sábado, 29 de dezembro de 2012

Entre ruas

Cá "estamos" eu novamente. Eu e meu ego, esgotado de ser ego porque eu não o ajudo muito. Você imaginou que estaríamos aqui? Não? Nem eu, porque eu não acreditava realmente. Pra mim sempre foi algum tipo de fantasia, mas não sei se acreditei que aconteceria de fato, que chegaríamos neste ponto tão... O quê? Sim... bem.. mas a algumas semanas atrás.. é, passado eu sei, e hoje.. isso! presente! Mas ainda fica aquela dúvida sabe? Aquela coisa surreal que marca este momento. Se for ver bem é uma terça-feira de uma semana totalmente aleatória em que, que eu saiba, nenhum astro deve estar se alinhando ou se organizando de forma alguma pra que isso faça sentido, pra que aconteça, entende? Sim sim, talvez o próprio caos em si tenha sentido aqui neste momento, você já ouviu a história sobre o momento exato do caos em que ele se organiza e enfim... tá, parei com o papo aleatório, desculpa ser chato! Ah! Para, sou sim.. chato. Não, você não, você até que é legal. E bonita! Você é bonita! Não fique tímida, eu sempre achei e sei que muita gente também acha. Gente até demais pra falar a verdade, se eu fosse você não sairia mais de casa, é perigoso por aí. Lembro daquele dia que a gente tomou um sorvete pela rua. Você lembra? É, sim, você não gosta de... Mas como não pode gostar, é o melhor sabor do mundo! Ah! obrigado, o seu também! Agora fiquei sem graça... Não não, por favor, não vai agora, fique mais um pouco. Silêncio né? É, eu acho que.. tudo bem. Risos e risos. Bom é melhor eu ir mesmo, preciso dormir. Você devia também, descansar que o dia amanhã é longo... ah! não esqueça seu livro. Eu já li! Está bem, até amanhã então. Obrigado, você também. Beijos. Beijos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Sinestesia

Cada dia mais o cheiro dessa cidade impregna em meu nariz e eu tenho a certeza de que não sairá tão fácil. Mesmo às vésperas de partir, abro a porta da casa e deixo entrar os invisíveis aromas das laranjas misturado com fumaça de locomotiva. O barulho da máquina, ainda que distante, relembra os dias que passei ali em plena madrugada calorenta, do lado de fora da casa observando as poucas estrelas no céu. Em dias de chuva dá pra ver melhor, por conta da fiação ruim nas ruas que não sustenta as luzes nos postes e revela por trás de seu manto urbano uma paisagem natural, bela em todos os sentidos. Suspiro, lembrando também das noites em que, ao invés das estrelas, minha companhia era um cigarro ou um caderno velho cheio de anotações. Os olhos vermelhos denunciam que também tive algumas tristezas por ali, naquele mesmo lugar. As estrelas e as lágrimas dividindo o quartinho apertado das emoções. 

Um dia, os vizinhos me convidaram para um churrasco na calçada. Sambinha, caipirinha e carne a vontade, tudo na conta deles já que eu era novo. Aceitei sorridente, ainda que com enrustida timidez. Conversamos e bebemos sob o sol escaldante desta cidade. O cheiro ali, era de liberdade. A sensação, felicidade. No meio deles, dessa nova vizinhança, um grande sorriso com gosto de laranja e um olhar, com as cores do mar em degradê, não sei porque, se fixaram em mim. Meus olhos enegrecidos pela imensidão do tempo dentro de mim, também mudaram de cor. Engraçado, ela cheirava perfume caro, mas tinha o gosto salgado, suave no tato. Cada milímetro daquela pele branca feito a neve, me fizeram derreter em sais de banho no calor vulcânico da cidade e dos nossos corações. Hoje, quando voo alto olhando pro céu, eu me lembro do cheiro laranja da liberdade, dos olhos oceânicos dessa felicidade nova, da boca dos desejos avermelhados e da pele branca que me deixou assim, falando em cores de novo.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

#2

Dessa vez comecei
pelo título
cansado
De começar pelo meio
Sem saber
Que o meio pode ser
O começo
Do fim.
O fim.

Você está deitada na cama
No rádio uma musica
POP
Pobre de letra
Como nós
Que somos mais do que palavras
Melodias
Somos
Melhores assim
Sem falar nada

Porque definir nem sempre é limitar
E imitar pode ser a definição
Do outro
Limitado

Se eu pudesse tirar uma lasca de nós
E escondê-la entra as letras
De um texto qualquer
Seria mais ou menos como isso
Poesia sem métrica
Ou vice
Ou versa
Poesia, ainda assim

Quem não acredita
Que tome no cu

Porque eu
Ou você, tanto faz
Posto que
Sendo um, os mesmos
Somos

Sem besteiras
Sem romances
Sem meias palavras
Sem recusas sem sentido
Dos sentidos
Excitados e armados

Prontos

Pra começar tudo de novo

Quando for a hora.

domingo, 25 de novembro de 2012

Uísque

Tudo começa com o tilintar das pedras de gelo dentro do copo alcoolizado de uísque. Copo de vidro, brinde da geleia royal que vende no supermercado por aqui. Naturalmente, os dedos firmados no topo do copo descrevem pequenos movimentos circulares com a mistura, reforçando as batidas dos cristais de água. No rádio, uma melodia gostosa de alguma composição de Chopin. Ainda que as músicas deste me inquietem a alma, é sempre bom tê-lo como parceiro de goles e, se possível em alto e bom som. Como é noite e nem todos os vizinhos compartilham de mesmo gosto musical, o som fica baixo mesmo, ainda assim penetrante, no qual me deixo absorver em pensamentos. Como já esperado e sem mais perdas de tempo, o primeiro gole, resultando em instantânea queimação peitoral, não pela má qualidade do uísque, mas sim pelo tempo em que estivera sem ele. É como um castigo de velho amigo que não se vê a tempos, primeiro a indecisão das palavras, a queimação dos olhos motivados e o amargo gosto das meias palavras parecendo desconhecidos. Depois do primeiro gole, tanto na amizade quanto na bebida, todo o resto desce suave como deve ser e doce como todo reencontro. Minha língua encontra o líquido que, neste caso, aguardou pacientemente por doze anos, sendo cuidadosamente preparado para este humilde paladar, acostumado com a cerveja gelada do país tropical em que vivemos. Se isso traz algum efeito, pode-se dizer que intensifica o sabor que, pela falta de hábito no consumo, parece novo a cada vez que enchemos o copo. Depois de mais um ou dois goles sinto minhas pernas menos agitadas, diminuindo a frequência com que vinham se movimentando ultimamente, pra cima e para baixo, como as pernas de uma locomotiva à vapor. Imagino também que pelo mesmo motivo da locomotiva, a cada dia que passa, maior a carga que carregam e maior é a força para movê-las, mais combustível se faz necessário e mais rapidamente se movem, pra cumprir os prazos, pra chegar ao destino que muitas vezes não sabem qual é ou simplesmente não se importam mais. Funcionando então pela inércia do trabalho, continuam a se movimentar aos finais de semana. Por isso o gole de uísque que, contraditoriamente,  vem para apagar o fogo de tempos tão difíceis. Outro e outro gole, o gelo agora completamente derretido. Chopin continua me inquietando o ser e me obrigando a fechar os olhos aos últimos goles, tentando evitar a angústia da solidão ou maquinando o próximo grande plano pra mudar de vida enquanto é tempo. Tanto faz o sentimento, geralmente um é consequência do outro. Nessa vida, não sabemos ao certo quando virá a próxima tempestade, nem se seremos levados juntos com ela, o importante é saber que depois da chuva sempre vem o vento, que vira brisa no rosto da gente e refresca feito o último gole de uísque, renovando o corpo e a alma cansada. O copo agora está vazio e cheio. A bebida se foi, restou o cheiro dos pensamentos que roubou de mim e também o fardo de mais uma semana em guerra fria. Na língua o gosto do recomeço. Nos ouvidos, o mesmo, Chopin, imortalizado nos dedos de algum pianista muito habilidoso. Então vem o sono, depois o sol, depois a vida e por fim, a morte. Tudo contido num pequeno copo de uísque.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

#1

Enfim a vida sorri pra ela
Ela que não existe
Não necessariamente
Ainda que necessária

   Que se faça presente
   Que se escute de longe
   A música ao longe
   Que marcam seus passos
   Que passam as marcas
   De cada lugar
   Onde já esteve

      Nessa cidade, 
      a necessidade
      De estar só
      Só com ela
      Mesmo que
      Sem ela
      Esteja só
      Pensando nela

 E em resposta
 Ao que ela era
 Eu adão, ela
 Eva
 E agora me leva
 A pensar assim
 Na maçã
 No amanhã
 E de repente
 Tão perto dela
 Eu percebo

                     Que não existe ela
                     Dentro de mim
                   
A poesia

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Repescagem de texto antigo: "Poupatempo"


15h25min.

No poupa tempo:

- Por favor, eu queria...
- Ala verde, senhor.
- Só isso? Aquela fila ali?
- Não senhor, a outra.
- Aquela quilométrica ali?
- Essa mesma, senhor. Segunda pilastra.
- Está certo.

Bom. 15h27min. O carro fica duas horas no estacionamento sem pagar e eu entrei às.. 15:25. Dá tempo.

- Senhor... Senhor... SENHOR?
- Oi? Desculpe.
- O senhor está atrapalhando a fila.
- Ah. Me desculpe.
- Tudo bem. Ah! Não se esqueça da xerox dos documentos aí listados.
- Documentos?
- É. RG, CPF, comprovante de residência.
- Está certo! Obrigado!
- Por nada... Próximo!

Mulher apática. Senhor, senhor, senhor. Eu tenho 23 anos, não sou um senhor. Pobre coitada. Bom, preciso das cópia desses documentos, vamos ver: RG, CPF, comprovante, uhmm, foto 3x4. Foto 3x4? Merda.

Na loja ao lado:

- Oi, preciso de uma foto 3x4.
- Muito bem, sente-se ali.
- Estou boni - FLASH - to.

Cacete de flash forte!

- 5 minutos e está pronto senhor.
- Hum. 5 minutos?

O poupa tempo devia ser assim também. Perdi mais tempo pedindo informações do que tirando uma foto.

- E quanto é?
- 8 reais.

5 minutos depois, 8 reais mais pobre, de volta ao poupa tempo:

Ala verde, segunda pilastra, fila quilométrica. Ótimo. Pode ficar pior? Pode. Tem alguém cheirando mal por aqui. Cagou e não se limpou, parece. 15:41 e acabei de entrar na fila. Vamos ver, a fila acabou de andar, vi a pessoa la na frente chegando ao guixê pra ser atendida. Contando o tempo. 15:43, próxima pessoa, o que dá uns 2 minutos por pessoa... Deve ter umas 20 pessoas na minha frente então serei atendido em torno de 40 minutos, em termos simples. Bosta, que demora... E a senhora da outra fila não para de me encarar. Preciso me desligar por alguns minutos até chegar a minha vez. Pois bem...

20 minutos depois, guixê 3:

- Vim renovar.
- Certo. Provisória ou definitiva?
- Definitiva.
- Aqui está sua senha, é só se sentar ali e esperar chamar.

Bancos. Filas pra se andar com as bundas. Quando se está fodido melhor que lhe doa somente o cu ao invés do cu e as pernas.

- Está demorando?
- Em torno de uma hora, senhor.

Senhor, que mania mais educadamente estúpida, preferia ser chamado de "moleque" ou "voce ae", ou melhor não chamar de nada mesmo. Fica só no que importa, sem os pronomes de tratamento no final.

40 minutos depois, a bunda doendo e o banco sigilosamente marcado pelo meu cu:

Cacete de número que não passa. Poupa tempo de-cu-é-rola, agora eu entendo essa expressão: de-cu-é-rola. Pelo visto "poupa" está mais para o sumo da fruta do que qualquer outra coisa. Com esse tanto de gente aqui dentro e com ese cheiro, se isso aqui for uma fruta, gigante, é uma fruta bem densa e podre de tão fedida. Sem falar no calor. Tenho ainda mais uma meia hora antes de vencer o cartão do carro. Tudo bem, deve ter mais uma hora inteira até eu ser atendido.

17h10, 15 minutos antes de vencer o cartão, E3208:

Sou eu, finalmente. Cacete, não vai dar pra virar o carro e vou ter que pagar o cartão.

- Oi.
- Renovação?
- Sim.
- Confira os dados.
- Nome, endereço... Tudo certo!
- Ok. Assine aqui, senhor.

Senhor é o teu cu!

- Aonde, aqui?
- Isso. E aqui também.

No seu rabo também?

- Só isso, senhor.
- Só isso?
- Sim, senhor.

Puta-que-pariu, por que demorou tanto pra chegar minha vez se é só isso que se faz aqui? Assina aqui, confere ali. Se parassem de falar tanto "senhor, senhor, senhor" eu teria sido atendido muito antes. Cacete!

- Agora é só aguardar naqueles bancos ali, senhor, que já vai tá chamando a sua senha.

Chama o Pascoale também pra ajudar aqui a moça!

- Outra senha?
- Sim. Essa é pra pagar o exame médico.
- Exame médico? Mas que... Tudo bem. Está demorando?
- Em torno de uma hora senhor.
- Obrigado.

Por nada! Se eu quisesse teria feito isso sozinho pela internet. 17:23 caraca, dá pra virar o carro. Fui!

Depois de virar o carro:

Arrasta cu de novo. Prá lá e pra ca. Aqui que já tinha um cu, agora tem o meu. E aonde tinha o meu agora tem... Nossa! Uma mãe bem gostosona. Queria que esse bebê fosse meu, isso significaria que eu teria passado a vara nessa gostosa. Não acredito, vai amamentar! Minha nossa, que teta. Eu queria uma teta dessas. Pensando bem eu queria mamar numa teta dessas. Que peitinhos perfeitos. Agora o outro, que tortura! Perdi até a vergonha de olhar já. Controle -se homem, essa ai não está pro seu bico. Bico. Ah! Que vontade. Senha. Cuzinho pra la, o dela pra ca e o peitinho também. Acabou de mamar, sobrou pra mim? Não? Que pena. Olho no painel.

74 minutos depois, cu pra lá cu pra cá, alguns sonhos eróticos com as tetas da mulher amamentado, U5009 sala 15:

Sou eu. Tchau peitinhos, até a próxima. Preciso mesmo de uma mulher... Espero que o médico não note e me declare por louco. Apesar que depois de 3 horas e tantos aqui nesse lugar fedido e lotado é completamente são que eu esteja louco!

- Oi doutor.

Lerdo!

- Oi, por favor, sente- se!

Tá nervosinho.

- O que eu preciso...
- Olha nesse equipamento por favor.
- Certo.
- Fala as letras que você vê com o olho esquerdo.
- Com o olho esquerdo não vejo nada, doutor.
- Ah! Me desculpe, abri o lado errado.

Doutor Chapatin!

- Agora sim, o que vê?
- C, K , J, I, O.
- E agora?
- H, O, N, K.
- De novo.
- I, J, F.
- Muito bem. Agora o direito.
- C, K, J, I, O.

Não se deram ao trabalho de trocar as letras, que coisa estúpida. Se eu fosse cego de um dos olhos ainda assim passaria no teste.

- E agora?

Sem olhar.

- H, O, N, K.
- Muito bem.

Trouxa.

- E agora?
- I, J, F.
- Muito bem! Agora você verá um flash e vai me dizer que letra vê quando a luz se apagar.
- Certo.

FLASH. Cacete, meu olho, filho da...

- R! A letra é R!
- Perfeito.

Escreve no papelzinho que eu passei, vai.

- Está aqui, é só se informar ao lado quando pode retirar o novo documento.
- Obrigado.

Livre desta merda, finalmente. Poupatempo... Imagine onde não poupa.

Cacete, acabou!! Vou comer que estou com fome.

Ah não! Fila pra comer também!? Chega.

E assim nasceu "um dia de fúria".

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sourires

(Arte lindamente cedida por Marcelo B C Júnior)

Noite de sexta-feira em uma cidade estrangeira. Francesa de olhos verdes, coisa de um metro e cinquenta e poucos de altura. Coisa linda, ainda que bêbada. Mais do que eu pelo menos. Ela estava sendo massacrada por um galanteador de balada que babava bobagens aos ouvidos dela tentando se escorar na parede atrás com a mão livre. Na outra mão uma cerveja e um cigarro fedorento de sabor. Um panaca, resumindo. Passei ao lado deles e cruzei olhares com a francesinha. Ela sorriu, pra mim, não pra ele. Sorriu pedindo ajuda pra sair dali, sorriu pedindo ajuda pra morrer logo de uma vez, ou sorriu simplesmente porque gostou da troca de olhares. Eu ainda não sabia que ela era francesa.
Intervenção.

-Oi! Quanto tempo, como estão as coisas? E a família como vai?
-Sim. - ela respondeu, um pouco confusa.
-Então, com licença amigo, preciso falar com ela um minuto, você se importa?
-Foda-se! - ele respondeu, babando.
-Ok então foda-se você. Vamos? - respondi pra ele e perguntei pra ela.
-Sim! - de novo.

Achei estranho ela só responder "sim", mas fiquei quieto. Já vi tanta coisa pior nas noites dessa cidade que um "sim" seco soa melhor do que um "não" com um soco, certo? Pois bem, continuemos. O galã de novela mexicana se retirou cambaleando. Eu fiquei.

-Desculpa, você parecia desesperada e eu me senti obrigado a te salvar. - eu, o herói.
-No hablo portugués.
-Oh. Fuck.
-Oh. I speak english.
-Great! De onde você é? I mean. Quer dizer, ahm.. Where are you from? Sorry i'm a bit bêbado. Drunk, you know! - agora eu entendo porque o outro estava babando.
-No worries, i'm drunk too. Borracha. Bêbada. - falou entre risos embriagados.

Pausa. Risos embriagados. Que sorriso amigos! Que embriaguez. Paixão da noite, sem maiores consequências. Cervejas, cigarros e... espera, não vou me adiantar. Continuando...

-You're beautiful. Muito beautiful.
-Bonita? Eu? - em português, mesmo.
-Sim.
-I'm french. From france. You asked.
-Ah. Geralmente. I mean, french, they usually come from.. you know.. france. Mais, que bon. Parlez vous français? - eu, tirando o pó do meu francês.
-Oui. Généralement, nous parlons français, en France!

Gargalhadas.

-Très bien! Nous pouvons parler en français.
-Non! - ela respondeu, brochando meu francês.
-Non?
-Je n'aime pas le français?
-Por quê non? - acho que essa pergunta ela entendeu pelo gesto, não pela fala.
-I prefer parler en anglais. I mean. Speak english.
-Que salada.
-What?
-What a salad! Lots of languages.
-Lots of alcohol.
-Me like it! - sorri, tentando parecer canalha, mas parecendo eu mesmo, só que bêbado. 
-Comment tu t'appele? - continuei.
-Elise.
-Prazer!
-What?
-Nice to meet you.
-You too. Pra-zer! Right? - arriscando o português, delícia.
-Isso!

Sorrisos.

-Ahm. Another drink? - i asked, quer dizer, perguntei.
-I have a boyfriend! - ela fez biquinho.

Pausa. Ela fez biquinho. Sabe? Quanto ao namorado, quem perguntou?

-Oh! Great! Your heart is full, but your glass is empty. - acho que fiz biquinho nessa hora também. 
-Another drink? - sorri subindo as sobrancelhas.

Ela pensou. Fez biquinho de novo. Que belezura de mulher.

-Alright! - respondeu sorrindo na ponta dos pés. -But just one.

5 copos depois, dois de cada e o último dividido...

-Please, kiss me now! - foi isso o que entendi ela falando, mas poderia ter sido "shit! i need to go now!", o que aparentemente era isso mesmo.
-What are you doing? - ela perguntou, se afastando do beijo babado que eu preparei só pra ela.
-Mean you what? I mean.. What you mean.. do you? - parecia que eu estava bêbado.

Ela riu gostosamente da minha bebedeira.

-I said that i need to go now!
-Oh. That. Fuck! I heard "kiss me now"!
-Maybe it was your heart talking to you. - ela apelou falando do meu coração.
-Or talking to you! - errei na distância com o dedo que ia apontar, acertando a boca, ao invés do nariz dela.

Ela explodiu em risos. Eu também, mas contido, sobriamente fingido, bebadamente bêbado.

-You're so drunk. - me elogiou.
-Thank you. - agradeci, agradecido.
-I re-e-e-e-a-lly need to go, baby.

Por que ela fez isso? Me chamar de baby, eu, bêbado encantado.

-Don't baby me! Je peux tomber amoureux. - provavelmente o que falei saiu muito pior na hora, julgando pela cara dela.
-Sorry, baby. - sorriu provocante.
-I can't, you have a boyfriend.
-Yes, but not love.

Pausa dramática. Aquilo mexeu comigo de várias formas. Uma delas foi pensar que não importa de onde viemos ou pra onde vamos, estamos sempre procurando a mesma coisa. A mesma chatísse retrograda e tradicional que não podemos viver sem. A porra do amor. Fuck! Pas pour moi! Fiquei parado, pensando na vida, nos últimos acontecimentos desse filme europeu que eu sou - aliás, que filmão! - e ela percebeu meu olhar afundando nas memórias.

-Smoke with me! - ordenou ela segurando um cigarrinho imaginário perto da boca, entre o indicador e o do meio.
-Yes! - eu, que não fumo.
-And then i go!
-And then we go. - estendi a mão pra ela.
-No tengo cigarrilhos. - espanholizou.
-Nem eu! - shit.

Estendi o braço pra alguém. Ela segurou minha outra mão. Segurei na mão dela.

-Hei, amigo, tem cigarro ai!? - acho que era o cara que tava babando em cima dela antes.
-Tenho. - me estendeu um cigarro de gosto.
-Que merda!
-Quê? - perguntou parecendo reconhecer meu rosto.
-Eu disse obrigado! - mas que merda.

Peguei o cigarro, apertei a mão dela e a puxei, pra fora do bar. Claro que eu também não tinha isqueiro, mas o cara da rua tinha. O mendigo que mora na porta do bar. Gente boa, acendeu pra ela. Um mendigo instruído cheio de cavalheirismos, até beijou a mão da moça antes de ir embora. Um gentleman! Um homeless gentlemen. Do francês, sans-abrí, éduqué. Resolvi abrir minha vã filosofia de bar para a nossa ilustre francesinha, foco da história.

-Éduqué, non? - francesei.
-Si!
-A gentleman.
-Oui.
-A homeless gentleman. Do francês...

Fui interrompido por um beijo esfumaçado! Um estalinho de cigarro fedorento.

Pausa pra entender que porra aconteceu.

Entabacado ou embasbacado - tanto faz - fixei os olhos nos olhos dela, lindamente verdes e avermelhados agora, e perguntei semi-sóbrio:

-Did you see that?
-What? - ela perguntou sorrindo.
-A crazy french girl just kissed me! Did you see?
-No. - ela riu. - I think YOU are the crazy one! Loco! - apontou pra mim e fez voltinhas com a outra mão perto da cabeça.
-Louco eu? Non. I swear to you I... - interrompido novamente por mais um beijo.

What the fuck!? Dessa vez fechei os olhos. Mantive o biquinho depois do beijo. Quando abri os olhos, ela sorria.

-You're so crazy! Kissing the air thinking it's a french girl.
-It's good to breathe a french kiss. Makes me alive, that air. - falei respirando fundo o beijo francês em forma gasosa, olhando fundo nos olhos dela.
-Don't do that.
-Do what?
-That look. - provavelmente ela falava do meu olhar pidão, marca registrada do meu charme natural ou sinal claro de que eu tenho algum problema.
-What look? - forcei a careta.

Ela riu.

-You're such a nice guy. - confete pra mim.
-Você é linda!
-What?
-Casa comigo!
-I don't understand.
-Me leva contigo pra gelar meu saco na frança.
-Hello? Anybody there?
-Sorry. I was saying that..
-What?
-That you..
-Say it!
-You better go.

... (som de vidros quebrando).

OK. Você deve estar se perguntando qual é o meu problema, certo? Te fazer ler tudo isso até aqui, passar por tudo isso e dispensar a garota assim, sem mais nem menos. Me dê um tempo, ok? A guria namora. Tudo bem que o cara está em outra galáxia praticamente, eu sei, mas não pude. Não posso. Eu que vivo falando dos problemas do mundo não poderia fazer isso. Ou poderia?

É, nesse sentido é bom ser o dono da história. Tudo isso que contei pode ser mentira. Pode também ser a mais completa verdade ou uma situação muito menor totalmente floreada, anabolizada. Quem vai saber? Eu, ela - se ela existir. Você fica na dúvida. Eu mesmo às vezes fico na dúvida. Aliás, deixe-me lembrar do fim da história.

...

-What? - ela perguntou sem entender.
-Sorry. I really... You should go, please.
-Ok.

O último trago foi dela. 

O último beijo foi meu. 

O último sorriso... 

Difícil dizer.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Sonho que se sonha só

Pensei que seria fácil, confesso. Hoje percebo que sou escravo de certas coisas que não esperava ser. Quero dizer, quantas vezes passei por tudo isso no passado sem ficar com essas marcas? Essas feridas entreabertas que eu tenho que encarar todos os dias. Se quer saber, é fácil fazer a coisa errada pensando que está fazendo a coisa certa, as coisas simplesmente acontecem e quando vemos já é tarde. Difícil é encarar isso tudo. E agora você está sozinha, cerveja e cigarro dividindo o que restou de seus lábios, secos e sem vida. Entra o álcool na forma que preferir - cerveja, uísque, vodka, puro - e sai a fumaça do Lucky Strike, a sua marca preferida agora que não tem mais Camel no Brasil. Se já não fosse charmoso o suficiente você fumar Camel - quando tinha - você ainda gostava de usar batom vermelho para beijar seus camelos. Agora a boca fica assim, branca mesmo. E eu que pensava que poderíamos ser ou fazer a diferença neste mundão, agora vejo o quão entediada é a nossa juventude. Nossos sonhos se resumem ao consumo do novo, deixando o passado pra trás mais rápido do que os novos processadores da intel e menos significativos que comerciais de pasta dental. É isso o que somos, comerciais vivos, ou mortos, tanto faz. Se não temos o melhor rock n' roll, nem os melhores livros, nem o melhor grito de guerra, nem a ditadura, nem o amor em longas noites embaladas por LSD ou qualquer outra droga, o que temos afinal? Tédio, a pior das drogas. Alguém deveria estudar os efeitos do tédio no coração ao invés de ficar analisando os efeitos psíquico físicos da maconha. Pare de olhar pra maconha e fume-a. Ou não, a escolha é sua e deixe que cada um tenha sua própria opinião, você não acha? Parece que na falta de um ditador brigamos uns com os outros pra ver quem tem razão. Razão? Somos um bando de loucos sem ambições na vida, ou ambiciosos demais, e isso está errado. A humanidade precisa sonhar mais e brigar menos. Eu sou um homem que sonha e você sabe disso. Não sei quanto tempo ainda tenho de vida, não sei se vou aguentar muito nesse ritmo que só piorou quando você resolveu trocar nossos sorrisos por migalhas de pão francês. Os pequenos vícios que já não consigo abandonar estão acabando pouco a pouco comigo, um trago por vez, um gole por vez, uma batida por vez. Não sou exemplo do meu próprio discurso contra o tédio, ao contrário, sou o oposto de mim. Mente e corpo brigando o tempo inteiro, virando essa bagunça que sou. Estou meio fodido, admito, mas que culpa tenho eu se o meu maior defeito é sonhar todos os dias? O problema no final não é ser um sonhador, o problema é sonhar somente com aquilo que eu já tive e perdi. Sonhos sem final feliz porque acordo. Sonhos impossíveis, mas ainda assim sonhos. Sou um sonhador, eu sei. Um sonhador que não quer dormir nunca mais.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

No bar

Estávamos no bar falando sobre percepção. Um papo um tanto quanto sério para um bar, num sábado abafado em uma cidade relativamente agitada. O que estávamos fazendo ali eu não sei dizer, nunca saberei provavelmente, mas tudo caminhou daquela forma, para aquele nosso cantinho do mundo. Percepção. É assim que descrevo aquela noite segundo uma interpretação da minha própria percepção daquele momento - e um pouco de floreios, claro. Que loucura, eu penso, que loucura eu pensei. Eu disse a ela "não sei nem se o jeito que eu te vejo e te descrevo é o mesmo jeito que você se vê e se descreveria e, também, nunca saberei, entende?". Ela fez que sim com a cabeça. "Quer dizer, se isso aqui pra mim é de uma cor e pra você é de outra, mas sempre a reconhecemos pelo mesmo nome, estaremos concordando com a própria discordância do negócio, percebe?". De novo ela fez que sim. "Sabe, são muitas as percepções, será que não existe uma pessoa sequer no mundo que seja capaz de ver o mundo como eu o vejo, exatamente com as mesmas cores, os mesmos cheiros, sensível aos mesmos toques e sabores? Existe alguém que perceba a vida como eu a percebo?". Dessa vez ela fez que não. Disse que talvez alguém sinta uma coisa ou outra como eu, mas não tudo. Que mundo injusto. Ou justo, por permitir realmente que cada um seja único na sua forma de sentir as coisas. "Mas também traz aquela sensação de estar sozinho, sabe? Aquele barulhinho irritante que se chama solidão, ou melhor, a consciência da solidão. Não importa o que aconteça, sempre morreremos sozinhos. Também seria injusto querer levar todo mundo com você, mas fazer o que... talvez daí venha o medo da morte.". Sim, ela disse que entendia perfeitamente. Também sentia isso. Pausa. Falamos sobre Deus também. Nada mais conveniente nesse papo do que falar sobre Deus. Não estamos sozinhos ou estamos sozinhos? Que papo para um bar, agora vazio. "Nada disso importa afinal, o que importa é: será que com tantas pessoas no mundo, tantas formas diferentes de se ver a mesma coisa e tantas coisas diferentes pra se ver da mesma forma, tudo só depende do olhar de quem vê, da criação, do momento, do sentimento e disso e daquilo, mas será que ninguém vai ser capaz de perceber que existe algo errado no mundo? Que existe algo de muito errado com as pessoas? Que as relações estão tomando rumos muito diferentes e as pessoas estão se afastando umas das outras. Eu quero dizer... se temos tanto medo de ficar sozinhos, por que continuamos nos afastando? Qual o nosso problema, estamos antecipando a tragédia por medo dela acontecer? Este mundo está fodido, neste exato momento deve haver muitas pessoas morrendo pelo mundo, fruto de alguma guerra estúpida, de alguma briga de transito, vítimas de algum tipo de violência, da demência da raça humana. Quantas pessoas estão nascendo hoje pra viver isso, também, amanhã? E nós aqui, bebendo, comendo, conversando. É um pensamento como tantas outras pessoas já tiveram, cli-chê-zão eu sei, mas porra eu penso nisso você não?". Ela fez que sim. "E não vamos fazer nada não é mesmo?". Ela concordou fazendo que não com a cabeça e apertando os lábios. Pausa. "Quer mais uma cerveja? Amendoins?" Ela quis os dois. Garçom, cerveja e amendoins. Do que estávamos falando mesmo? Da vida... acho que era da vida.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Menino no mundo - parte I


              Lá estava eu, correndo de um lado pro outro a bater com aquela bola enorme no chão, a driblar tudo e todos que aparecessem na minha frente. Como era ágil e habilidoso. Ninguém me segurava porque eu não deixava ninguém me tocar. Era invicto, temido por tanta agressividade e destreza no jogo. Aliás, não precisava de time, nunca precisei. Fazia tudo sozinho atravessando a quadra e batendo a bola no chão até encontrar o outro lado. Enfim, a cesta. Eu era incrível e não errava uma. De dois, de três, enterrando ou, fosse como fosse. Às vezes até inventada alguma coisa pra fazer cesta. Fazia gracinhas e brincava com o adversário.
                Às vezes alguém tentava me segurar, fazer falta, mas eu me esquivava com maestria, pulava no ar e mandava a bola pra dentro daquela cesta. Eu devia mesmo ter sido chamado pra jogar no dream team! Por que não? Modéstia a parte eu era realmente bom. Tudo bem, eu tinha apenas onze anos e jogava sozinho, na rua. Mas se ao menos eles tivessem me visto. Eu brilhava. Dava rodopios em volta de mim mesmo - ou melhor, do adversário - jogava do meio da rua e fazia cesta dentro de casa. Cesta imaginária, claro. Nunca tive uma de verdade, mas também nunca precisei. Eu sempre acertava em cheio. De “chuá” a maioria das vezes, sem encostar nas bordas.
              A única vez que perdi uma cesta foi por causa da minha mãe, que me desconcentrou no último lance do meu jogo solitário, gritando a hora do almoço. Errei. Tive a certeza de que ouvi a plateia me vaiar. Mas tudo bem, depois eu voltei lá e fiz mais um monte de cestas pra compensar. Eu era um astro voando baixo e, no fim, fiquei no chão mesmo. Minha carreira no basquete não decolou. Em nenhum outro esporte na verdade. Depois eu conto como eu era no futebol. Você não vai acreditar. Se no basquete eu era bom, no futebol eu...

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Bonito o céu

Hei! Alou!?
ALOOOOUUU!?
Existe vida por estes terrenos inabitados? Mas que besteria, se existisse vida não seria chamado de "terreno inabitado".
Escuta! Escuta! Acho que tá vindo alguém!
Alguém? Alguém quem?
E eu lá sei, alguém ta vindo, abaixa, abaixa!
Porra! Essa não era a merda da terra inabitada!?
Sei lá meu! Já não era desde a hora que a gente chegou mesmo! Vai ver é só mais alguém vindo aqui xeretar, como estamos fazendo!
Xeretar? A gente não veio procurar alguém?
Procurar alguém? Nas terras inabitadas? Que ideia maluca é essa!?
Porra! Ta vindo pra cá, se esconde!
Mas não tem nada, não tem onde se esconder.
Se vira rapaz, eu to procurando meu lugar.
Se vira o caramba, vou dar de louco!
Hei! Hei!! Psssssiu! Que cê tá fazendo seu maluco, volta pra cá.
Cala a boca!
Volta porra!! Ah! Eu vou cair fora.
Espera!!! Espera e olha.

- Boa noite!
- Oi, boa noite!
- Bonito o céu, não é mesmo?
- Oi?
- O céu! Bonito né?
- Ah! - olha pra cima - é sim, bonito!
- O senhor mau olhou.
- Escuta meu filho eu to com um pouco de pressa, não é hora de olhar o céu.
- Não é hora.. mas, sempre é hora.. hei!
- Desculpe amigo, estou com pressa. Arrume outro pra conversar.
- Mas eu já tenho com quem conversar! Veja!
- Adeus.

Que cara mais mal educado.
Você está louco, foi falar com ele assim.
Sim! Fui! Fui porque estou cansado de você.
Cansado de mim? E o que foi que eu fiz pra você se cansar de mim?
Você.. você.. não me deixa em paz, ta sempre junto. Dá pra me deixar um pouco?
Te deixar? Você não ouviu o que aquele senhor falou? Você precisa arruma alguém pra conversar.
Sim, eu estava tentando, mas ele não quis.
Claro que não quis, parecia um lunático falando sobre o céu. Que papo mais chato!
Escuta, me deixa. Eu quero falar do que eu quiser, com quem eu quiser. Quem sabe assim você...
Eu o que, hein? Me diga! Eu o quê!?
Você some, tá entendendo! Some!
Seu babaca.
Se eu sou, você também é!
Ah é!? E porque?
Por que eu dito o que você fala! Eu escrevo as tuas palavras! Eu decido a sua hora de falar.
Ah! Então você tem total controle sobre mim?
Sim!
Me faça desaparecer então! Vamos! Quero ver, estou esperando!
É isso o que você quer?
Se você for homem o suficiente! Aposto que não tem colhos. Você precisa de mim! Não fosse eu, com quem você falaria nos seus textos idiotas hein? Nos seus devaneios!
Ok, ok! Se é o que você quer. Lá vai.
O que você está fazendo?
Fechando os olhos!
Isso eu sei tonto, mas pra que fechar os olhos se você ainda consegue me ver?
Não consigo! Está tudo escuro e eu não te vejo!
Não? Tem certeza?
Tenho.
Eu estou dentro da sua cabeça! Sou fruto dessa tua timidez ridícula que te afasta das pessoas e te coloca a falar comigo. Amigo imaginário lembra!?
Cale a boca, não posso te ver!
Pode sim! E é mais fácil você não me ver abrindo os olhos e prestando atenção em outras coisas! Não foi isso o que o doutorzinho "sei lá o que" te falou?
Doutor Jacó! Doutor Jacó! Porra, vou abrir os olhos!
Otário!
Por que? Por que está rindo de mim?
Eu mando em você. Se eu quero que feche os olhos, você fecha. Se quero que abra, você abre! Você é patético!
Eu sou patético.
Você é patético.
Eu sou...

Desculpe.
Pelo que?
Por te chamar de patético.
Tudo bem, você só diz o que eu penso mesmo.
Está querendo dizer que controla o que eu digo?
Bem.... Hei! Hei! Não comece que já está me dando dor de cabeça.
Tá, tá, parei. Dor de cabeça não dá.
São insuportáveis.
Sim, são insuportáveis.

Quando será que o Jacó vem?
Não sei. Ouvi dizer que não vem mais.
Não vem mais? Mas.. eu preciso de atenção, de cuidados.
É eu também, mas acho que ele não vem mais.
Poxa! Não vem mais? Então vamos procurá-lo!
Sim, sim, vamos! Claro! Por onde começamos?
Que tal por ali, ó?
Ali onde?
Ali, não ta vendo?
Não, aonde? Alí? Mas não tem ninguém ali.
Sim, não tem ninguém. É por isso que chamam de terreno inabitado.
Ah chamam? Terreno inabitado?
Sim.... Vamos ou não?
Vamos....

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Descalços

Finalmente chegamos ao nosso destino. Sem bater à porta entramos, de pés descalços. Era como uma regra por lá, os pés descalços, entre tantas outras regras. O senhorzinho de cabeça branca do outro lado provavelmente percebeu a briga que tivemos em frente à casa, antes de decidirmos por atravessar o jardim e resolver o que devia ser resolvido. Não havia jeito de ele não ter percebido já que quando eu percebi a presença dele ele já me encarava com um ar de desgosto, com a cara mais enrugada do que o normal, que eu provavelmente não vou esquecer tão facilmente. Provavelmente por causa dos palavrões, mas ele não se preocuparia com isso se soubesse de fato como nos tratávamos em casa. Palavrões eram comuns em nossas casas desde a nossa infância. Cada um na sua, apesar de já nos conhecermos naquela época.

Entramos na casa. Cumprimentamos os que já estavam por lá e evidentemente nos arrependemos de ter entrado. Deviamos ter terminado de discutir na rua, mandado o velho à merda e ido pra casa. Nossa casa. É engraçado que pensei nisso enquanto atravessava o jardim, mas achei melhor não falar nada. Talvez ela estivesse mais confortável com a situação do que eu. Não estava e isso ficou claro em seu rosto e corpo logo que alcançamos a sala de estar. Os passos arrastados e os dedos apertados, esmagando as palmas das mãos revelaram a vontade de ir embora. Nos deixamos adentrar à sala sem disfarçar a vontade de estar em outro lugar. Onde estariam os outros? Até pensei em perguntar, mas desanimado demais desisti e me deixei amolecer no sofá. Ela caminhou até a poltrona mais próxima e se sentou, aprumou o corpo com o pouco de energia que lhe restava e soltou o ar que comprimia no peito, depois de ser notada e esquecida por todos que estavam presentes.

Seria aquilo então. Já estávamos lá dentro e não dava pra sair sem ser questionado antes que tudo começasse. Os cumprimentos, a música, a comilança, os pés sujos o suficiente pra dar nojo de colocar as meias novamente. Alguns presentes dos mais esforçados e uns abraços desajeitados dos menos íntimos. Havíamos combinado, então teríamos que ficar por ali. Só não estava no clima, mas eu poderia ter feito melhor do que fiz, isso é certo. No entanto, preferi ficar ali, no sofá, sem sujar muito os pés até dar a hora de ir embora. Só me levantei pra pegar um copo de uísque, em algum momento propício que não me lembro qual. Provavalmente alguém começou a falar sobre novela ou big brother brasil e eu aproveitei a deixa. Me servi, na cozinha, sozinho, de uma bela dose que tomei de um gole só, derramando algumas lágrimas. Foi neste momento que ela entrou, pela outra porta, de frente pra mim e me viu com os olhos vermelhos. Sem dizer nada ela se aproximou, me tocou o rosto, coçando a minha barba com a ponta dos dedos e depois me abraçou apertado. Se afastou novamente e disse "eu te amo", me olhando nos olhos ainda molhados pela dose de uísque. Sorriu, como não sorria ha tempos e saiu, pela porta que eu entrei.

Servi-me de outra dose de uísque, com gelo pra quebrar o gosto horrível que tinha. Atravessei a cozinha e saí, pela porta que ela entrou. Atravessei o outro ambiente que não me lembro o que era, depois mais um, até sair pela porta dos fundos da casa. Pisei a grama descalço, sentindo o frio do solo me subir pela espinha. Sentei no primeiro apoio que encontre e encostei o copo na boca, ameaçando beber mais um gole, mas fui impedido. Impedido por meu próprio choro que explodiu de dentro de mim. Um choro contido, inesperado e explodido... "Eu também te amo!", pensei. E chorei o quanto pude. Bebi e chorei, até dar a hora de ir embora...