Finalmente chegamos ao nosso destino. Sem bater à porta entramos, de pés descalços. Era como uma regra por lá, os pés descalços, entre tantas outras regras. O senhorzinho de cabeça branca do outro lado provavelmente percebeu a briga que tivemos em frente à casa, antes de decidirmos por atravessar o jardim e resolver o que devia ser resolvido. Não havia jeito de ele não ter percebido já que quando eu percebi a presença dele ele já me encarava com um ar de desgosto, com a cara mais enrugada do que o normal, que eu provavelmente não vou esquecer tão facilmente. Provavelmente por causa dos palavrões, mas ele não se preocuparia com isso se soubesse de fato como nos tratávamos em casa. Palavrões eram comuns em nossas casas desde a nossa infância. Cada um na sua, apesar de já nos conhecermos naquela época.
Entramos na casa. Cumprimentamos os que já estavam por lá e evidentemente nos arrependemos de ter entrado. Deviamos ter terminado de discutir na rua, mandado o velho à merda e ido pra casa. Nossa casa. É engraçado que pensei nisso enquanto atravessava o jardim, mas achei melhor não falar nada. Talvez ela estivesse mais confortável com a situação do que eu. Não estava e isso ficou claro em seu rosto e corpo logo que alcançamos a sala de estar. Os passos arrastados e os dedos apertados, esmagando as palmas das mãos revelaram a vontade de ir embora. Nos deixamos adentrar à sala sem disfarçar a vontade de estar em outro lugar. Onde estariam os outros? Até pensei em perguntar, mas desanimado demais desisti e me deixei amolecer no sofá. Ela caminhou até a poltrona mais próxima e se sentou, aprumou o corpo com o pouco de energia que lhe restava e soltou o ar que comprimia no peito, depois de ser notada e esquecida por todos que estavam presentes.
Seria aquilo então. Já estávamos lá dentro e não dava pra sair sem ser questionado antes que tudo começasse. Os cumprimentos, a música, a comilança, os pés sujos o suficiente pra dar nojo de colocar as meias novamente. Alguns presentes dos mais esforçados e uns abraços desajeitados dos menos íntimos. Havíamos combinado, então teríamos que ficar por ali. Só não estava no clima, mas eu poderia ter feito melhor do que fiz, isso é certo. No entanto, preferi ficar ali, no sofá, sem sujar muito os pés até dar a hora de ir embora. Só me levantei pra pegar um copo de uísque, em algum momento propício que não me lembro qual. Provavalmente alguém começou a falar sobre novela ou big brother brasil e eu aproveitei a deixa. Me servi, na cozinha, sozinho, de uma bela dose que tomei de um gole só, derramando algumas lágrimas. Foi neste momento que ela entrou, pela outra porta, de frente pra mim e me viu com os olhos vermelhos. Sem dizer nada ela se aproximou, me tocou o rosto, coçando a minha barba com a ponta dos dedos e depois me abraçou apertado. Se afastou novamente e disse "eu te amo", me olhando nos olhos ainda molhados pela dose de uísque. Sorriu, como não sorria ha tempos e saiu, pela porta que eu entrei.
Servi-me de outra dose de uísque, com gelo pra quebrar o gosto horrível que tinha. Atravessei a cozinha e saí, pela porta que ela entrou. Atravessei o outro ambiente que não me lembro o que era, depois mais um, até sair pela porta dos fundos da casa. Pisei a grama descalço, sentindo o frio do solo me subir pela espinha. Sentei no primeiro apoio que encontre e encostei o copo na boca, ameaçando beber mais um gole, mas fui impedido. Impedido por meu próprio choro que explodiu de dentro de mim. Um choro contido, inesperado e explodido... "Eu também te amo!", pensei. E chorei o quanto pude. Bebi e chorei, até dar a hora de ir embora...
não para, não para! escreva mais e sempre.
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