<div style="text-align: left;">
Olho todos os dias pela janela</div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
Logo na entrada da casa, </div>
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
à esquerda.</div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
Lá está ela, sempre à espera</div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
A olhar fixamente um horizonte sem fim</div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<span style="font-size: xx-small;">Detenho um gesto no corredor.</span><br />
<span style="font-size: xx-small;">Antes de girar a chave da porta e</span><br />
<br />
.<br />
<br />
Trancar para fora, o que é de fora<br />
<br />
Deixar para dentro o que é dentro.<br />
<br />
<div style="text-align: center;">
Ela sorri, como sempre faz essa hora,</div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-size: x-small;">(agora)</span></div>
<br />
Eu não vejo,<br />
<br />
Ou finjo que não, vejo,<br />
<br />
Me sirvo d`um copo d`água e,<br />
<br />
<b><span style="font-size: large;">Bebo.</span></b><br />
<br />
<div style="text-align: center;">
"O dia inteiro ela esperou que eu chegasse</div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
Para sofrer com a próxima partida"</div>
<br />
Tem sede, tem fome, tem calor<br />
<br />
<b>Precisa de uma gota de humanidade</b><br />
<b><br /></b>
Enquanto derruba suas pequenas folhas<br />
<br />
<div style="text-align: center;">
À morte certa </div>
<div style="text-align: center;">
do décimo </div>
<div style="text-align: center;">
andar.</div>
<br />
Ameaça se jogar em dias de chuva<br />
Depois floresce a me fazer inveja<br />
<br />
<div style="text-align: center;">
Eu que sou <span style="font-size: large;">sempre</span> <span style="font-size: x-large;">poeta em outono</span></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-size: x-large;">A derramar</span> <span style="font-size: large;">minhas folhas</span> pelo chão da casa</div>
<br />
Ofereço-a um beijo de misericórdia e<br />
<br />
Dou-lhe a água que tanto esperava<br />
<br />
Pra matar a sede de um novo dia<br />
<br />
Pra enfrentar a noite que é sempre fria.Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-12547534865631197812015-05-05T18:54:00.004-07:002015-05-05T18:55:53.794-07:00Rebobine<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Devolva depois de usar, mas
devolva limpo. O prato de comida não deve voltar sujo, deve voltar limpo, ou
cheio com outra comida. É uma gentileza, meu filho, uma gentileza. Não se
esqueça de agradecer, depois lave as mãos três vezes, antes de dormir. Se apagar
as luzes, faça em ordem, primeiro a da sala, depois cozinha, quarto do seu
irmão e enfim o seu. Se alguma dessas lâmpadas estiver acesa, recomece. Se olhe
no espelho, você é tão bonito, mas vê se não espreme essa espinha para não
deixar marca. Seu pai tinha muitas marcas, da época da guerra, era um
adolescente apenas e vivia se espremendo. Isso antes de perder parte da pele do
rosto, claro, acho até que ficou mais bonito, charmoso. O que está fazendo? Não
se pode colocar os cotovelos na mesa, é feio. Levante-se, sente-se, repita.
Três vezes. Se fizer de novo ficará de castigo, escovará os dentes não mais do
que quatro vezes ao dia, está bom para você? Sem choro, nem vela, é castigo.
Aliás, já tomou seu banho? E depois do banho enxugue os meios dos dedos,
primeiro o pé esquerdo, depois o direito, da esquerda para a direita, depois
repita, no sentido contrário. E depois do banho vem o que? Muito bem, escovar
os dentes novamente, mas não se esqueça de lavar a mão ao final, e o rosto
também, somente duas vezes está bom. Ah! Claro! Apague a luz está entendendo?
Isso é muito importante e, se a luz do outro banheiro estiver acesa, por favor
não acenda essa. Como assim? Você sabe que se fizermos tudo direitinho não vai
acontecer de usar os dois banheiros ao mesmo tempo, que tolice. Preste atenção,
ainda há muito o que aprender, você é um tanto quanto desleixado, mas dá-se um
jeito. Olhe que ainda nem falamos das semanas, meu Deus, e quando o inverno
chegar. Vamos, vamos, entendeu tudo? Amanha? Oras, amanhã, devolva o prato
limpo ou cheio, lave as mãos, apague as luzes, você não entendeu nada? Apenas,
repita.</span><o:p></o:p></div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-46458040625526654222015-02-17T08:54:00.004-08:002015-02-17T08:57:40.449-08:00Entre nós<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Muito antes de dizer, antes de qualquer coisa, antes de qualquer gole de café, gelado, eu pensei. Pensei que as coisas seriam diferentes se eu fosse uma pessoa melhor, se eu fosse justo, se eu fosse. Não foi, existia apenas uma urgência em estar vivo, uma vontade de seguir em frente sem saber pra onde, uma constante dor me acompanhava dentro do carro, uma força maior me impulsionava caminhando, uma outra forma de pensar me dizia o que fazer em todos os momentos. Gostaria de assumir outros valores, implodir o que ficou pra trás, mas não, melhor não. Grito, em silêncio, que o que passou passou e por favor me deixe em paz. Sei o que é o fel e o mel, sei o que devo dizer, tenho raiva dessa impunidade, tenho amor pelos que tentam, não quero morrer por ser honesto. Também quero o meu quinhão, mas não tão sujo quanto o deles. Me lembro do meu pai me dizendo que todos os dias nascem um trouxa e um esperto e, quando os dois se encontram, dá negócio. Eu realmente desejei esse lugar, do esperto, mas me sinto trouxa, me sinto enganado por uma dúzia de espertos impunes que usam desse poder para vencer, em cima de mim, de você, de nós. Seus filhos crescem no sangue roubado dos que trabalham, dos que batalham. Quero deletar, o que sinto, o que acredito, pra me sentir menos como um peixe morto nesse aquário de água rala. Me dê mais um gole desse vinho, mais um trago desse tabaco, mais uma picada dessa agulha, mais um cheiro desse seu perfume que me seduz, me vicia, me faz sentir o coração pulsando na boca como se fosse a primeira vez. Seu beijo, seco e cinza, beijo de chão quente. Te olho de baixo, me sinto impotente, de pau murcho e magro, tenho fome, sede, lágrimas. Explodo na intensidade dos extremos enquanto você insiste que o erro é dos outros, que o erro é meu, que eu sou pouco pra você e que o preço da gasolina está insatisfatório pra você manter três carros na garagem. Será obrigado a comprar uma bicicleta. A sensação amarga da chuva ácida molhando seus poucos cabelos, isso te incomoda e me molha de entendimento. Tu, ó tu, maldito ladrão de homens, afogue-se nas águas do teu sofrimento e devolva o que é meu. É isso, vou fazer diferente, quero ter o seu lugar, mas não. Pensei não existir mais nada além daqui, de nós, mas me encontrei dentro de mim e hoje farei do meu jeito, da minha maneira. Serei enfim, um rei. Seja feliz, é tudo e é agora, o mundo foi salvo, nessa urgência, paciência. A vida é maior do que nós. Tenho vocês e vocês a mim. Entre nós, é nosso, desamarro. Amém.</span><br />
<br />
"Inspirado no CD: 'Zero e Um' (2004), do Dead Fish - banda nacional. Recomendo. Muito."</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-20068832659822531532015-02-14T15:40:00.000-08:002015-02-14T15:40:29.257-08:00São Jorge<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Saio às pressas de encontro à rua, atravessando a porta de casa. Devolvo aos pulmões o ar que lhes roubei. Caminho pela calçada pensando no que pode acontecer. Uma multidão se materializa na minha frente, cruzando pela esquina mais movimentada da cidade. Revolução, o povo está na rua, todos cantam, todos estão felizes e ensandecidos pela união. Amor, lute pelos teus direitos e peça a São Jorge para que não chova. Vi a multidão como um corpo só a se locomover pra frente, para o progresso, para o protesto. Uma garota me pinta o rosto em coloridos, escreve alguma coisa na minha testa. Sorrio, ela me beija a boca molhada e vai embora. Um rapaz me entrega um copo de cerveja. Espere, não se faz revolução dessa maneira. Que canção estão cantando? Caminhando e cantando... O que estão pedindo e protestando, que motivo leva tantas pessoas à rua em tamanha união? Onde estão as cobranças pelos altos impostos, pela água, pelo crescimento geral desta nação. Não é revolução. E aquela garota? Não era amor? Alguém me responde: não. Era apenas carnaval.</span></div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-41906549864097990352015-02-12T16:19:00.001-08:002015-02-12T16:22:37.948-08:00Estação<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;">Sigo. Sozinho. Às vezes eu olho ao redor, nos rostos das pessoas que passam, os
transeuntes, e penso, ou penso que penso, será que eles estão lá, será que
todos estão vendo também? São espíritos errantes que não aceitaram o fim. Que
fim? Serei eu um espírito que não admite o fim? Que fim? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;">As mil-e-uma
toxinas do cigarro amarelaram a minha barba, o tempo corroeu os meus dentes e
roubou o meu sorriso, a vida comeu minha alma a garfo e faca e agora eu
apodreço, sentado, fumando. Devolvo os filmes na locadora e pego mais três,
sento para assistir, muitas vezes o mesmo filme sem ter certeza se já assisti
ou não. O cara da locadora me olha como se eu fosse louco. Fico confuso, também
não sei se sou louco ou não. Devolvo, pego mais três, de novo não sei se já vi,
tenho a vista ruim e não sei onde coloquei os meus óculos. Também tanto faz,
quanto menos eu vejo, mais eu posso me dar ao luxo de assistir o mesmo filme
vez após outra. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;">Acendo o
cigarro, sirvo o gole, bufo a vida pra fora da boca, aspiro álcool, devolvo cara
feia, trago, assopro, trago, guardo, assopro, trago, bebo mais um gole, tusso
com os olhos vermelhos, morro mais uma vez no beijo do copo, no sexo oral com a
nicotina, te chupo, me chupe, me morda, devolva a minha vida, sorrio, enfim,
sorrio. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;">Acordo no
sofá com o DVD na tela de menu inicial. Dou o play, durmo de novo, acordo sete
minutos depois, a cabeça dói, a boca gruda, parece que masquei cola bastão,
bebo água suja, da torneira da cozinha. A cabeça dói, o olho dói, os joelhos
doem. Deito na cama com os olhos lacrimejando, com remelas nos cantos que coço
sentindo os dedos ásperos, tudo dói, sinto medo, meu peito dói.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;">O relógio
chama as 12 horas, ereto. O pau duro do dia, pronto pra gozar na minha cara
mais um resto de dia, que eu bebo em goles de cachaça, em tragos de cigarros
filados dos bêbados das padarias. Sinto fome, muita fome. Deixo meu corpo rolar
pra fora da cama seguindo um ritual até colocar a coluna no lugar. Chacoalho a
mão esquerda que dorme e sinto o sangue alfinetando as pontas dos meus dedos.
Sigo até a geladeira, no caminho tusso, tusso muito, um escarro preto percorre
o meu sistema respiratório trazendo um gosto putrefaço à minha boca, o gosto de
dentro, gosto de mim, gosto de alma inerte. Questiono porque comecei a fumar,
perco a fome por um segundo e encaro a geladeira de longe. Preciso comer
qualquer coisa, cuspo o resto da mistura de alcatrão e órgãos internos. Minhas
tripas roncam de novo, abro a porta da geladeira e vejo pedaços de mim ali
dentro, não tenho vontade de nada, mas o ronco reclama na boca do meu estomago
e me obriga a pegar uma caixa de leite que dorme na porta. Cheiro, parece estar
bom, bebo um gole para testar, não consigo conter a fome e bebo meia caixa do
leite que desce doendo, abrindo caminho pela garganta inflamada, seca,
escarrada. Me sinto todo fodido. O DVD continua tocando no menu, de novo e
outra vez.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%;">Olho pra
estante do outro lado da sala, visão que tenho dali da geladeira mesmo. Meus
olhos embaçados não enxergam, mas sabem o que veem lá. A foto dela me encara,
ao lado de mais três porta-retratos, que sorriem. Lembro da casa cheia, lembro
de quando ainda enxergava o caminho, lembro de ter pedido pra ela não ir, sinto
uma dor forte no braço esquerdo, lembro de ter chorado, a dor toma conta de
mim, o leite cai, ela fecha a porta, as crianças choram, os vermes me comem, a
porta se abre, não há ninguém do outro lado, eu choro, meu peito chora, meus
joelhos doem ao acertar o chão, o caixão se fecha, os olhos encaram, as crianças
e ela não voltam, eu não volto, não posso, não consigo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%; text-indent: 35.4pt;">O leite molha a minha cara colada ao
chão, meu braço direito perde as forças e treme, minhas pernas procuram por
onde caminhar, a respiração enfraquece. Por que? Ela não volta, eu peço que
volte, eu pergunto a Deus onde ela está? Vou encontrá-la? Meus filhos, minha
família, aquele maldito trem, aquele trilho sem manutenção, ela fugia pra casa
da mãe dela porque eu bebia demais, eu choro, eu me lembro de tudo agora, eu
não quero ir embora, eu não quero que ela vá embora. Os vermes consomem o que
restou dos meus olhos, minhas tripas, eu inteiro espero alguém me encontrar ali
naquele chão, espero o leite começar a feder, espero a primeira pá de terra,
espero não voltar nunca mais, nunca mais.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; line-height: 107%; text-indent: 35.4pt;">Fecho os olhos, morro, acordo no
sofá. Acendo um cigarro, tenho sede. A cabeça dói. Os porta-retratos continuam
sorrindo e eu, sumindo.</span></div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-24987661083716367992014-12-23T12:36:00.005-08:002014-12-23T12:36:54.906-08:00Chovemos<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">É terça
feira<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">A chuva
cai, desmotivada<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">O moinho
gira, mas não quebra pedras<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">A vida
passa, mas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Não dá
passagem<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Quem vem
às pressas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">É a mãe
daquele rapaz que<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Foi
morto na rua<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Três
tiros e adeus<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Ela
chora. Chove<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Depois
vem o bêbado<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Dançando
rua acima<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Desviando
dos pés que<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Mal lhe
calçam os sapatos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Ele não
chove<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Quando
ela sai de casa<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">É o
centro, da cidade,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Das
atenções dos olhos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Atentos
que desejam,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">A cabeça
de guarda chuva<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Eu,
observo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Bebo e
observo, café e pessoas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Nessa
ordem, um gole, um homem<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Uma
mulher, um mendigo,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">O cão
que bebe, a água da chuva<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Chovemos,
choramos, sorrimos<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Bookman Old Style",serif;">Somos
todos gotas d’agua<o:p></o:p></span></div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-55500473504610415582013-09-12T18:16:00.002-07:002013-09-12T18:16:25.495-07:00Espelho meu<div style="text-align: justify;">
Converso com alguém grudado na parede do meu banheiro. Eu sei que este alguém sou eu mesmo em meu pequeno espelho de parede com moldura laranja, desses que os velhos fazem a barba em filmes <i>cults</i>. Meu espelho no final sempre foi o único que me guiou até mim mesmo. A resposta pronta pra pergunta que rasga eras e destroça cabeças fracas com balas de trêsoitão: quem sou eu afinal? Concordo que o reflexo não é dos melhores, mas vale a reflexão. "O senhor tem um belo nariz, grande e batatudo. Os olhos mais pra lá do que pra cá e a boca... a boca é bonita, tem belos dentes, só poderia escová-los melhor, não acha?". Acho, mas a preguiça mata, dá tártaro na boca e no vão dos dedos, nas juntas, no joelho. Chamam de esporão o que não ta na boca (mesmo sendo outra coisa que não é tártaro), eu chamo de dor aguda, ou dor do caralho mesmo, pra resumir. O médico falou pra tomar cuidado ao me mexer. Não se preocupe doutor, não pretendo mudar minha vida de sedentário ativo pra desafiar meus ossos que se rebelam contra mim, apontando pra onde dói mais que é o lado de dentro. Me mantenho então quietinho mesmo, mais uma semana e outra, privando o mundo da minha beleza e de todo o meu talento para o nada. E mais um dia - hora - minuto se vão, outros copos de água suja e o peixinho sempre no aquário. Algum dia esse peixe acorda de ponta cabeça, ou eu, vai saber...</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-70599100915082813992013-09-08T17:35:00.000-07:002013-09-08T17:35:02.539-07:00Pensamento do diaSomos os chatos dançando no saco da terra.Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-14789132269737538172013-08-01T14:45:00.001-07:002013-08-01T14:45:54.798-07:00Óculos escuros<div style="text-align: justify;">
Ela se deita na areia da praia esticando as pernas o máximo que pode, e os braços também. Espreguiça-se por que tem preguiça de todo o resto do mundo. Está de bikini e tem um belo corpo, com umas dobrinhas aqui e ali, mas um lindo corpo. É branca de doer os olhos, mas assim na areia parece um anjo - ou anja, pra não ser alvo de protestos - se deliciando com o banho de sol que mais tarde vai avermelhar sua pele e doer muito enquanto ela pensa "por que raios eu não fico morena?". É feita assim, pra ser branca e as vezes vermelha mesmo. Morena nunca, mas é de invejar a sua luta contra a natureza das cores. Tentei explicar certa vez que era coisa das melaninas, que eu tinha visto isso em alguma aula no colegial, mas ela insistia em se queimar e se lamentar da dor. Naquele dia, ela me olhou através dos óculos escuros e disse algo que eu não consigo me lembrar, porque estava pensando comigo mesmo "com olhos tão bonitos como os dela eu jamais usaria óculos escuros".</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-65176235519460593262013-07-18T15:26:00.001-07:002013-07-18T15:26:28.553-07:00Morfossintáxe<div style="text-align: justify;">
Escrever, verbo, infinitivo. Infinito em possibilidades. Ainda assim, tão simples, com a pequena intenção de registrar algo em papel ou, nesse caso, no computador, na nuvem, no céu escuro embaixo de alguma geleira. Palavra por palavra, registra-se, ou por um lado mais metafórico, registro-me. Combinações precárias de 26 letras ordenadas em grupos e galeras e multidões, formando assim um texto. Ou, abre aspas, um pretexto, fecha aspas. Colocar-se pra fora ou aprofundar-se olhando pra dentro de si. Ver o invisível que se perde no ar da fala e emudecer o som díspar das vozes dos homens, para dar lugar ao belo som de dentro de nós. - Aquela voz interior que lê os livros para você, sabe - . Voz de mãe e pai juntos, falando enquanto a mente sonolenta sorve o espesso caldo dessa sopa de letrinhas que chamamos de alfabeto. Escrever. Ato contínuo e viciante. Droga que expõe o imaginário ao mundo real e que, se acumulada por muito tempo, explode pra dentro causando febre e ansiedade. Dá falta de ar. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Libertar-se enfim. Escrever é libertar-se. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Como é limitado quem vive de dicionários.</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-77503529939079348602013-06-05T15:50:00.002-07:002013-06-05T15:50:25.445-07:00Poema de gavetaNos teus braços<br />
adormece a solidão<br />
de nós<br />
<br />
Dos abraços cansados,<br />
do afago e do amor<br />
<br />
Do gosto de vida suada,<br />
do suor cheio de sal.<br />
<br />
O sal do oceano.<br />
<br />
Que banha o que resta<br />
do que um dia<br />
fomos nós<br />
<br />
Sós,<br />
apenas nós<br />
sós.Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-73992383991157556382013-06-01T15:36:00.000-07:002013-06-01T15:36:50.429-07:00Cotidianas<div style="text-align: justify;">
Andando pelas ruas de dentro de casa eu me lembro das marcas de minha infância. Ruas por onde disputei sozinho grandes corridas de carros velozes e coloridos. Corridas que por vezes perdi e, por não aceitar a derrota, me convencia de que eu estava no outro carro, o vencedor. Nesta mesma casa, andei colado nas paredes fingindo ser um grande espião, invisível e mortal, cheio de artimanhas e instrumentos de espionagem moderna como os binóculos que eu fazia com minhas próprias mãos ou as luvas com ventosas que eu improvisava com meias velhas. Assim, eu espionava a casa, entrava nos quartos imperceptível e assustava a mocinha que trabalhava em casa. Anos depois eu entendi que ela se deixava assustar para me alegrar, mas disse também que as vezes se sentia vigiada sem saber se eu estava realmente por perto.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A moça era bonita em minha memória, mas realmente feia nas fotografias. Eu, mais do que todos na casa, convivia com ela diariamente e acompanhava com minhas brincadeiras os serviços domésticos que ela executava com maestria. Mesmo assim, minha mãe ainda reclamava de um copo mal lavado ou um móvel empoeirado. Ela seguia então limpando e eu observando os novos cheiros da casa limpa.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os anos se passaram e ela também passou, lavou, cozinhou e se dedicou a cada centímetro daquela casa. Cada dia mais cansada e eu cada dia mais distante. Passaram-se as férias e eu pouco tempo tinha para espionar os serviços domésticos. Mudamos de casa e ela continuou conosco. Tive que partir para abraçar o mundo enquanto ela continuava abraçando as almofadas para tirar o pó do sofá. Aos poucos, ela dentro de casa se tornou o silêncio que eu tanto gostava de ouvir. A casa se limpando sozinha, trocando de pele, de cheiros e gostos. Minha cama sempre posta para os dias de visita e a mesa sempre farta em noites frias. Ela, silenciosa, preencheu os vazios da vida cotidiana.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Hoje, quando limpo minha própria casa, sinto que é ela quem me observa, analisando se aprendi direito tudo o que me ensinou enquanto eu brincava. E assim eu retiro o pó dos cantos da casa. Lavo-me e passo-me enquanto lavo e passo as minhas roupas. Termino o dia limpo, com apenas um pensamento fora do lugar. Gostaria de me lembrar do nome dela.</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-59928147114204200882013-04-07T19:18:00.002-07:002013-04-07T19:18:23.445-07:00FragmentosPenso o passo em um lampejo<br />
E realizo os tons em notas de realejo<br />
Lendo Álvaro de Campos eu vejo<br />
O poema que sempre desejo,<br />
Escrever para a morte antes do beijo<br />
<br />
---<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
Escrevo assim pra me entender</div>
<div style="text-align: right;">
Escrevo para mim, para sobreviver</div>
<div style="text-align: right;">
Sebrescrevendo o que quero dizer</div>
<div style="text-align: right;">
Em letras que possam adormecer</div>
<div style="text-align: right;">
No coração de quem quiser ler</div>
<div style="text-align: right;">
E talvez, contrário a mim, me esclarecer</div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
---</div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<br />
No cigarro, a fumaça do passado amarga o instante<br />
Na bebida, o gosto do amado tão distante<br />
E na razão boba de quem arruma os sonhos na estante<br />
Esperando dividi-los com seu amante<br />
A certeza de que o caminho restante<br />
Trará de volta a paz e o amor de antes<br />
<br />
---<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
Outro trago, outro gole e outro pensamento</div>
<div style="text-align: right;">
Voltando-se mais uma vez para dentro</div>
<div style="text-align: right;">
Para onde nasce o tédio e o contentamento</div>
<div style="text-align: right;">
E a certeza de amar o belo e o sem talento</div>
<div style="text-align: right;">
Cala o medo do sofrimento</div>
<div style="text-align: right;">
Devolvendo à boca o sorriso lento</div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
---</div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<br />
Como deste amor com a boca rasgada<br />
E os pedaços do teu sorriso remonto de madrugada<br />
Me olhando no espelho de cara borrada<br />
Encarando todos os defeitos de uma vida passada<br />
Apago a luz então cansada<br />
E me deito, sozinha,sonhando outra vez, acordada.<br />
<br />
---<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
Não penso, não paro, não socializo</div>
<div style="text-align: right;">
A resposta do louco é sempre o sorriso</div>
<div style="text-align: right;">
A rima da rima tende ao infinito</div>
<div style="text-align: right;">
Quando penso o que quero, paro e reflito</div>
<div style="text-align: right;">
Quando não penso, não paro e simplesmente, realizo</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-35706307953963660562013-03-01T16:01:00.001-08:002013-03-02T07:49:18.845-08:00Edifícios<div style="text-align: justify;">
O estômago revirava em contrações. Comia o tempo a colheradas sem matar a fome. Fome do tempo, passado e futuro. O presente, de grego, não satisfaz a necessidade do corpo e da alma. Enfraquece os ossos do sujeito que logo de desmonta desfazendo-se, completando o ciclo, ao pó retornando depois de tantos anos incrivelmente normais e medianos. Sem muitos altos e baixos, além da única montanha russa que visitou na vida, uma lágrima seca se desprende da face percorrendo os vincos do rosto já idoso. É o fim, ele pensa, e o fim é. Nem mesmo um último suspiro para dramatizar a cena. Nem familiares, nem o choro da despedida. Ele se vai, como expelido do próprio corpo, em meio a um acesso de tosse, entre a reverberação de seus pulmões e o escarro do adeus. Quando olha pra trás, tudo o que vê é um corpo cansado de não fazer nada, estufado e quase da mesma cor do sofá em que eternizou a marca de suas nádegas cada dia maiores. Pediu pra voltar e tentar de novo, mas pensou melhor e retirou o pedido, alegando que pouco faria para ser diferente, não saberia nem mesmo por onde começar. Não queria outra vida de "e se..". Se tivesse entendido cedo que se não quisesse empoeirar deveria chacoalhar - se vez ou outra que fosse, talvez tudo seria diferente. Não acreditou que seria, por isso não o fez. Permaneceu sentado, em segurança. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pouco antes de sucumbir à crise de tosse, pensou que poderia ter feito mais da vida. Gostaria de ter ido mais vezes ao parque de diversões que ficou anos perto de sua casa e que viu se transformar em uma loja de automóveis usados que aproveitou alguns brinquedos enferrujados para, apesar dos altos riscos tetânicos, dar diversão aos filhos pentelhos dos clientes gordos e bigodudos. Depois, viu crescer grandes e fálicos edifícios enquanto seus pais choravam na cozinha com a pressão das empreiteiras que se utilizavam das dívidas dos imóveis para desapropriar as casas que estavam em seus caminhos. Àquela altura, já tinha pelos pubianos o suficiente para querer descobrir o que havia além daqueles edifícios, só não tinha colhos o suficiente para tal. Ficou em casa mesmo e foi por ali que viu o pai cair de joelhos com a mão direita apertando a camisa no peito, com a boca aberta tentando beber os últimos goles de ar até cumprimentar o chão com as bochechas. Bateu as botas ali mesmo. Sem reação, em choque, permaneceu sentado com o controle da TV na mão tempo o suficiente para que a mãe, que ouvira o estrondo de tantos quilos impactando os azulejos da cozinha, chegar ao recinto e desmaiar, não sem antes soltar um grito tão agudo que o fez saltar do sofá desafiando suas quase inutilizadas capacidades de equilíbrio bípede. Acordado do sonambulismo em que vivia, correu para socorrer a mãe e o pai. Sem saber a quem atender primeiro, entrou em desespero e começou a gritar na cozinha, chorando compulsivamente. O som primitivo que saiu de suas entranhas, somado ao anterior grito de sua mãe, de tão verdadeiros os sons assustaram os vizinhos que logo chamaram a polícia. Ao fim do dia, que parecia ser como outro qualquer, se viu sozinho em casa, com o pai agora tão frio como sempre havia sido na vida, porém de fato dentro de alguma geladeira e a mãe internada, com uma contusão na cabeça que não demorou muito a sarar, mas que deixou uma região careca na vasta cabeleira branca, concedendo à pobre senhora uma expressão de bruxa pior do que a que já tinha. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Passado o susto e superadas as tristezas pelo finado pai, voltou a viver em harmonia com seu sofá e o controle da televisão. Pouco depois, foi-se a mãe, carregada pelas circunstâncias da vida. Circunstâncias essas bastante concretas, em uma esquina perto da padaria do "seu" José, onde cinematograficamente foi atingida por um ônibus coletivo e sobrevoou alguns pedestres desavisados caindo no asfalto frio da manhã. Não seria preciso dizer mais sobre o caso, não fosse pelo jeito marcante que ficou no chão, e pela tarifa abusiva de três reais e dez centavos do transporte coletivo. Um absurdo. Morreu então de olhos abertos encarando o início do dia, com um pobre sorriso no rosto, como se aceitasse o fim que recebera. Não se pode dizer então que era de todo ruim a rotina de sentar ao sofá e assistir em sequencia todos os seus programas favoritos, afinal, foi assim que ficou sabendo do ocorrido com a mãe, no noticiário das oito, que anunciou a morte da velha e iniciou uma grande revolta nacional contra a tarifa do coletivo. Poucos diziam, mas muitos pensavam que era melhor que tivesse acertado logo o prefeito, coitada da velha. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Teve que se mudar. Carregou consigo somente o sofá, a televisão e as poucas roupas que possuía. Quando se deu conta que não tinha lembranças da família e voltou pra pegar umas fotos antigas, não encontrou mais a casa, que havia sido derrubada e dormia sossegada embaixo de uma nova construção. Acabou se perdendo sem a sua única referência. À noite, já na nova casa - se assim a pudesse chamar, decidiu o que já estava decidido há tempos: não sairia mais de casa para nada. Assim o fez, até perecer sem que o mundo se desse conta. Até cuspir fora o que restou de sua alma naquele acesso de tosses fortes e nojentas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Agora, espectro apenas, sem corpo que lhe pusesse travas, nem raízes que lhe prendesse, fez o que sempre esperou pacientemente poder fazer. Depois de anos sem se entender bem com as pernas, bateu as asas e voou para longe. Longe de si. Longe de todos.</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-1884138643023458002013-02-07T14:18:00.001-08:002013-02-07T14:18:10.796-08:00SolidezBrinca comigo com leveza<div>
Transparente</div>
<div>
Emana em mim</div>
<div>
Sua pureza</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Parado</div>
<div>
Eu sólido</div>
<div>
Em simples dureza</div>
<div>
Vejo ela</div>
<div>
Líquida e pura</div>
<div>
Com tristeza<br />
<br />
Brinca comigo com leveza<br />
Acaricia minha<br />
Rigidez<br />
Depois vai embora<br />
Me deixando assim<br />
Molhado<br />
Outra vez<br />
<br />
Com sua leveza<br />
Então se vai<br />
Levando de mim<br />
O tempo<br />
Deixando só<br />
O medo<br />
Do tempo que fica<br />
<br />
Eu sujo<br />
E sem ela<br />
Que leve se foi<br />
<br />
Enferrujo</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-28566584315743332062013-01-25T16:44:00.005-08:002013-01-25T16:44:51.709-08:00Na companhia do vento<div style="text-align: justify;">
O quarto não está mais do que vazio, cheio de móveis e silêncio apesar da música no rádio. Música que toca em silêncio os pensamentos dele. O teto deste apartamento não tem manchas, é branco por inteiro à espera das marcas de uma vida um tanto quanto entediante. Ele fuma um cigarro na sacada, com a porta fechada pra fumaça não invadir o quarto, para além dos pulmões, junto com os primeiros raios da manhã que, esses sim, adentram o ambiente sem pedir licença. Os olhos estão perdidos em um horizonte poluído de edificações angulares onde é possível que esteja procurando o fim. O ponto mais longe daquela sacada. Não pensa em pular, gosta da vida, mas se voasse pularia. Voaria para além do horizonte vertical, em busca de uma montanha em que pudesse meditar sozinho. Na companhia do vento. Queria poder enxergar o vento, as cores de um cheiro bom e o sentido da vida. O cigarro acaba, a bituca também não voa e cai feito beijo no asfalto, com sabor de nicotina. Ele sorri porque pensou no beijo, no asfalto. Felicidade repentina pela vida que viveu. Que bom que já havia lido algo de interessante, mas queria mesmo era escrever. Algo que pudesse ficar para sempre, marcado, feito aquele beijo no asfalto agora carimbado pela borracha do pneu de algum andarilho motorizado. Somos todos andarilhos, ele pensa. Almocreves. Cedo ou tarde encontramos o nosso caminho. Às vezes cedo demais, às vezes tarde demais. Quase nunca do jeito que a gente quer, mas no fim, bem, encontramos.</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-32611155410435637632013-01-16T15:47:00.001-08:002013-01-16T15:47:32.636-08:00Aquilo que não existePosso dizer que te amei, sim.<br />
Talvez.<br />
Porque tudo o que me ensinou é belo.<br />
E o feio?<br />
Também.<br />
Não fosse isso, não saberia a diferença.<br />
E hoje?<br />
Hoje eu sei.<br />
E então.<br />
Não, não mais.<br />
Nem um pouco.<br />
Pouco, talvez.<br />
Talvez.<br />
E o que aprendeu?<br />
O amor, claro.<br />
E a falta dele<br />
E a falta dele<br />
Bom, já dizia ela<br />
Ela?<br />
Aquela, da TV.<br />
Ah. Da TV.<br />
Coração quebrado tem cura.<br />
Tem?<br />
A paz de não precisar mais aguardar a perfeição que não existe.<br />
Ah. Belo, realmente.<br />
Sim, belo. Fecha-se o ciclo.Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7025527834647050710.post-40697570043176533682013-01-12T07:10:00.001-08:002013-01-12T07:10:44.406-08:00A valsa dos alcoolizados<div style="text-align: justify;">
Perguntei a ela por que não e ela me respondeu que era complicada de mais. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Como assim?</div>
<div style="text-align: justify;">
- Assim. - ela disse. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E continuou. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Leia isso! - abrindo um livro do Caio F. Abreu e me empurrando para sentar em uma grande almofada que estava no chão.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
"Os sobreviventes".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Eu já li esse texto. É realmente complicado, mas também muito bonito. Assim como... </div>
<div style="text-align: justify;">
- Não. Leia de novo, ouvindo esta música! - ela, meio mandona.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Vai até o rádio e coloca um vinil velho, da Ângela Ro Ro. Amor meu grande amor é a música. Ela ainda escuta discos de vinil.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Conheço essa música também. - eu, o culto.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Você precisa aprender a escutar a música. Conhecer não basta. - ela, mais culta do que eu.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E começa a dançar ao som da música, fazendo círculos no tapete Yin-Yang comprado usado em alguma feira coisas velhas. Com uma das mãos pra cima e a outra abraçando a si mesma pela cintura, de olhos fechados, ela dança a valsa dos alcoolizados. Eu a observo impaciente, sentado na grande almofada no chão, desconfortável.
Ela abre os olhos e me encara.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Leia o texto. Agora. - diz, sorrindo pra si mesma.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Começo a ler, como ordenado. Leio, escuto a música, observo ela dançando nas pausas e deixo aquilo me mostrar o caminho que tanto ela quer que eu percorra.
"Amor meu grande amor" - ela canta junto. "...e tudo o que eu te dou, meu calor, meu endereço...". Leio o texto. Leio o texto e escuto a música. Leio a música, o texto. Escuto o texto enquanto leio a música e ela dança, dança sobre a minha alma que agora entende e se assusta. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Eu preciso ir embora. - digo. </div>
<div style="text-align: justify;">
- Por que? - ela pergunta, congelando o movimento da dança. </div>
<div style="text-align: justify;">
- Você é muito complicada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Levanto e saio pela porta da frente.</div>
Filippe F. Cosenzahttp://www.blogger.com/profile/04925819026329458188noreply@blogger.com3