terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sourires

(Arte lindamente cedida por Marcelo B C Júnior)

Noite de sexta-feira em uma cidade estrangeira. Francesa de olhos verdes, coisa de um metro e cinquenta e poucos de altura. Coisa linda, ainda que bêbada. Mais do que eu pelo menos. Ela estava sendo massacrada por um galanteador de balada que babava bobagens aos ouvidos dela tentando se escorar na parede atrás com a mão livre. Na outra mão uma cerveja e um cigarro fedorento de sabor. Um panaca, resumindo. Passei ao lado deles e cruzei olhares com a francesinha. Ela sorriu, pra mim, não pra ele. Sorriu pedindo ajuda pra sair dali, sorriu pedindo ajuda pra morrer logo de uma vez, ou sorriu simplesmente porque gostou da troca de olhares. Eu ainda não sabia que ela era francesa.
Intervenção.

-Oi! Quanto tempo, como estão as coisas? E a família como vai?
-Sim. - ela respondeu, um pouco confusa.
-Então, com licença amigo, preciso falar com ela um minuto, você se importa?
-Foda-se! - ele respondeu, babando.
-Ok então foda-se você. Vamos? - respondi pra ele e perguntei pra ela.
-Sim! - de novo.

Achei estranho ela só responder "sim", mas fiquei quieto. Já vi tanta coisa pior nas noites dessa cidade que um "sim" seco soa melhor do que um "não" com um soco, certo? Pois bem, continuemos. O galã de novela mexicana se retirou cambaleando. Eu fiquei.

-Desculpa, você parecia desesperada e eu me senti obrigado a te salvar. - eu, o herói.
-No hablo portugués.
-Oh. Fuck.
-Oh. I speak english.
-Great! De onde você é? I mean. Quer dizer, ahm.. Where are you from? Sorry i'm a bit bêbado. Drunk, you know! - agora eu entendo porque o outro estava babando.
-No worries, i'm drunk too. Borracha. Bêbada. - falou entre risos embriagados.

Pausa. Risos embriagados. Que sorriso amigos! Que embriaguez. Paixão da noite, sem maiores consequências. Cervejas, cigarros e... espera, não vou me adiantar. Continuando...

-You're beautiful. Muito beautiful.
-Bonita? Eu? - em português, mesmo.
-Sim.
-I'm french. From france. You asked.
-Ah. Geralmente. I mean, french, they usually come from.. you know.. france. Mais, que bon. Parlez vous français? - eu, tirando o pó do meu francês.
-Oui. Généralement, nous parlons français, en France!

Gargalhadas.

-Très bien! Nous pouvons parler en français.
-Non! - ela respondeu, brochando meu francês.
-Non?
-Je n'aime pas le français?
-Por quê non? - acho que essa pergunta ela entendeu pelo gesto, não pela fala.
-I prefer parler en anglais. I mean. Speak english.
-Que salada.
-What?
-What a salad! Lots of languages.
-Lots of alcohol.
-Me like it! - sorri, tentando parecer canalha, mas parecendo eu mesmo, só que bêbado. 
-Comment tu t'appele? - continuei.
-Elise.
-Prazer!
-What?
-Nice to meet you.
-You too. Pra-zer! Right? - arriscando o português, delícia.
-Isso!

Sorrisos.

-Ahm. Another drink? - i asked, quer dizer, perguntei.
-I have a boyfriend! - ela fez biquinho.

Pausa. Ela fez biquinho. Sabe? Quanto ao namorado, quem perguntou?

-Oh! Great! Your heart is full, but your glass is empty. - acho que fiz biquinho nessa hora também. 
-Another drink? - sorri subindo as sobrancelhas.

Ela pensou. Fez biquinho de novo. Que belezura de mulher.

-Alright! - respondeu sorrindo na ponta dos pés. -But just one.

5 copos depois, dois de cada e o último dividido...

-Please, kiss me now! - foi isso o que entendi ela falando, mas poderia ter sido "shit! i need to go now!", o que aparentemente era isso mesmo.
-What are you doing? - ela perguntou, se afastando do beijo babado que eu preparei só pra ela.
-Mean you what? I mean.. What you mean.. do you? - parecia que eu estava bêbado.

Ela riu gostosamente da minha bebedeira.

-I said that i need to go now!
-Oh. That. Fuck! I heard "kiss me now"!
-Maybe it was your heart talking to you. - ela apelou falando do meu coração.
-Or talking to you! - errei na distância com o dedo que ia apontar, acertando a boca, ao invés do nariz dela.

Ela explodiu em risos. Eu também, mas contido, sobriamente fingido, bebadamente bêbado.

-You're so drunk. - me elogiou.
-Thank you. - agradeci, agradecido.
-I re-e-e-e-a-lly need to go, baby.

Por que ela fez isso? Me chamar de baby, eu, bêbado encantado.

-Don't baby me! Je peux tomber amoureux. - provavelmente o que falei saiu muito pior na hora, julgando pela cara dela.
-Sorry, baby. - sorriu provocante.
-I can't, you have a boyfriend.
-Yes, but not love.

Pausa dramática. Aquilo mexeu comigo de várias formas. Uma delas foi pensar que não importa de onde viemos ou pra onde vamos, estamos sempre procurando a mesma coisa. A mesma chatísse retrograda e tradicional que não podemos viver sem. A porra do amor. Fuck! Pas pour moi! Fiquei parado, pensando na vida, nos últimos acontecimentos desse filme europeu que eu sou - aliás, que filmão! - e ela percebeu meu olhar afundando nas memórias.

-Smoke with me! - ordenou ela segurando um cigarrinho imaginário perto da boca, entre o indicador e o do meio.
-Yes! - eu, que não fumo.
-And then i go!
-And then we go. - estendi a mão pra ela.
-No tengo cigarrilhos. - espanholizou.
-Nem eu! - shit.

Estendi o braço pra alguém. Ela segurou minha outra mão. Segurei na mão dela.

-Hei, amigo, tem cigarro ai!? - acho que era o cara que tava babando em cima dela antes.
-Tenho. - me estendeu um cigarro de gosto.
-Que merda!
-Quê? - perguntou parecendo reconhecer meu rosto.
-Eu disse obrigado! - mas que merda.

Peguei o cigarro, apertei a mão dela e a puxei, pra fora do bar. Claro que eu também não tinha isqueiro, mas o cara da rua tinha. O mendigo que mora na porta do bar. Gente boa, acendeu pra ela. Um mendigo instruído cheio de cavalheirismos, até beijou a mão da moça antes de ir embora. Um gentleman! Um homeless gentlemen. Do francês, sans-abrí, éduqué. Resolvi abrir minha vã filosofia de bar para a nossa ilustre francesinha, foco da história.

-Éduqué, non? - francesei.
-Si!
-A gentleman.
-Oui.
-A homeless gentleman. Do francês...

Fui interrompido por um beijo esfumaçado! Um estalinho de cigarro fedorento.

Pausa pra entender que porra aconteceu.

Entabacado ou embasbacado - tanto faz - fixei os olhos nos olhos dela, lindamente verdes e avermelhados agora, e perguntei semi-sóbrio:

-Did you see that?
-What? - ela perguntou sorrindo.
-A crazy french girl just kissed me! Did you see?
-No. - ela riu. - I think YOU are the crazy one! Loco! - apontou pra mim e fez voltinhas com a outra mão perto da cabeça.
-Louco eu? Non. I swear to you I... - interrompido novamente por mais um beijo.

What the fuck!? Dessa vez fechei os olhos. Mantive o biquinho depois do beijo. Quando abri os olhos, ela sorria.

-You're so crazy! Kissing the air thinking it's a french girl.
-It's good to breathe a french kiss. Makes me alive, that air. - falei respirando fundo o beijo francês em forma gasosa, olhando fundo nos olhos dela.
-Don't do that.
-Do what?
-That look. - provavelmente ela falava do meu olhar pidão, marca registrada do meu charme natural ou sinal claro de que eu tenho algum problema.
-What look? - forcei a careta.

Ela riu.

-You're such a nice guy. - confete pra mim.
-Você é linda!
-What?
-Casa comigo!
-I don't understand.
-Me leva contigo pra gelar meu saco na frança.
-Hello? Anybody there?
-Sorry. I was saying that..
-What?
-That you..
-Say it!
-You better go.

... (som de vidros quebrando).

OK. Você deve estar se perguntando qual é o meu problema, certo? Te fazer ler tudo isso até aqui, passar por tudo isso e dispensar a garota assim, sem mais nem menos. Me dê um tempo, ok? A guria namora. Tudo bem que o cara está em outra galáxia praticamente, eu sei, mas não pude. Não posso. Eu que vivo falando dos problemas do mundo não poderia fazer isso. Ou poderia?

É, nesse sentido é bom ser o dono da história. Tudo isso que contei pode ser mentira. Pode também ser a mais completa verdade ou uma situação muito menor totalmente floreada, anabolizada. Quem vai saber? Eu, ela - se ela existir. Você fica na dúvida. Eu mesmo às vezes fico na dúvida. Aliás, deixe-me lembrar do fim da história.

...

-What? - ela perguntou sem entender.
-Sorry. I really... You should go, please.
-Ok.

O último trago foi dela. 

O último beijo foi meu. 

O último sorriso... 

Difícil dizer.

Um comentário:

  1. A guria namora!

    Depois de tantos confabulares, cá estamos juntos haha!
    Que os sorrisos e sonhos perdurem e se multipliquem.

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