terça-feira, 27 de novembro de 2012

#2

Dessa vez comecei
pelo título
cansado
De começar pelo meio
Sem saber
Que o meio pode ser
O começo
Do fim.
O fim.

Você está deitada na cama
No rádio uma musica
POP
Pobre de letra
Como nós
Que somos mais do que palavras
Melodias
Somos
Melhores assim
Sem falar nada

Porque definir nem sempre é limitar
E imitar pode ser a definição
Do outro
Limitado

Se eu pudesse tirar uma lasca de nós
E escondê-la entra as letras
De um texto qualquer
Seria mais ou menos como isso
Poesia sem métrica
Ou vice
Ou versa
Poesia, ainda assim

Quem não acredita
Que tome no cu

Porque eu
Ou você, tanto faz
Posto que
Sendo um, os mesmos
Somos

Sem besteiras
Sem romances
Sem meias palavras
Sem recusas sem sentido
Dos sentidos
Excitados e armados

Prontos

Pra começar tudo de novo

Quando for a hora.

domingo, 25 de novembro de 2012

Uísque

Tudo começa com o tilintar das pedras de gelo dentro do copo alcoolizado de uísque. Copo de vidro, brinde da geleia royal que vende no supermercado por aqui. Naturalmente, os dedos firmados no topo do copo descrevem pequenos movimentos circulares com a mistura, reforçando as batidas dos cristais de água. No rádio, uma melodia gostosa de alguma composição de Chopin. Ainda que as músicas deste me inquietem a alma, é sempre bom tê-lo como parceiro de goles e, se possível em alto e bom som. Como é noite e nem todos os vizinhos compartilham de mesmo gosto musical, o som fica baixo mesmo, ainda assim penetrante, no qual me deixo absorver em pensamentos. Como já esperado e sem mais perdas de tempo, o primeiro gole, resultando em instantânea queimação peitoral, não pela má qualidade do uísque, mas sim pelo tempo em que estivera sem ele. É como um castigo de velho amigo que não se vê a tempos, primeiro a indecisão das palavras, a queimação dos olhos motivados e o amargo gosto das meias palavras parecendo desconhecidos. Depois do primeiro gole, tanto na amizade quanto na bebida, todo o resto desce suave como deve ser e doce como todo reencontro. Minha língua encontra o líquido que, neste caso, aguardou pacientemente por doze anos, sendo cuidadosamente preparado para este humilde paladar, acostumado com a cerveja gelada do país tropical em que vivemos. Se isso traz algum efeito, pode-se dizer que intensifica o sabor que, pela falta de hábito no consumo, parece novo a cada vez que enchemos o copo. Depois de mais um ou dois goles sinto minhas pernas menos agitadas, diminuindo a frequência com que vinham se movimentando ultimamente, pra cima e para baixo, como as pernas de uma locomotiva à vapor. Imagino também que pelo mesmo motivo da locomotiva, a cada dia que passa, maior a carga que carregam e maior é a força para movê-las, mais combustível se faz necessário e mais rapidamente se movem, pra cumprir os prazos, pra chegar ao destino que muitas vezes não sabem qual é ou simplesmente não se importam mais. Funcionando então pela inércia do trabalho, continuam a se movimentar aos finais de semana. Por isso o gole de uísque que, contraditoriamente,  vem para apagar o fogo de tempos tão difíceis. Outro e outro gole, o gelo agora completamente derretido. Chopin continua me inquietando o ser e me obrigando a fechar os olhos aos últimos goles, tentando evitar a angústia da solidão ou maquinando o próximo grande plano pra mudar de vida enquanto é tempo. Tanto faz o sentimento, geralmente um é consequência do outro. Nessa vida, não sabemos ao certo quando virá a próxima tempestade, nem se seremos levados juntos com ela, o importante é saber que depois da chuva sempre vem o vento, que vira brisa no rosto da gente e refresca feito o último gole de uísque, renovando o corpo e a alma cansada. O copo agora está vazio e cheio. A bebida se foi, restou o cheiro dos pensamentos que roubou de mim e também o fardo de mais uma semana em guerra fria. Na língua o gosto do recomeço. Nos ouvidos, o mesmo, Chopin, imortalizado nos dedos de algum pianista muito habilidoso. Então vem o sono, depois o sol, depois a vida e por fim, a morte. Tudo contido num pequeno copo de uísque.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

#1

Enfim a vida sorri pra ela
Ela que não existe
Não necessariamente
Ainda que necessária

   Que se faça presente
   Que se escute de longe
   A música ao longe
   Que marcam seus passos
   Que passam as marcas
   De cada lugar
   Onde já esteve

      Nessa cidade, 
      a necessidade
      De estar só
      Só com ela
      Mesmo que
      Sem ela
      Esteja só
      Pensando nela

 E em resposta
 Ao que ela era
 Eu adão, ela
 Eva
 E agora me leva
 A pensar assim
 Na maçã
 No amanhã
 E de repente
 Tão perto dela
 Eu percebo

                     Que não existe ela
                     Dentro de mim
                   
A poesia

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Repescagem de texto antigo: "Poupatempo"


15h25min.

No poupa tempo:

- Por favor, eu queria...
- Ala verde, senhor.
- Só isso? Aquela fila ali?
- Não senhor, a outra.
- Aquela quilométrica ali?
- Essa mesma, senhor. Segunda pilastra.
- Está certo.

Bom. 15h27min. O carro fica duas horas no estacionamento sem pagar e eu entrei às.. 15:25. Dá tempo.

- Senhor... Senhor... SENHOR?
- Oi? Desculpe.
- O senhor está atrapalhando a fila.
- Ah. Me desculpe.
- Tudo bem. Ah! Não se esqueça da xerox dos documentos aí listados.
- Documentos?
- É. RG, CPF, comprovante de residência.
- Está certo! Obrigado!
- Por nada... Próximo!

Mulher apática. Senhor, senhor, senhor. Eu tenho 23 anos, não sou um senhor. Pobre coitada. Bom, preciso das cópia desses documentos, vamos ver: RG, CPF, comprovante, uhmm, foto 3x4. Foto 3x4? Merda.

Na loja ao lado:

- Oi, preciso de uma foto 3x4.
- Muito bem, sente-se ali.
- Estou boni - FLASH - to.

Cacete de flash forte!

- 5 minutos e está pronto senhor.
- Hum. 5 minutos?

O poupa tempo devia ser assim também. Perdi mais tempo pedindo informações do que tirando uma foto.

- E quanto é?
- 8 reais.

5 minutos depois, 8 reais mais pobre, de volta ao poupa tempo:

Ala verde, segunda pilastra, fila quilométrica. Ótimo. Pode ficar pior? Pode. Tem alguém cheirando mal por aqui. Cagou e não se limpou, parece. 15:41 e acabei de entrar na fila. Vamos ver, a fila acabou de andar, vi a pessoa la na frente chegando ao guixê pra ser atendida. Contando o tempo. 15:43, próxima pessoa, o que dá uns 2 minutos por pessoa... Deve ter umas 20 pessoas na minha frente então serei atendido em torno de 40 minutos, em termos simples. Bosta, que demora... E a senhora da outra fila não para de me encarar. Preciso me desligar por alguns minutos até chegar a minha vez. Pois bem...

20 minutos depois, guixê 3:

- Vim renovar.
- Certo. Provisória ou definitiva?
- Definitiva.
- Aqui está sua senha, é só se sentar ali e esperar chamar.

Bancos. Filas pra se andar com as bundas. Quando se está fodido melhor que lhe doa somente o cu ao invés do cu e as pernas.

- Está demorando?
- Em torno de uma hora, senhor.

Senhor, que mania mais educadamente estúpida, preferia ser chamado de "moleque" ou "voce ae", ou melhor não chamar de nada mesmo. Fica só no que importa, sem os pronomes de tratamento no final.

40 minutos depois, a bunda doendo e o banco sigilosamente marcado pelo meu cu:

Cacete de número que não passa. Poupa tempo de-cu-é-rola, agora eu entendo essa expressão: de-cu-é-rola. Pelo visto "poupa" está mais para o sumo da fruta do que qualquer outra coisa. Com esse tanto de gente aqui dentro e com ese cheiro, se isso aqui for uma fruta, gigante, é uma fruta bem densa e podre de tão fedida. Sem falar no calor. Tenho ainda mais uma meia hora antes de vencer o cartão do carro. Tudo bem, deve ter mais uma hora inteira até eu ser atendido.

17h10, 15 minutos antes de vencer o cartão, E3208:

Sou eu, finalmente. Cacete, não vai dar pra virar o carro e vou ter que pagar o cartão.

- Oi.
- Renovação?
- Sim.
- Confira os dados.
- Nome, endereço... Tudo certo!
- Ok. Assine aqui, senhor.

Senhor é o teu cu!

- Aonde, aqui?
- Isso. E aqui também.

No seu rabo também?

- Só isso, senhor.
- Só isso?
- Sim, senhor.

Puta-que-pariu, por que demorou tanto pra chegar minha vez se é só isso que se faz aqui? Assina aqui, confere ali. Se parassem de falar tanto "senhor, senhor, senhor" eu teria sido atendido muito antes. Cacete!

- Agora é só aguardar naqueles bancos ali, senhor, que já vai tá chamando a sua senha.

Chama o Pascoale também pra ajudar aqui a moça!

- Outra senha?
- Sim. Essa é pra pagar o exame médico.
- Exame médico? Mas que... Tudo bem. Está demorando?
- Em torno de uma hora senhor.
- Obrigado.

Por nada! Se eu quisesse teria feito isso sozinho pela internet. 17:23 caraca, dá pra virar o carro. Fui!

Depois de virar o carro:

Arrasta cu de novo. Prá lá e pra ca. Aqui que já tinha um cu, agora tem o meu. E aonde tinha o meu agora tem... Nossa! Uma mãe bem gostosona. Queria que esse bebê fosse meu, isso significaria que eu teria passado a vara nessa gostosa. Não acredito, vai amamentar! Minha nossa, que teta. Eu queria uma teta dessas. Pensando bem eu queria mamar numa teta dessas. Que peitinhos perfeitos. Agora o outro, que tortura! Perdi até a vergonha de olhar já. Controle -se homem, essa ai não está pro seu bico. Bico. Ah! Que vontade. Senha. Cuzinho pra la, o dela pra ca e o peitinho também. Acabou de mamar, sobrou pra mim? Não? Que pena. Olho no painel.

74 minutos depois, cu pra lá cu pra cá, alguns sonhos eróticos com as tetas da mulher amamentado, U5009 sala 15:

Sou eu. Tchau peitinhos, até a próxima. Preciso mesmo de uma mulher... Espero que o médico não note e me declare por louco. Apesar que depois de 3 horas e tantos aqui nesse lugar fedido e lotado é completamente são que eu esteja louco!

- Oi doutor.

Lerdo!

- Oi, por favor, sente- se!

Tá nervosinho.

- O que eu preciso...
- Olha nesse equipamento por favor.
- Certo.
- Fala as letras que você vê com o olho esquerdo.
- Com o olho esquerdo não vejo nada, doutor.
- Ah! Me desculpe, abri o lado errado.

Doutor Chapatin!

- Agora sim, o que vê?
- C, K , J, I, O.
- E agora?
- H, O, N, K.
- De novo.
- I, J, F.
- Muito bem. Agora o direito.
- C, K, J, I, O.

Não se deram ao trabalho de trocar as letras, que coisa estúpida. Se eu fosse cego de um dos olhos ainda assim passaria no teste.

- E agora?

Sem olhar.

- H, O, N, K.
- Muito bem.

Trouxa.

- E agora?
- I, J, F.
- Muito bem! Agora você verá um flash e vai me dizer que letra vê quando a luz se apagar.
- Certo.

FLASH. Cacete, meu olho, filho da...

- R! A letra é R!
- Perfeito.

Escreve no papelzinho que eu passei, vai.

- Está aqui, é só se informar ao lado quando pode retirar o novo documento.
- Obrigado.

Livre desta merda, finalmente. Poupatempo... Imagine onde não poupa.

Cacete, acabou!! Vou comer que estou com fome.

Ah não! Fila pra comer também!? Chega.

E assim nasceu "um dia de fúria".

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sourires

(Arte lindamente cedida por Marcelo B C Júnior)

Noite de sexta-feira em uma cidade estrangeira. Francesa de olhos verdes, coisa de um metro e cinquenta e poucos de altura. Coisa linda, ainda que bêbada. Mais do que eu pelo menos. Ela estava sendo massacrada por um galanteador de balada que babava bobagens aos ouvidos dela tentando se escorar na parede atrás com a mão livre. Na outra mão uma cerveja e um cigarro fedorento de sabor. Um panaca, resumindo. Passei ao lado deles e cruzei olhares com a francesinha. Ela sorriu, pra mim, não pra ele. Sorriu pedindo ajuda pra sair dali, sorriu pedindo ajuda pra morrer logo de uma vez, ou sorriu simplesmente porque gostou da troca de olhares. Eu ainda não sabia que ela era francesa.
Intervenção.

-Oi! Quanto tempo, como estão as coisas? E a família como vai?
-Sim. - ela respondeu, um pouco confusa.
-Então, com licença amigo, preciso falar com ela um minuto, você se importa?
-Foda-se! - ele respondeu, babando.
-Ok então foda-se você. Vamos? - respondi pra ele e perguntei pra ela.
-Sim! - de novo.

Achei estranho ela só responder "sim", mas fiquei quieto. Já vi tanta coisa pior nas noites dessa cidade que um "sim" seco soa melhor do que um "não" com um soco, certo? Pois bem, continuemos. O galã de novela mexicana se retirou cambaleando. Eu fiquei.

-Desculpa, você parecia desesperada e eu me senti obrigado a te salvar. - eu, o herói.
-No hablo portugués.
-Oh. Fuck.
-Oh. I speak english.
-Great! De onde você é? I mean. Quer dizer, ahm.. Where are you from? Sorry i'm a bit bêbado. Drunk, you know! - agora eu entendo porque o outro estava babando.
-No worries, i'm drunk too. Borracha. Bêbada. - falou entre risos embriagados.

Pausa. Risos embriagados. Que sorriso amigos! Que embriaguez. Paixão da noite, sem maiores consequências. Cervejas, cigarros e... espera, não vou me adiantar. Continuando...

-You're beautiful. Muito beautiful.
-Bonita? Eu? - em português, mesmo.
-Sim.
-I'm french. From france. You asked.
-Ah. Geralmente. I mean, french, they usually come from.. you know.. france. Mais, que bon. Parlez vous français? - eu, tirando o pó do meu francês.
-Oui. Généralement, nous parlons français, en France!

Gargalhadas.

-Très bien! Nous pouvons parler en français.
-Non! - ela respondeu, brochando meu francês.
-Non?
-Je n'aime pas le français?
-Por quê non? - acho que essa pergunta ela entendeu pelo gesto, não pela fala.
-I prefer parler en anglais. I mean. Speak english.
-Que salada.
-What?
-What a salad! Lots of languages.
-Lots of alcohol.
-Me like it! - sorri, tentando parecer canalha, mas parecendo eu mesmo, só que bêbado. 
-Comment tu t'appele? - continuei.
-Elise.
-Prazer!
-What?
-Nice to meet you.
-You too. Pra-zer! Right? - arriscando o português, delícia.
-Isso!

Sorrisos.

-Ahm. Another drink? - i asked, quer dizer, perguntei.
-I have a boyfriend! - ela fez biquinho.

Pausa. Ela fez biquinho. Sabe? Quanto ao namorado, quem perguntou?

-Oh! Great! Your heart is full, but your glass is empty. - acho que fiz biquinho nessa hora também. 
-Another drink? - sorri subindo as sobrancelhas.

Ela pensou. Fez biquinho de novo. Que belezura de mulher.

-Alright! - respondeu sorrindo na ponta dos pés. -But just one.

5 copos depois, dois de cada e o último dividido...

-Please, kiss me now! - foi isso o que entendi ela falando, mas poderia ter sido "shit! i need to go now!", o que aparentemente era isso mesmo.
-What are you doing? - ela perguntou, se afastando do beijo babado que eu preparei só pra ela.
-Mean you what? I mean.. What you mean.. do you? - parecia que eu estava bêbado.

Ela riu gostosamente da minha bebedeira.

-I said that i need to go now!
-Oh. That. Fuck! I heard "kiss me now"!
-Maybe it was your heart talking to you. - ela apelou falando do meu coração.
-Or talking to you! - errei na distância com o dedo que ia apontar, acertando a boca, ao invés do nariz dela.

Ela explodiu em risos. Eu também, mas contido, sobriamente fingido, bebadamente bêbado.

-You're so drunk. - me elogiou.
-Thank you. - agradeci, agradecido.
-I re-e-e-e-a-lly need to go, baby.

Por que ela fez isso? Me chamar de baby, eu, bêbado encantado.

-Don't baby me! Je peux tomber amoureux. - provavelmente o que falei saiu muito pior na hora, julgando pela cara dela.
-Sorry, baby. - sorriu provocante.
-I can't, you have a boyfriend.
-Yes, but not love.

Pausa dramática. Aquilo mexeu comigo de várias formas. Uma delas foi pensar que não importa de onde viemos ou pra onde vamos, estamos sempre procurando a mesma coisa. A mesma chatísse retrograda e tradicional que não podemos viver sem. A porra do amor. Fuck! Pas pour moi! Fiquei parado, pensando na vida, nos últimos acontecimentos desse filme europeu que eu sou - aliás, que filmão! - e ela percebeu meu olhar afundando nas memórias.

-Smoke with me! - ordenou ela segurando um cigarrinho imaginário perto da boca, entre o indicador e o do meio.
-Yes! - eu, que não fumo.
-And then i go!
-And then we go. - estendi a mão pra ela.
-No tengo cigarrilhos. - espanholizou.
-Nem eu! - shit.

Estendi o braço pra alguém. Ela segurou minha outra mão. Segurei na mão dela.

-Hei, amigo, tem cigarro ai!? - acho que era o cara que tava babando em cima dela antes.
-Tenho. - me estendeu um cigarro de gosto.
-Que merda!
-Quê? - perguntou parecendo reconhecer meu rosto.
-Eu disse obrigado! - mas que merda.

Peguei o cigarro, apertei a mão dela e a puxei, pra fora do bar. Claro que eu também não tinha isqueiro, mas o cara da rua tinha. O mendigo que mora na porta do bar. Gente boa, acendeu pra ela. Um mendigo instruído cheio de cavalheirismos, até beijou a mão da moça antes de ir embora. Um gentleman! Um homeless gentlemen. Do francês, sans-abrí, éduqué. Resolvi abrir minha vã filosofia de bar para a nossa ilustre francesinha, foco da história.

-Éduqué, non? - francesei.
-Si!
-A gentleman.
-Oui.
-A homeless gentleman. Do francês...

Fui interrompido por um beijo esfumaçado! Um estalinho de cigarro fedorento.

Pausa pra entender que porra aconteceu.

Entabacado ou embasbacado - tanto faz - fixei os olhos nos olhos dela, lindamente verdes e avermelhados agora, e perguntei semi-sóbrio:

-Did you see that?
-What? - ela perguntou sorrindo.
-A crazy french girl just kissed me! Did you see?
-No. - ela riu. - I think YOU are the crazy one! Loco! - apontou pra mim e fez voltinhas com a outra mão perto da cabeça.
-Louco eu? Non. I swear to you I... - interrompido novamente por mais um beijo.

What the fuck!? Dessa vez fechei os olhos. Mantive o biquinho depois do beijo. Quando abri os olhos, ela sorria.

-You're so crazy! Kissing the air thinking it's a french girl.
-It's good to breathe a french kiss. Makes me alive, that air. - falei respirando fundo o beijo francês em forma gasosa, olhando fundo nos olhos dela.
-Don't do that.
-Do what?
-That look. - provavelmente ela falava do meu olhar pidão, marca registrada do meu charme natural ou sinal claro de que eu tenho algum problema.
-What look? - forcei a careta.

Ela riu.

-You're such a nice guy. - confete pra mim.
-Você é linda!
-What?
-Casa comigo!
-I don't understand.
-Me leva contigo pra gelar meu saco na frança.
-Hello? Anybody there?
-Sorry. I was saying that..
-What?
-That you..
-Say it!
-You better go.

... (som de vidros quebrando).

OK. Você deve estar se perguntando qual é o meu problema, certo? Te fazer ler tudo isso até aqui, passar por tudo isso e dispensar a garota assim, sem mais nem menos. Me dê um tempo, ok? A guria namora. Tudo bem que o cara está em outra galáxia praticamente, eu sei, mas não pude. Não posso. Eu que vivo falando dos problemas do mundo não poderia fazer isso. Ou poderia?

É, nesse sentido é bom ser o dono da história. Tudo isso que contei pode ser mentira. Pode também ser a mais completa verdade ou uma situação muito menor totalmente floreada, anabolizada. Quem vai saber? Eu, ela - se ela existir. Você fica na dúvida. Eu mesmo às vezes fico na dúvida. Aliás, deixe-me lembrar do fim da história.

...

-What? - ela perguntou sem entender.
-Sorry. I really... You should go, please.
-Ok.

O último trago foi dela. 

O último beijo foi meu. 

O último sorriso... 

Difícil dizer.