segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Substrato

A felicidade mora no abstrato

e não

no substrato

de tudo o que você compra.

Muito menos

na necessidade,

na ansiedade,

na futilidade,

de querer ter

e não saber ter

o que já tem.

Coma um prato de comida

depois de um grande dia

de fome

e seja feliz.

Só não se esqueça que

depois de um grande dia

de fome,

muitos dormem,

sem comer,

ou morrem.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Migalhas de fumo

Um homem de gravata vermelha é um homem sério. Um homem de gravata vermelha e cigarro na mão é um homem sério com algum problema. O olhar deste homem preocupado e de gravata vermelha é o charme de seu rosto. Compenetrado e, apesar de assumidamente precisar de ajuda, não pede. Não sabe pedir ajuda. Precisa provar pra si mesmo que é capaz de resolver tudo sozinho.

-Uma cerveja, por favor.

O homem do bar vai servir a cerveja no copo.

-Não. Eu tomo na garrafa mesmo. Obrigado.

Paga a cerveja ao homem do bar. Acende outro cigarro deixando cair migalhas de fumo na gravata vermelha. Bate o fumo do colo e traga profundamente, olhando para cima. Dá um gole na cerveja e solta a fumaça pelo nariz e pela boca. Com o olhar compenetrado, pensativo, como está, parece um dragão esfumaçando raiva.

-Amigo, você tem amendoins ai?

-Sim, claro.

-Me traga um pouco, estou faminto.

-Mais alguma coisa senhor?

-Você conhece alguém que trabalhe com máquinas de jato de água? Preciso lavar meu carro, mas a minha quebrou.

-Não senhor.

-Tudo bem. Só os amendoins então.

Talvez fosse só isso o problema. Talvez não. Nunca saberemos.

sábado, 21 de agosto de 2010

Poeira

Hoje passei o dia limpando. Limpando o chão, limpando a mente, limpando a alma. Corpo, voz e mente em mesma sintonia buscando por limpeza. Buscando não buscar nada mais do que algo de valor a se guardar e o resto a se jogar fora. Nem todo o resto, claro, porque sempre fica aquele probleminha mal resolvido que a gente jura que não liga mais, mas na verdade liga. Na verdade são estes pequenos probleminhas que seguram a gente no passado e nos impedem de seguir em frente. Decidi enfim que era hora de seguir em frente.

Com a cabeça na altura dos pés, ou seja, no chão, apoiado sobre um pano sujo e molhado com produtos de limpeza, percorri o chão de azulejo branco de minha casa. Quanto mais eu limpava o chão, mais o chão me limpava, então acabei por fazer aquilo com gosto, ao som de alguma música clássica ou alguma ópera, não me lembro. Lembro que tinha violoncelos. Por fim, estava deitado no chão limpo. O chão estava limpo, não eu. Pelo menos não por completo. O resto da minha limpeza, interna, veio depois, na casa de uma amiga.

Um violão, sorrisos e comida no fogo. Preparamos um doce de sobremesa e pronto, eu estava finalmente limpo. Aliás, estou limpo, acho que por completo agora. Claro que sempre fica aquele pensamento de que falta alguém ali, mas isso não é um problema. É só um pensamento. Um bom pensamento que me coloca um sorriso na cara em qualquer momento. Acho que quando este pensamento se concretizar ai sim, estarei pronto pra seguir em frente e manter sempre a minha casa limpa. Afinal, cansei dessa sujeira debaixo do tapete.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Mulheres também jogam Halo 3

Quando as coisas finalmente pareciam normais dentro de casa o mundo trata de me surpreender novamente. Porque é assim que funciona a vida, a ordem lógica dos planetas e dos cometas. É assim que a lei dos encontros e desencontros acontecem. É assim que descobrimos que o mundo está de ponta cabeça e nada mais faz sentido. E tudo começou ao acaso, assim, comigo sentado no sofá.

-Papai. Papaizinho. Paizinhoooo? - chama minha filha, obviamente querendo mais do que parecia.

-Sim filhinha? - respondo.

-Sabia que eu te amo papai?

-Não, não sabia.

-Ai papaizinho. Claro que sabia! Que coisa feia de se falar! - responde ela fazendo bico.

-O que você quer, criança?

-Como assim o que eu quero? - fazendo cara de inocente.

-Eu te conheço minha filha. Conheço essa sua cara de anjo pidão. Diz o que você quer que eu já te digo não e assim eu posso continuar vendo a luta.

-Ai pai, que coisa feia...

-Se você pedir logo eu falo sim.

-Me compra o jogo do Halo 3!

-Não!

-Mas você disse que...

-Era só pra você desembuchar logo e me deixar assistir a TV.

-Mas...

-Espera, espera... Não sei se eu entendi muito bem, mas você disse "Halo 3"?

-É pai. - disse ela com cara de emburrada.

-Halo 3? O jogo?

-Não! A novela! - fazendo cara de nojo!

-Ow ow ow.. mais respeito com teu velho, menina! - falei olhando feio.

-Você não me respeita! - ela desafiante.

-Eu já te dou casa, comida e roupas. Não precisa de respeito. - falo com carinho.

-Uhmmmmmmm - faz ela, mostrando a língua.

-Tá, tá, agora me explica... desde quando você joga esses jogos? Isso é coisa pra garotos, sabia?

-Não é não! Eu e a mamãe destruímos neste jogo! Semana passada acabei com a raça do Juninho!

-Você e sua mãe? Desde quando sua mãe sabe o que é Halo? Desde quando ela sabe ligar um vídeo-game?

-Ai pai! Como você é ultrapassado! Não sabe de nada. Eu jogo com a mamãe toda semana. Ela me dá cobertura e eu mato todos os ET'zinhos!

-Os ET'zinhos é?

-Sim, aqueles monstros feios e armados até os dentes. Acabamos com todos eles. Alguns até são meio fofinhos mas eu mato também!

-É mesmo? Que coisa. E porque eu nunca fui chamado pra jogar com vocês?

-Jura mesmo que quer saber? - ela faz cara de que é melhor eu não saber.

-Uhmm. Quero! - respondo, incerto se quero mesmo.

-Pai, o senhor perde jogando paciência!!! - ela fala indignada, conseguindo mesmo me rebaixar.

-Mas... - eu me encolho na poltrona porque é verdade, eu perco jogando paciência.

-Não tem "mas...". O senhor joga muito mal que eu já vi. Se colocar o controle na sua mão é capaz de quebrar a TV de tando que mexe os braços.

-Filha eu.. - falo desesperado, tentando me explicar.

-Pai. Aceita. Você é um bom pai, um homem trabalhador e muito honesto... mas pra jogo o senhor simplesmente não serve.

-Ah eu... - tento responder mas não sai mais nada.

Silêncio constrangedor.

Ela tinha razão, eu não sirvo pra jogar mesmo. Eu, o homem da casa, sem dom algum para o vídeo-game, enquanto as mulheres matavam ET'zinhos na minha ausência. "Halo" pra elas deveria ser apenas o buraco no box do banheiro, mas não. Isso era "Halo" pra mim. O buraco no chão do banheiro. Pensei em me enfiar lá.

-Onde vende o jogo mesmo? - pergunto, voltando do meu transe e tentando lembrar quantos anos tem a minha filha pra ser tão esperta daquele jeito.

-No shopping, pai. Eu vou com o senhor mais tarde.

-Não. Vai com a sua mãe, eu preciso de um tempo sozinho. - estava ficando realmente deprimido.

-Ohhhnm paizinho, não fique assim! Eu deixo você jogar, vai!

-Ah... - pausa. - Deixa mesmo? - pergunto com cara de dó.

-Sim. Porque pra eu jogar Halo 3 você também vai ter que comprar o XBOX 360 e nele vem um monte de joguinhos pra crianças que você vai adorar!

Com essa frase de efeito ela saiu, aos pulinhos, provavelmente indo contar pra mãe sobre sua conquista. Eu, jogado fundo na poltrona, vi o final da luta em que o homem em quem eu estava apostando tomou uma surra e perdeu por nocaute. Simpatizei com o homem, derrotado. Me senti naquela luta. Nocauteado. A única diferença entre eu e ele foi que ele apanhou de um barbudo de uns 200 quilos e eu apanhei de uma garotinha que jogou minha dignidade ralo abaixo.

Agora estou aqui contando esta história e jogando paciência.

Prometi pra mim mesmo que não sairia daqui enquanto não ganhasse uma partida. Nem que me levasse a vida inteira.

domingo, 8 de agosto de 2010

Inveja dos Anjos

É inspirador ver as coisas obvias de nossa vida se tornando arte, assim do nada.

Eles simplesmente viveram em cima do palco.

Com suas vidas cotidianas.

Com suas mémorias.

Com suas dores.

Recomeços.

E fim.

Alfa.