domingo, 25 de novembro de 2012

Uísque

Tudo começa com o tilintar das pedras de gelo dentro do copo alcoolizado de uísque. Copo de vidro, brinde da geleia royal que vende no supermercado por aqui. Naturalmente, os dedos firmados no topo do copo descrevem pequenos movimentos circulares com a mistura, reforçando as batidas dos cristais de água. No rádio, uma melodia gostosa de alguma composição de Chopin. Ainda que as músicas deste me inquietem a alma, é sempre bom tê-lo como parceiro de goles e, se possível em alto e bom som. Como é noite e nem todos os vizinhos compartilham de mesmo gosto musical, o som fica baixo mesmo, ainda assim penetrante, no qual me deixo absorver em pensamentos. Como já esperado e sem mais perdas de tempo, o primeiro gole, resultando em instantânea queimação peitoral, não pela má qualidade do uísque, mas sim pelo tempo em que estivera sem ele. É como um castigo de velho amigo que não se vê a tempos, primeiro a indecisão das palavras, a queimação dos olhos motivados e o amargo gosto das meias palavras parecendo desconhecidos. Depois do primeiro gole, tanto na amizade quanto na bebida, todo o resto desce suave como deve ser e doce como todo reencontro. Minha língua encontra o líquido que, neste caso, aguardou pacientemente por doze anos, sendo cuidadosamente preparado para este humilde paladar, acostumado com a cerveja gelada do país tropical em que vivemos. Se isso traz algum efeito, pode-se dizer que intensifica o sabor que, pela falta de hábito no consumo, parece novo a cada vez que enchemos o copo. Depois de mais um ou dois goles sinto minhas pernas menos agitadas, diminuindo a frequência com que vinham se movimentando ultimamente, pra cima e para baixo, como as pernas de uma locomotiva à vapor. Imagino também que pelo mesmo motivo da locomotiva, a cada dia que passa, maior a carga que carregam e maior é a força para movê-las, mais combustível se faz necessário e mais rapidamente se movem, pra cumprir os prazos, pra chegar ao destino que muitas vezes não sabem qual é ou simplesmente não se importam mais. Funcionando então pela inércia do trabalho, continuam a se movimentar aos finais de semana. Por isso o gole de uísque que, contraditoriamente,  vem para apagar o fogo de tempos tão difíceis. Outro e outro gole, o gelo agora completamente derretido. Chopin continua me inquietando o ser e me obrigando a fechar os olhos aos últimos goles, tentando evitar a angústia da solidão ou maquinando o próximo grande plano pra mudar de vida enquanto é tempo. Tanto faz o sentimento, geralmente um é consequência do outro. Nessa vida, não sabemos ao certo quando virá a próxima tempestade, nem se seremos levados juntos com ela, o importante é saber que depois da chuva sempre vem o vento, que vira brisa no rosto da gente e refresca feito o último gole de uísque, renovando o corpo e a alma cansada. O copo agora está vazio e cheio. A bebida se foi, restou o cheiro dos pensamentos que roubou de mim e também o fardo de mais uma semana em guerra fria. Na língua o gosto do recomeço. Nos ouvidos, o mesmo, Chopin, imortalizado nos dedos de algum pianista muito habilidoso. Então vem o sono, depois o sol, depois a vida e por fim, a morte. Tudo contido num pequeno copo de uísque.

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