quarta-feira, 24 de outubro de 2012

No bar

Estávamos no bar falando sobre percepção. Um papo um tanto quanto sério para um bar, num sábado abafado em uma cidade relativamente agitada. O que estávamos fazendo ali eu não sei dizer, nunca saberei provavelmente, mas tudo caminhou daquela forma, para aquele nosso cantinho do mundo. Percepção. É assim que descrevo aquela noite segundo uma interpretação da minha própria percepção daquele momento - e um pouco de floreios, claro. Que loucura, eu penso, que loucura eu pensei. Eu disse a ela "não sei nem se o jeito que eu te vejo e te descrevo é o mesmo jeito que você se vê e se descreveria e, também, nunca saberei, entende?". Ela fez que sim com a cabeça. "Quer dizer, se isso aqui pra mim é de uma cor e pra você é de outra, mas sempre a reconhecemos pelo mesmo nome, estaremos concordando com a própria discordância do negócio, percebe?". De novo ela fez que sim. "Sabe, são muitas as percepções, será que não existe uma pessoa sequer no mundo que seja capaz de ver o mundo como eu o vejo, exatamente com as mesmas cores, os mesmos cheiros, sensível aos mesmos toques e sabores? Existe alguém que perceba a vida como eu a percebo?". Dessa vez ela fez que não. Disse que talvez alguém sinta uma coisa ou outra como eu, mas não tudo. Que mundo injusto. Ou justo, por permitir realmente que cada um seja único na sua forma de sentir as coisas. "Mas também traz aquela sensação de estar sozinho, sabe? Aquele barulhinho irritante que se chama solidão, ou melhor, a consciência da solidão. Não importa o que aconteça, sempre morreremos sozinhos. Também seria injusto querer levar todo mundo com você, mas fazer o que... talvez daí venha o medo da morte.". Sim, ela disse que entendia perfeitamente. Também sentia isso. Pausa. Falamos sobre Deus também. Nada mais conveniente nesse papo do que falar sobre Deus. Não estamos sozinhos ou estamos sozinhos? Que papo para um bar, agora vazio. "Nada disso importa afinal, o que importa é: será que com tantas pessoas no mundo, tantas formas diferentes de se ver a mesma coisa e tantas coisas diferentes pra se ver da mesma forma, tudo só depende do olhar de quem vê, da criação, do momento, do sentimento e disso e daquilo, mas será que ninguém vai ser capaz de perceber que existe algo errado no mundo? Que existe algo de muito errado com as pessoas? Que as relações estão tomando rumos muito diferentes e as pessoas estão se afastando umas das outras. Eu quero dizer... se temos tanto medo de ficar sozinhos, por que continuamos nos afastando? Qual o nosso problema, estamos antecipando a tragédia por medo dela acontecer? Este mundo está fodido, neste exato momento deve haver muitas pessoas morrendo pelo mundo, fruto de alguma guerra estúpida, de alguma briga de transito, vítimas de algum tipo de violência, da demência da raça humana. Quantas pessoas estão nascendo hoje pra viver isso, também, amanhã? E nós aqui, bebendo, comendo, conversando. É um pensamento como tantas outras pessoas já tiveram, cli-chê-zão eu sei, mas porra eu penso nisso você não?". Ela fez que sim. "E não vamos fazer nada não é mesmo?". Ela concordou fazendo que não com a cabeça e apertando os lábios. Pausa. "Quer mais uma cerveja? Amendoins?" Ela quis os dois. Garçom, cerveja e amendoins. Do que estávamos falando mesmo? Da vida... acho que era da vida.

2 comentários:

  1. Caramba!!! Não esconde um ôro desse não, meu caro! Que coisa linda. Cê tem o jeito certo - seu - de ver e escrever mais bonito sobre as coisas que geralmente são ditas. E é aí que tá o escritor que cê é.

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  2. Um dos meus textos favoritos, com toda a certeza. Sempre me pego relendo-o. Simplesmente sensacional, em todos os sentidos da palavra.

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