terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Tapete velho

Bateu finalmente na porta que encarou por uns bons oito ou dez minutos. Aguardou estático, prendendo a respiração involuntariamente até ouvir os passos lá de dentro. Soltou os braços, tentando relaxar sem sucesso e bocejou em nervosismo. A porta se abriu e um rosto surgiu da escuridão de lá de dentro, iluminado pela ponta de um charuto pela metade. Olhou fundo nos olhos daquele atendente e deixou claro que estava com medo, a ponto de sentir um pontada nas entranhas, lhe traindo os sentidos. A porta se abriu por completo e o homem que atendera apontou a direção, mudo e seco. Sentiu a ponta do nariz congelar e quase teve que comer o ar para respirar. Entrou.

-Eles estão...

O homem o encarou em repressão como quem dissesse: "o senhor não está em posição de dizer nada neste lugar". Apontou novamente a direção, impaciente. O outro conscentiu com a cabeça, olhou para o caminho indicado e sentiu um frio tenebroso na espinha. Tinha um mau pressentimento, mas não havia mais como voltar atrás. Aprumou o corpo, respirou fundo e tomou coragem. Balbuciou qualquer coisa, bufou e seguiu em frente com a cabeça erguida. Se aquele era o seu destino então que honrasse aquele momento. Era o que o mundo queria dele, apesar de não ser o que ele queria do mundo. No entanto era um homem conformado e continuou andando, como se seguisse ordens de uma força maior por não ter forças por si mesmo para o que vinha adiante.

Depois de alguns passos, viu a luz que saia pelas frestas da porta ao final do corredor. Uma porta velha e fúnebre, com desenhos recortados a mão por algum marceneiro de bom gosto artístico, o que tornava o momento ainda mais difícil. Encarou a porta por alguns minutos, como fez com a primeira. Devia ter algum trauma de portas. Ergueu a cabeça que já tendia ao chão novamente e bateu com vigor os nós dos dedos na cara de um diabinho entalhado na porta. Não parecia ter dó, mas provavelmente o que doía mesmo eram os dedos, muito mais do que a porta. Do outro lado ouvia-se risadas que cessaram com as batidas. Um silêncio quase cortante tomou conta do lugar, suspendendo a respiração e permitindo quase ouvir as batidas do coração do pobre coitado. A porta se abriu.

Naquela noite, eu era o homem que atendeu a porta. O outro era mais um pobre coitado que vinha vender sua alma a troco de dinheiro fácil ou felicidade. A mão que o puxou pela gola, pra dentro do quarto protegido pela porta velha era meu chefe. Um bixeiro ambicioso e de caráter altamente duvidoso em quem as pessoas insistiam em confiar. Era um safado de escala maior que enganava os que já não tinham nada buscando escravos a seu serviço. O pobre coitado, que entrou naquela casa fedendo, ganhou roupas novas e uma arma. Dias depois foi preso por matar um endividado nos jogos. Matou a mando do chefe e a troco de alguns reais que mal davam pra comprar o butijão de gás, motivo primeiro que o levou a procurar o bixeiro. Os filhos passavam fome. Meu chefe comia uma coxa suculenta de frango quando viu o pobre homem na televisão, algemado e maltratado pela polícia. Riu amargamente, em sinal de desdém.

-Esses idiotas não servem pra nada! Ofereçam a ele um chá de sumiço na cadeia como cortesia da casa, antes que ele solte a língua por lá e coloque os meus negócios em risco.

O capangas obedeceram e foram imediatamente cumprir com a tarefa, sem questionar. Medo de morrer provavelmente.

-E você. - dirigiu-se a mim - Encontre o filho deste homem e o traga aqui. Tenho planos pra ele. Se tiver uma filha também... - sorriu maliciosamente - Tenho planos melhores ainda. - terminou rindo de forma sádica.

Depois disso me lembro de pouca coisa. Quando dei por mim, estava com a arma em punho, apontando para o peito gordo daquele bixeiro, respirando com dificuldade por conta do nervosismo. Antes que pudesse puxar o gatilho, ouvi um barulho ensurdecedor atrás de mim e em seguinda o sangue quente me escorrendo das entranhas. Tomei um tiro no lado direito das costas, justamente o lado que segurava a arma. Durante a queda arrisquei um tiro torto. O homem era grande demais, não havia como errar. Errei. Já no chão, tomei mais dois tiros, por garantia, e morri ali, no tapete falsificado imitando persa. Me enrolaram nele mesmo e me jogaram em um rio qualquer, onde despachavam os mortos endividados. Meus restos foram comidos pelos peixes, restando apenas o tapete falsificado. Tão falso quanto a minha vida inteira e agora tão podre quanto eu já fui um dia.

Não sei o porque fiz aquilo. Estava acostumado com as ordens daquele gordo escroto. O que importa é que fiz e acabei morto. Porém, agora, sinto que um pouco de caráter me voltou ao espírito. O mínimo que seja. E pensando bem, deixei aquele mundo sem nunca ter matado ninguém, apesar de ter sido cúmplice de muitas mortes. Deixei aquele mundo sem família ou filhos. Não deixei nada de mim para trás. Nada além de trapos e aquela mancha de sangue no tapete velho.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Final de semestre

Em excesso de estudo sem recompensas sólidas.

Em carência criativa e sem ânimo artístico.

Terminei de ler um livro.

Fernanda Young.

Ótimo por sinal.

Me inspirou.

Aí vim aqui escrever isso.

Que tirou minha inspiração de tão ruim.

Melhor parar por aqui então.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

De vez em quando rola um insight

Estive pensando em escrever sério, nestes últimos tempos. Digo sério, mais ou menos como o texto abaixo, sobre as eleições no centro acadêmico. Não que seja um texto de seriedade respeitada, mas não é uma ficção. Isso, acho que cansei de escrever ficções. Não tenho sido feliz com as últimas, salvo algumas exceções, e acho que é hora de mudar um pouquinho, tentar novos estilos.

Tenho um certo trauma de dissertações, pra dizer bem a verdade. Depois de dois anos fazendo isso toda semana no cursinho, esperando com isso ser aprovado no tal do vestibular, acabei pegando birra. Igual aqueles livros do Machado de Assis que a gente quer morrer de ter que ler no colégio, sabe? Poxa! eu queria estar jogando video-game, indo à academia, fazendo sexo (mesmo que solitário) e não ter que ler horas a fio livros que me dizem: "a vida é uma bosta, a vida é uma bosta...". No auge dos meus hormônios e dos anos "carpe-diem" eu tinha que conviver com isso... a vida é realmente uma bosta! Quase acreditei.

Enfim, voltando ao assunto inicial (e se isso fosse uma redação de vestibular eu teria zerado: fugir do tema, lembra disso?), quero escrever algo sobre alguma coisa e não nada sobre coisa nenhuma, entendeu? Por exemplo, este texto mesmo, é só um blábláblá do que eu quero fazer daqui pra frente. Tão egoísta quanto a própria idéia deste blog, individualista como quase tudo no mundo de hoje, do "meu orkut, meu msn, meu fotolog, me amem me amem... saco!". Bom, é mais um desabafo na verdade. Gostaria de poder escrever algo de utilidade pública, mas não sou jornalista e sim engenheiro (é, de fato a vida é uma bosta!). Se bem que, não sei se ainda é assim, mas qualquer um pode ser jornalista, não? Acho que ouvi algo assim por ai....

Pois bem, vou tentar escrever coisas mais interessantes por aqui. Provavelmente o interesse do que eu escrever vai se limitar ao meu círculo social, já que minha visão de mundo se limita ao pouco que leio e a eles (o círculo), mas acho legal que seja assim. Melhor falar mais do que eu sei do que um pouco do que eu não sei. Corre-se o risco de ser contraditório e se atropelar nas próprias idéias. Perigoso, não é? Afinal, não quero ser reprovado no vestibular dos blogs (risos)! Ainda assim, não importa o que se escreva, seja bom ou ruim, alguém sempre gosta e alguém sempre odeia. Estou preparado pra isso. Recebi bons comentários sobre o último texto que fiz e também alguns olhares de desdém. Fazer o que, é a vida! Vou continuar escrevendo, apesar da baixa frequência, e esperar que alguém tire proveito disso.

Xingamentos ou elogios, não importa muito. O que importa é que escrevo porque preciso (olha o egoísmo aí de novo). Não mata e faz bem, então porque parar? Enquanto tiver algo pra ser escrito, continuo aqui, marcando meus dedos engordurados (de doritos, claro) no teclado e deixando meu pequeno rastro na internet, esse mundo que não acaba. Na infinitude do que me cabe (este blog, orkut e outras redes "sociais"), em seus zilhões de bites livres e aumentando a cada dia, procuro me expressar buscando que alguém entenda. Ou que eu me entenda um pouco mais, quem sabe. E a vida vai seguindo assim... Se você esbarrou por aqui, faça bom proveito. Seja crítico e jamais deixe de pensar.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Antes fosse um pesadelo

Começaram as eleições para a nova chapa que vai dirigir o centro academico. Hoje, amanhã e segunda acontece a votação e depois disso, óóóó, saberemos quem entra no poder. Depois do debate de ontem, entre as chapas, creio que não vai ser nenhuma surpresa a pequena diferença de votos que vai colocar uma delas la em cima. Não por ter sido um debate muito bom e caloroso, cheios de argumentos e contras, mas sim por ter sido um grande lixo que mal pode ser chamado de debate e que deixou todo mundo na dúvida: qual chapa é a pior? De fato as duas são muito ruins.

De um lado, como citado durante o próprio debate no momento das perguntas externas, os "homer's simpsons tomadores de cachaça" e do outro, os "comunistas comedores de criancinhas". Por mais que ambos os lados tenham negado os apelidos, todos sabemos que é a mais pura verdade. No final, isso só aumentou a duvida. Quem vai controlar melhor o centro academico com uma das historias mais bonitas ja vista? Os "cachaceiros" que tropeçam na própria sombra, com um presidente que não sabe falar ao microfone sem fazer piadinhas infames ou os "comunistas" com ideais democráticas tão fortes que se julgam ser melhores o suficiente para atravessar o debate com suas opiniões sem deixar os outros falarem, e com um presidente que também não sabe falar ao microfone? Tudo bem, estou sendo um pouco injusto, quem atravessou o microfone sem deixar os outros falarem foi o "tutor" da chapa dos comunas, já que todos sabem que alguns ali são pequenos fantoches de mentes mais antigas. Sim, lavagem cerebral ocorre em toda parte.

Bom, de fato os tomadores de caju são rostos mais conhecidos pelo centro academico e conhecem bem a rotina por ali, no entando os comunas estão anos luz à frente com a luta pelo movimento estudantil, o que, de fato, é algo de grande importância sempre. Ainda assim, pra quem conhece o centro academico aqui, sabe que um dos maiores projetos sociais não só do CA, mas também da cidade, é o colégio mantido pelo CA para população "carente", que já foi um dos melhores do estado e hoje está, de certa forma, sucateado e, a chapa que tem boas propostas para a melhoria do colégio é a dos cachaças. Não que a outra não fosse fazer nada quanto a isso, mas a briga entre eles e o colégio é de longa data e por preconceito de um dos lados, a conversa parece não fluir nunca. Acaba que por melhor que fosse a chapa alguns votos já estariam perdidos por falta de diálogo e informação. Basicamente o problema que acontece desde sempre na política, não só do CA, mas do Brasil inteiro.

Como decidir então? Quem vai me representar como estudante pelo próximo ano na faculdade? O debate não deixou claro isso de nenhuma forma? Não. Depois de muitas agressões e poucas propostas, a conversa se voltou ao passado para relembrar a guerra entre chapa "Amarela" e chapa "Abre a roda" que nada mais têm a ver com a discussão. A atual gestão (a Amarela) já está de saída e não adianta mais discutir. A "Abre a roda" foi do ano passado e deve permanecer lá mesmo, no passado. O que acontece é que alguns membros de uma chapa são da antiga gestão e outro membros da outra chapa são coleguinhas da atual gestão. Mais uma vez, o que acontece? Preconceito entre as parte. Os alunos que deveriam estar mais preocupados com o futuro acabaram se prendendo aos preconceitos do passado e com certeza hoje depositaram nas urnas votos sem consciência por conta de intrigas do passado. Concordo que em alguns casos ali não é exatamente "pré-conceito" e sim "pós-conceito", mas não se pode esquecer também que as pessoas mudam. Os ideais são revistos e a forma como são expostos também. Ao meu ver, muitos ali mudaram pra melhor.

Temos então duas meias chapas muito boas. Movimento estudantil de um lado, colégio do CA do outro. Propostas culturais de um lado, propostas anti-machismo do outro. Coletivo feminino do CA entra no meio. Partidários e anti comunistas se misturam também. Diretoria atual toma os respingos junto com a do ano passado e pronto: está feito o quid pro quo. Uma confusão e tanto que não chegou a lugar nenhum. Se ao menos eu pudesse votar nas pessoas pelo cargo: "quero fulano de tal na presidencia e aquele outro ali, da outra chapa, na direção do colégio. Pode por a loirinha no social e a ruiva também... No cultural.. vejamos... ta dificil, mas dá-se um jeito..."! Pronto. Teriamos assim uma chapa muito melhor, mesclando as duas atuais e chutando fora os fitadores oficiais do CA que só vão usar suas carteirinhas pra entrar de graça em festas, acobertados pela desculpa de que é necessária a presença de um diretor responsável em todas as festas. Só esquecem deste detalhe né, responsável...

Bom, depois de tanto escrever acho que já deu pra entender que no final eu só escrevi o que todo mundo já vê por ai. Troque "CA" por "estado ou país" e "colégio do CA" por "escolas públicas ou saúde pública" e veja que dá tudo na mesma. De um lado uma bosta, do outro também, e acabamos por nos humilhar votando no Tiririca. Um tapa na cara da sociedade? Vai besta, agora ta cheio de desconhecido no poder que entrou pelo marketing chulo do palhacinho lá. Imagine se fosse a Sabrina Sato no lugar do Tiririca, acho que daria mais votos.

Enfim... é de se esperar que as coisas sejam assim mesmo, não é? Se no centro academico de uma das melhores faculdades do país, onde está a "elite pensante" da nação, as coisas andam deste jeito, é claro que pra fora também vai ser assim. E esse povo vai crescer. Serão os próximos candidatos e os próximos ativistas, partidaristas, facístas talvez, da nação e o ciclo vai se repetir de novo. Que posso fazer eu quanto a isso? Votar consciente pelo menos... Conhecer essas pessoas pra no futuro saber escolher, caso elas acabem na política realmente. O que me tranquiliza pelo menos é saber que todo mundo tem um passado que constrói ou que condena. Resta a nós pesquisar e escolher direito.

Pra acabar, uma música da minha adolescência...

"O Idiota Porcos Cegos

Um sonho niilista
Antes fosse um pesadelo
O alarme ensurdece
É hora de acordar

E você é o idiota que não vê
Seu país indo para o inferno (2X)

Testando sua neutralidade
Substimando sua capacidade
Uma bomba de apatia explode
Nas ruas da cidade


http://www.vagalume.com.br/porcos-cegos/o-idiota.html#ixzz12MmQHEPy"






É... pelo visto sempre foi assim.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Letras que são letras e não ousam ser números

Critério de análise de falhas segundo Coulomb. O quê? Coulomb. Quem? Aquele, mais um, que decidiu estudar a matemática e provavelmente ficou louco como todos os outros. Ou será que foi a física? Loucuras, somas, cálculos, retas. Tudo errado, tudo lógico e exato. Será? Acordo amanhã com tudo fresco na cabeça mas sem entender merda nenhuma do que realmente significam. São números apenas. Ou são letras que parecem números? Ou são números travestidos de letras? Quanto valem os "a's"? E os "b's"? Depende do problema. Ou mesmo da resolução. O seu tá igual ao meu? Não? Então fudeu! A prova é amanha e agora? Agora não adianta mais. As letras ainda não viraram números e eu aqui escrevendo minhas mágoas. Por quê não estou estudando? Não tenho vontade. Tenho vontade de escrever. Letras que são letras e não ousam ser números. Nem mesmo as palavras cujos significados se encontram no universo dos números. "Três", "Dez". São palavras, letras, antes de tudo. E só assim são bonitas e exatas. Não quando a-igual-a-b-menos-c-vezes-três-d e toda essa merda de iguadades inúteis. O meu problema definitivamente não é a matemática. São as letras que se somam, dividem, subtraem, multiplicam e resultam em números exatos e quadrados ao invés de belas palavras, inexatas, que me dizem mais sobre mim do que a porcaria do cálculo.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Uma homenagem a um escritor favorito. EraOdito?

AMOR CRISTÃO
Marcelino Freire


Amor é a mordida de um cachorro pitbull que levou a coxa da Laurinha e a bochecha do Felipe. Amor que não larga, na raça. Amor que pesa uma tonelada. Amor que deixa, como todo grande amor, a sua marca.

Amor é o tiro que deram no peito do filho da dona Madalena. E o peito do menino ficou parecendo uma flor. Até a polícia chegar e levar tudo embora. Demorou. Amor que mata. Amor que não tem pena.


Amor é você esconder a arma em um buquê de rosas. E oferecer ao primeiro que aparecer. De carro importado. De vidro fumê. Nada de beijo. Amor é dar um tiro no ente querido se ele tentar correr.


Amor é o bife acebolado que a minha mulher fez para aquele pentelho comer. Filhinho de papai, lá no cativeiro. Por mim, ele morria seco. Mas sabe como é. Coração de mãe não gosta de ver ninguém sofrer.


Amor é o que passa na televisão. Bomba no Iraque. Discussão de reconstrução. Pois é. Só o amor constrói. Edifícios. Condomínios fechados. E bancos. O amor invade. O amor é também o nosso plano de ocupação.


Amor que liberta, meu irmão. Amor que desce o morro. Amor que toma a praça. Amor que, de repente, nos assalta. Sem explicação. Amor salvador. Cristo mesmo quem nos ensinou. Se não houver sangue, meu filho, não é amor.

(ps.: já sinto falta do blog)

sábado, 11 de setembro de 2010

A umidade relativa do ar

-Não posso sair. - ela me disse. - Sou uma fugitiva. Todos estão atrás de mim. CIA, FBI, Scotland Yard e toda a polícia de londres. Terei que me esconder pra sempre.

-Mas estamos no Brasil, aqui você não corre mais riscos.

-Isso é o que você pensa! Eles são espertos e vão nos encontrar.

-O que você fez afinal?

-Não posso contar. Só tenho que ficar escondida. Vai me ajudar ou não?

-Depende. Eu tinha intenções de sair com você, mas depois disso acho que fica inviável. Afinal, não queremos ser pegos, não é mesmo?

Ela me olhou. Entendeu o ar de sarcasmo da frase. Sorriu e disse:

-Tolinho! Mas é isso mesmo, não queremos ser pegos.

-Tudo bem! Posso ficar com você por hoje pelo menos?

-Por hoje? Eu tinha pensando um pouco mais do que isso. - disse ela fazendo bico.

-É uma oferta tentadora, mas eu não corro risco de vida ficando com você?

-Corre, muitos, mas não acha que vale a pena?

-Realmente. Certa vez me disseram que a gente sempre corre riscos, com todo mundo, de ser magoado, deixado na mão ou, no seu caso, de ser pego e provavelmente morto.

-Não seja tão dramático. E foi eu quem te disse isso!

-Ah!

Realmente, havia sido ela e eu não me lembrava. Continuei:

-Que tipo e vilã é você afinal que não tem uma parceira de vilanices?

-Do tipo que tinha uma parceira, mas estava perigoso demais e precisamos nos separar.

-O que aconteceu?

-Nos separamos na última rodoviária. Ela foi pra algum lugar na Antártica e eu vim parar nessa pacata cidade no Brasil. Aliás, que clima ruim tem esse lugar ein! Apesar que de onde eu venho é bem pior. Sabia que a umidade relativa do ar no deserto chega a seis-por-cento, apenas?

-É, já ouvi falar.

Gostava da maneira inteligente que ela falava. Às vezes usava palavras difíceis pra mostrar o quanto era conhecedora do mundo das letras. Não sei se conhecia mesmo ou se usava como havia aprendido, mas como eu mesmo não conhecia o real significado daquelas palavras, aceitava tudo o que ela falava sem questionar. A postura e a certeza com que falava também me impressionavam. A linguagem corporal diz noventa-por-cento do que se quer falar. Pode-se dizer sim com o corpo, dizendo não com a voz. Aprendi com ela também, não por ela ter me falado, mas a observando somente.

-De onde eu venho as vezes bate oito! - ela continuou.

-Oito o que?

-Oito-por-cento. A umidade do ar.

-Poxa. Você mora perto de algum deserto?

Me olhou fazendo careta.

-Claro que não.

-Tudo bem. Me conte porque você e sua parceira de crime se separaram.

-Tocamos o terror por ai. Assustamos algumas criancinhas com nossas caras de más e tivemos que nos separar para os pais furiosos não nos encontrarem.

-Com essa cara ai, assustando criancinhas? Tudo bem, não quer contar não conte.

-Não se preocupe, não foi nada grave.

Ficamos em silêncio por alguns minutos. Ela às vezes ia à janela observar a rua. Afastava a perciana com os dedos e colava o olho no vidro. Fazia tudo aquilo parecer um filme.

-E nós? - perguntei.

-O que tem "nós"?

-O que estamos fazendo afinal?

-Nos escondendo.

-Não foi isso o que perguntei. Quero saber porque você se esconde do mundo, mas permite que eu esteja aqui com você?

-Eu gosto de você, eu acho.

-Eu também gosto de você, mas o que isso significa?

-Significa que tudo está como deveria estar.

-Assim mesmo, dois fugitivos? Não poderiamos estar por ai, andando de mãos dadas, como casais normais?

-Tudo tem seu tempo, bobinho. Além do que, não somos um casal ainda.

-Ainda?

-Foi o que eu disse, tudo tem seu tempo.

-Mas e se algo acontecer e você for pega? Ou se eu for pego?

-Você não está sendo procurado e se eu for pega, não será pra sempre. Você se preocupa demais.

-E você de menos.

-Foi o teu jeito de ser que me ensinou. Certas coisas são simples. O que é nosso é nosso e está guardado. Ninguém pode tirar de nós.

Fiquei em silêncio, com a respiração suspensa. Pensativo.

-Você... sempre dizendo a coisa certa, na hora certa. - conclui.

-Foi o que eu disse. Coisa certa, hora certa, lugar certo. Tudo exatamente como deveria estar.

Sorri.

-Agora vai até a geladeira e pega uma coisa que está la dentro. É uma surpresa pra você. Vai saber o que é quando abrir a porta.

Fui até a cozinha. Abri a geladeira e gritei com a cabeça la dentro.

-Você fez a sua torta pra mim! Finalmente!

Voltei à sala e a encontrei apoiada na janela, à meia luz do cair do dia. A cor do céu refletia na pele branca daquele rosto cheio de fibras presas ao músculo da face, que faziam buraquinhos bem característicos e perfeitos, ainda que assimétricos, naquele rosto que sorria, acentuando as marcas. Trocamos olhares envergonhados. Certos de que tudo realmente estava como deveria estar.

-Sim, fiz pra você. - ela respondeu.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Substrato

A felicidade mora no abstrato

e não

no substrato

de tudo o que você compra.

Muito menos

na necessidade,

na ansiedade,

na futilidade,

de querer ter

e não saber ter

o que já tem.

Coma um prato de comida

depois de um grande dia

de fome

e seja feliz.

Só não se esqueça que

depois de um grande dia

de fome,

muitos dormem,

sem comer,

ou morrem.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Migalhas de fumo

Um homem de gravata vermelha é um homem sério. Um homem de gravata vermelha e cigarro na mão é um homem sério com algum problema. O olhar deste homem preocupado e de gravata vermelha é o charme de seu rosto. Compenetrado e, apesar de assumidamente precisar de ajuda, não pede. Não sabe pedir ajuda. Precisa provar pra si mesmo que é capaz de resolver tudo sozinho.

-Uma cerveja, por favor.

O homem do bar vai servir a cerveja no copo.

-Não. Eu tomo na garrafa mesmo. Obrigado.

Paga a cerveja ao homem do bar. Acende outro cigarro deixando cair migalhas de fumo na gravata vermelha. Bate o fumo do colo e traga profundamente, olhando para cima. Dá um gole na cerveja e solta a fumaça pelo nariz e pela boca. Com o olhar compenetrado, pensativo, como está, parece um dragão esfumaçando raiva.

-Amigo, você tem amendoins ai?

-Sim, claro.

-Me traga um pouco, estou faminto.

-Mais alguma coisa senhor?

-Você conhece alguém que trabalhe com máquinas de jato de água? Preciso lavar meu carro, mas a minha quebrou.

-Não senhor.

-Tudo bem. Só os amendoins então.

Talvez fosse só isso o problema. Talvez não. Nunca saberemos.

sábado, 21 de agosto de 2010

Poeira

Hoje passei o dia limpando. Limpando o chão, limpando a mente, limpando a alma. Corpo, voz e mente em mesma sintonia buscando por limpeza. Buscando não buscar nada mais do que algo de valor a se guardar e o resto a se jogar fora. Nem todo o resto, claro, porque sempre fica aquele probleminha mal resolvido que a gente jura que não liga mais, mas na verdade liga. Na verdade são estes pequenos probleminhas que seguram a gente no passado e nos impedem de seguir em frente. Decidi enfim que era hora de seguir em frente.

Com a cabeça na altura dos pés, ou seja, no chão, apoiado sobre um pano sujo e molhado com produtos de limpeza, percorri o chão de azulejo branco de minha casa. Quanto mais eu limpava o chão, mais o chão me limpava, então acabei por fazer aquilo com gosto, ao som de alguma música clássica ou alguma ópera, não me lembro. Lembro que tinha violoncelos. Por fim, estava deitado no chão limpo. O chão estava limpo, não eu. Pelo menos não por completo. O resto da minha limpeza, interna, veio depois, na casa de uma amiga.

Um violão, sorrisos e comida no fogo. Preparamos um doce de sobremesa e pronto, eu estava finalmente limpo. Aliás, estou limpo, acho que por completo agora. Claro que sempre fica aquele pensamento de que falta alguém ali, mas isso não é um problema. É só um pensamento. Um bom pensamento que me coloca um sorriso na cara em qualquer momento. Acho que quando este pensamento se concretizar ai sim, estarei pronto pra seguir em frente e manter sempre a minha casa limpa. Afinal, cansei dessa sujeira debaixo do tapete.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Mulheres também jogam Halo 3

Quando as coisas finalmente pareciam normais dentro de casa o mundo trata de me surpreender novamente. Porque é assim que funciona a vida, a ordem lógica dos planetas e dos cometas. É assim que a lei dos encontros e desencontros acontecem. É assim que descobrimos que o mundo está de ponta cabeça e nada mais faz sentido. E tudo começou ao acaso, assim, comigo sentado no sofá.

-Papai. Papaizinho. Paizinhoooo? - chama minha filha, obviamente querendo mais do que parecia.

-Sim filhinha? - respondo.

-Sabia que eu te amo papai?

-Não, não sabia.

-Ai papaizinho. Claro que sabia! Que coisa feia de se falar! - responde ela fazendo bico.

-O que você quer, criança?

-Como assim o que eu quero? - fazendo cara de inocente.

-Eu te conheço minha filha. Conheço essa sua cara de anjo pidão. Diz o que você quer que eu já te digo não e assim eu posso continuar vendo a luta.

-Ai pai, que coisa feia...

-Se você pedir logo eu falo sim.

-Me compra o jogo do Halo 3!

-Não!

-Mas você disse que...

-Era só pra você desembuchar logo e me deixar assistir a TV.

-Mas...

-Espera, espera... Não sei se eu entendi muito bem, mas você disse "Halo 3"?

-É pai. - disse ela com cara de emburrada.

-Halo 3? O jogo?

-Não! A novela! - fazendo cara de nojo!

-Ow ow ow.. mais respeito com teu velho, menina! - falei olhando feio.

-Você não me respeita! - ela desafiante.

-Eu já te dou casa, comida e roupas. Não precisa de respeito. - falo com carinho.

-Uhmmmmmmm - faz ela, mostrando a língua.

-Tá, tá, agora me explica... desde quando você joga esses jogos? Isso é coisa pra garotos, sabia?

-Não é não! Eu e a mamãe destruímos neste jogo! Semana passada acabei com a raça do Juninho!

-Você e sua mãe? Desde quando sua mãe sabe o que é Halo? Desde quando ela sabe ligar um vídeo-game?

-Ai pai! Como você é ultrapassado! Não sabe de nada. Eu jogo com a mamãe toda semana. Ela me dá cobertura e eu mato todos os ET'zinhos!

-Os ET'zinhos é?

-Sim, aqueles monstros feios e armados até os dentes. Acabamos com todos eles. Alguns até são meio fofinhos mas eu mato também!

-É mesmo? Que coisa. E porque eu nunca fui chamado pra jogar com vocês?

-Jura mesmo que quer saber? - ela faz cara de que é melhor eu não saber.

-Uhmm. Quero! - respondo, incerto se quero mesmo.

-Pai, o senhor perde jogando paciência!!! - ela fala indignada, conseguindo mesmo me rebaixar.

-Mas... - eu me encolho na poltrona porque é verdade, eu perco jogando paciência.

-Não tem "mas...". O senhor joga muito mal que eu já vi. Se colocar o controle na sua mão é capaz de quebrar a TV de tando que mexe os braços.

-Filha eu.. - falo desesperado, tentando me explicar.

-Pai. Aceita. Você é um bom pai, um homem trabalhador e muito honesto... mas pra jogo o senhor simplesmente não serve.

-Ah eu... - tento responder mas não sai mais nada.

Silêncio constrangedor.

Ela tinha razão, eu não sirvo pra jogar mesmo. Eu, o homem da casa, sem dom algum para o vídeo-game, enquanto as mulheres matavam ET'zinhos na minha ausência. "Halo" pra elas deveria ser apenas o buraco no box do banheiro, mas não. Isso era "Halo" pra mim. O buraco no chão do banheiro. Pensei em me enfiar lá.

-Onde vende o jogo mesmo? - pergunto, voltando do meu transe e tentando lembrar quantos anos tem a minha filha pra ser tão esperta daquele jeito.

-No shopping, pai. Eu vou com o senhor mais tarde.

-Não. Vai com a sua mãe, eu preciso de um tempo sozinho. - estava ficando realmente deprimido.

-Ohhhnm paizinho, não fique assim! Eu deixo você jogar, vai!

-Ah... - pausa. - Deixa mesmo? - pergunto com cara de dó.

-Sim. Porque pra eu jogar Halo 3 você também vai ter que comprar o XBOX 360 e nele vem um monte de joguinhos pra crianças que você vai adorar!

Com essa frase de efeito ela saiu, aos pulinhos, provavelmente indo contar pra mãe sobre sua conquista. Eu, jogado fundo na poltrona, vi o final da luta em que o homem em quem eu estava apostando tomou uma surra e perdeu por nocaute. Simpatizei com o homem, derrotado. Me senti naquela luta. Nocauteado. A única diferença entre eu e ele foi que ele apanhou de um barbudo de uns 200 quilos e eu apanhei de uma garotinha que jogou minha dignidade ralo abaixo.

Agora estou aqui contando esta história e jogando paciência.

Prometi pra mim mesmo que não sairia daqui enquanto não ganhasse uma partida. Nem que me levasse a vida inteira.

domingo, 8 de agosto de 2010

Inveja dos Anjos

É inspirador ver as coisas obvias de nossa vida se tornando arte, assim do nada.

Eles simplesmente viveram em cima do palco.

Com suas vidas cotidianas.

Com suas mémorias.

Com suas dores.

Recomeços.

E fim.

Alfa.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Aos meus heróis

Curioso ver como antigamente as pessoas homenageavam seus ídolos com músicas, textos, poesias, estátuas ou coisas do tipo. Hoje em dia, cada um ganha a sua parcela de comunidades do orkut e/ou facebook e pronto, fica por isso mesmo. Acho que meus heróis merecem algo mais digno do que um monte de pessoas pseudo-fãs fazendo joguinhos do tipo "voXe BeijAriA a PexxoAa aSXima?" ou "Com que personagem de desenho animado o cabelo da pessoa acima se parece?" debaixo de suas lápides.

Espero que um dia a humanidade entenda que bons amigos valem mais do que viewers no Twitcam. Assim quem sabe, menininhas de quinze anos, parem de mostrar os seios mal formados na internet em busca de atenção e comecem a fazer coisas mais construtivas, ainda que o fim seja mesmo ter atenção. As meninas com dezoito anos ou mais podem continuar mostrando, afinal elas já são bem grandinhas pra decidirem o que querem e sejamos francos, eu também não sou santo.

De qualquer forma, vou continuar homenageando Handrix ouvindo Handrix e colando posters no meu quarto. Vou continuar homenageando Woody Allen assistindo Woody Allen e colando posters no meu quarto. Continuarei homenageando Bukowski lendo Bukowski e comprando livros. Por fim, pra não continuar uma lista infinita dos meus heróis, continuarei homenageando Silvia Saint do jeito que faço desde muleque e escondendo os posters debaixo da cama.

A todos os meus heróis presto esta homenagem, ainda que para isso tenha me submetido a ir contra o que penso sobre reconhecer vossas habilidades no mundo virtual e estar aqui, escrevendo no meu blog. Deve ser por isso que eu continuo sendo fã e não ídolo de alguém. Droga de juventude sem ideais; eu incluso.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O centro

Sinto falta dos sinos do tempo. Aqueles que batem sempre que algum momento acontece. Digo, momento daqueles que serão lembrados como um momento. Bom ou ruim. Faz tempo que não os ouço, sinal de vida parada. Começo a me sentir como um rio calmo que não foi descoberto ainda, ou como a lágrima que escorre seca na face pálida de alguém em luto. Nem bem, nem mal. A lágrima não vai trazer a pessoa de volta, mas com certeza ajuda a aliviar a dor. Não é problema, nem solução de fato. Não sou problema, nem solução. Nem sim, nem não. Hoje eu sou a margem, a tangente. Me lembro de quando já fui o centro. Sempre gostei de ser o centro, apesar de ter passado poucas vezes por lá. Poucas pessoas me colocaram nesta posição, incluindo claro as que me colocaram no centro de um alvo para ser acertado. Não deixa de ser o centro se for ver bem, era o centro da atenção de alguém pelo menos. Apesar que agora, olhando melhor, o centro, aquele ponto pequeno no meio de tudo, é a menor área do círculo. É apenas um ponto. Aqui na tangente, são tantos pontos até dar a volta completa que pelo menos eu não me sinto sozinho.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Apertando os lábios

Ela aperta os lábios com a mão o tempo todo. Com as pontas dos dedos vai apalpando todo o lábio inferior, da direita pra esquerda e depois de volta. Para em algum ponto ressecado pelo ar. Cutuca, futuca. Chega a arrancar pedaços às vezes, é aguniante. É como um tique que ela tem, isso de apertar os lábios. Com o dedão e o indicador da mão direita, unhas afiadas, percorrendo a boca em busca de respostas. só pode ser isso. O olho perdido, parado, buscando. Às vezes acirra o olhar, quase encontrando o que procura, os dedos apertam cada vez mais forte o lábio que chega a sangrar e continuaria apertando se não doesse. Ou se alguém não lhe chamasse a atenção e desviasse seu olhar pra longe do alvo. É isso, o olho como uma seta quase alcançando o alvo. Os dedos tentam guiar a seta. Ou os dedos são como as mãos de uma velha que aperta seu véu na cabeça em oração, em busca de um milagre. O lábio é o véu. Os olhos a reza. O milagre... não aconteceu ainda, mas todos sabemos que a busca vale mais do que o milagre. Na busca crescemos. Apertando os lábios sangramos, provamos que estamos ali e ainda estamos lutando. Pode ser ainda que apertar os lábios seja apenas uma maneira de provar o tempo todo que ela existe e que esta lá. Não é isso o que muitos de nós queremos acima de qualquer milagre? Nos setir aqui? Vivos e presentes. Vai ver é isso... ou nada disso. E lá está ela de novo, apertando os lábios.

domingo, 11 de julho de 2010

Os problemas do mundo

"Qual o problema do mundo?", ela me perguntou. Não soube responder, estava acanhado, com vergonha. Ela de roupão aberto, deixando um dos seios livre, balançando de um lado pro outro e eu nu na cama, esperando que ela se deitasse comigo. Tomou de um gole o whisky quente, "cowboy" ela dizia, "adoro cowboy", e ria com malícia. Tirou o roupão e caminhou em minha direção. "Se me disser qual é o problema do mundo eu faço o que você quiser, bonitão". Pensei em responder, mas desisti. Não conseguia prestar atenção em mais nada além daqueles peitos tão empinados e dançando de um lado para o outro, em minha direção. "É sempre a mesma coisa. Qual o problema do mundo, eu pergunto. Eles nunca sabem. Também, quem se importa com o problema quando a solução é tão simples. Qualquer coisa se resolve com seios bonitos e empinados como os meus, não é mesmo?". Eu só podia concordar. Concordei com ela a noite inteira e, já de manhã saindo pela porta da frente, sorri.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Um gosto diferente

Preciso do som da rua para escrever. Preciso do meu décimo quinto andar. Preciso da calmaria do caos universitário em que estou inserido e que eu interiorizo como meu mundo, tentando traduzi-lo em palavras. Sinto falta do estresse, da correria, do excesso de café e dos banhos da madrugada. Sinto medo do ócio e do ar puro. Tenho pavor da solidão em família.

De férias, não me sinto motivado. Trabalhando, me sinto sem tempo. No ócio, sinto que é disperdício. Bêbado, sinto falta e sofro de descordenação. Sem computador, me sinto lento. Sem caneta me sinto impotente. Sem desculpas, me sinto obrigado. E obrigado, não é tão bom quanto por vontade própria.

Tudo isso é a parte de mim que me impede de escrever. Todo o resto é a parte que me excita a isso. Meus olhos observam, meu cérebro computa e registra, meus lábios esboçam e meus dedos concretizam. A pele sente, o nariz cheira, a língua lambe. Cada sentido tem sua respectiva palavra que define e, por consequencia, limita o ato de sentir. Às vezes me sinto mesmo limitado pelas palavras, porque por mais que queira descrever os fatos, sempre acabo com as mesmas palavras, organizadas de forma diferente, ou não. Não me bastaria um dicionário inteiro, traduzido em todas as línguas, juntas, pra descrever perfeitamente a sensação de cheirar, tatear ou lamber.

O que nos leva aos mundos longíquos e belos da literatura é a nossa mente e não as palavras. Caso contrário, todos que lessem um mesmo livro sentiriam as mesmas coisa e não teria a mínima graça. Bom mesmo é cada um viver no seu mundo. Bom mesmo é cada um sentir um gosto quando lambe.

sábado, 3 de julho de 2010

Desconstrução

É uma tarde fria pra escrever. Mesmo assim, estou escrevendo como vocês bem podem ver, ou ler. Alguns amigos estão aqui na sala, conversando sobre qualquer coisa que não consigo me concentrar. As palavras passam, flutuam na minha frente e me explodem na cara sem que eu entenda uma vírgula sequer. Estou em outro lugar, com a cabeça preocupada, esquecida. Meus olhos caminham entre os rostos sorridentes e o que consigo ver são máscaras. Na verdade é a minha máscara refletida na cara deles, já que eles mesmo não estão rindo mascarados, de mentira, mas sim de verdade, de dentro. O mascarado sou eu.

Mais tarde vou sair. Tentar esquecer. Fingir que nada aconteceu e nem vai acontecer. Mesmo sabendo que alguma hora vai. Em algum momento aquilo vai voltar a mim e me transtornar. Vai me fazer uma pessoa diferente, vai me fazer bixo. Daqui a pouco estarei na rua correndo o risco de me desconstruir e revelar quem eu realmente sou. Aquele ser estranho e deformado, sem cor, sem vida, sem rumo. Na minha frente só vai existir um objetivo: ser diferente, ou indiferente a tudo. Depois disso não restará mais nada, apenas o vazio e o eco das vozes que me dizem: seja normal pelo menos uma vez na vida.

Seja normal pelo menos uma vez na vida.

Seja normal, na vida.

Seja normal.

Normal.

Nunca.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Silêncio

As coisas me acontecem assim. Uma hora eu me deito na cama e começo a pensar. Na outra estou sentado no chão, encolhido, nu, gelado e chorando de soluçar enquanto o mundo continua rodando lá fora.

Deve ser culpa do silêncio. Hoje li que o silêncio é "a gente mesmo, demais". Quanta verdade. Como somos podres pra pensar desta forma. Conhecer muito de nós mesmos nos faz chorar, nos faz sentir mal, nos faz ter ânsia e dores na boca do estômago. É feito um soco bem dado. Ou bem tomado.

O quarto vazio. A vida vazia. Antes ainda havia fotos daquela mulher que já amei. Hoje não sinto mais nada por ela. Nada daquilo que era eterno se eternizou. Tudo foi enfiado para dentro do cu sujo dela junto com o pau daquele unzinho que a comia por trás, e ela a viver outra vida por trás de mim. Fazer o quê, é a vida, não é? Sem ressentimentos amor, viva a sua vida porque eu concordo que comigo não era lá aquelas coisas. Pode dar o seu cu em paz.

Agora eu choro o vazio de nem mesmo sentir saudades. Agora eu lambo os dedos pra sentir o amargo das lágrimas que enxugo. É algo a se sentir pelo menos. O cheiro das paredes cinzas, escurecidas pela fumaça do cigarro sempre aceso. O cigarro e o computador. O cigarro, o computador e eu. Trago o cigarrro e ele me traga o pensamento, que o computador transforma em bits ou bytes ou o cacete a quatro de zeros e uns. Meus pensamentos são zeros-e-uns. Matemática básica e fundamental do meu ideal. Nada mais do que números.

Meu cérebro lê então essa orgia de números e reinterpreta em bytes cerebrais, sinapses, imagens, idéias, música, tudo novo de novo. Conteúdo original de uma velha idéia. Se é que se pode chamar este lixo todo de conteúdo. Um texto após o outro e tudo isso pra que? Existe alguma coisa por trás disso ou é só mais um choro barato na internet. Mais uma vida pela qual ninguém se interessa? Mais bits desperdiçados, com tanta coisa importante que tem por ai...

Eventualmente tenho uma ereção ao pensar que nem sempre fui assim. Já fui homem de respeito, de família. Namorava, como disse. Tinha vida social e dava valor às coisas. Tudo foi por água abaixo quando parei de entender as relações que tinha. Namorar não fazia mais sentido e eu ainda não sabia que ela me traía. Talvez nem me traía e só começou depois que eu virei aquele estranho dentro de casa. Desconfiava dos meus amigos e até mesmo da minha família. Depois, fui pego de surpresa por uma doença desgraçada que me jogava ao chão a tremer dos pés a cabeça. Voltava a mim com a lingua sangrando, atravessada pelos dentes que quase se quebravam ao se debaterem dentro da minha boca. O corpo doía e a pele ficava roxa. Volta e meia acordava em lugares desconhecidos, com estranhos a me olharem com olhos esbugalhados e amedrontados, desesperados pra saber se eu estava bem.

Certo dia acordei no metrô, caído, vomitado e humilhado, no centro de uma multidão que me olhava espantada. A doença me atacou de tal forma que me deteriorou o cérebro e me fazer cagar nas calças e vomitar as tripas em um lugar público. Pensei seriamente em desistir, mas não tive coragem. O corpo gelava só de pensar em sumir deste mundo sem deixar uma marca que fosse. Não queria ser somente mais um nome na tabela de óbitos do jornal de domingo. Não poderia terminar assim... e não terminou.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Assim mesmo, sem ordem

Aquela brincadeira de criança se tornou adulta. Perdeu a graça.

Manteve-se a memória, apenas isso. Os primeiros passos, os primeiros balbucios, primeiros rabiscos, bronca, aviãozinho, video-game, raiva, punheta, estudos, punheta, vestibular.

Enfim, um universitário de respeito perdido na bebida e nas drogas. Fazendo teatro aos finais de semana pra quebrar o gelo do um-mais-um-rais-quadrada-de-três-não-sei. Também, foi escolher logo engenharia? Devia ter ido viver a vida. Hoje em dia apenas sonha com ela.

Meus pés descalços se enraizaram na cidade que me acolheu. Os donos dos bares me conhecem pelo nome. Os novos animais que adentram este meu mundo - leia-se, os bixos universitários - me respeitam por qualquer besteira e não por quem eu sou. Aliás, duvido que saibam quem eu sou. Fazer o quê, também não sei quem eles são. Pra mim, são bixos. Aliás, entraram gente, se tornaram bixos e talvez saiam uma mistura. Bixo-Homem, que sabe fazer contas.

Retornar ao lar também não é facil. Ver minhas coisas antigas espalhadas pelo chão, quase do jeito que as deixei, é espantoso. Sou pai de mim mesmo me vendo brincar pelo chão sujo que me deixou marcas até hoje, por dentro, nas tripas. Me revirou as tripas mesmo ver o antigo sapato que eu fingia ser um carro e depois um avião. Meu velho video-game empoeirado. Minha coleção de propagandas de langerie que me esquentavam em noites solitárias, quando a casa era água parada e eu era rio que desaguava no mar.

Revivi tudo isso. Senti o orgasmo. Voei alto de carro-avião e travei batalha contra um exército inteiro de homenzinhos imaginários. Comandos em ação. Que barato. Tirei os sapatos pra entrar em casa. Dei beijo na mãe, no pai. Passei reto pelas fotos nas estantes e nem percebi meu primeiro desenho -de quando era um bebê; enquadrado, imortalizado, fazendo centro na sala de estar. Fui direto para o meu quarto, velho quarto, arrumado, esperando o filho que não volta mais, voltar para casa.

Sentei ao pé da cama e chorei feito um bebê, em pele de adulto. Enxuguei as lágrimas. Agarrei o controle e destrocei centenas de zumbis famintos que estavam prestes a acabar com o meu dia. Alguns minutos depois meu filho entrou no quarto e parou a me olhar, em pé. "O que é isso?", Meu antigo video-game, "Bem antigo ein!", Tem idade pra ser seu avô, "Que coisa chata! Desliga isso e liga o meu que é bem melhor.".

Então sim. Minha infância envelheceu. Ainda que permaneça jovem dentro de mim.

sábado, 19 de junho de 2010

E agora?

Três da manhã. Precisando dormir, mas fico preso nessa porcaria de computador.

Pensando em como fazer os outros pensarem amanhã (ou hoje) cedo, na reunião que terei mais tarde. Preciso fazer os outros pensarem.

Como? Se às vezes duvido que eu mesmo sou capaz de pensar.

Preciso de um estímulo. Um dos grandes. Talvez uma boa noite de sono pra me trazer boas idéias. Sonhos reveladores ou aquelas epifanias que fazem as pessoas se entenderem no mundo.

Se entender no mundo. Está aí algo a se pensar. Pergunta sem resposta que dá pano pra manga.

Você já se localizou no mundo hoje?

Você já parou de apenas existir e começou a viver?

Sem tempo para pensar. Tempo de sobra para fazer.

Apenas anotando aqui alguns pensamentos da madrugada.

Peço desculpas. E desejo boa noite!

Boa noite!

terça-feira, 8 de junho de 2010

Flores que fedem

Fiquei aqui o dia todo observando flores
e tentando achá-las bonitas

Me sentei em frente a uma rosa
Vermelha e grande
Fedida
e feia.

Não vejo graça em flores
prefiro televisão
Acho bonito ver gente na televisão
Da pra sentir o cheiro
e é melhor do que o de flores
Mesmo não dando, de fato,
pra sentir o cheiro.

Cheguei a conclusão de que odeio flores
As árvores eu respeito
porque são grandes
e meu pai me ensinou a não mexer
com coisa grande
a não ser que eu tivesse uma arma

Não tenho uma arma
Odeio flores
Respeito árvores
Gosto de televisão

Me levantei e fui cheirar a rosa
Vermelha e grande
e feia
e, como ja havia dito, fedida.

Continuava fedida.

Cheguei a conclusão de que odeio flores que fedem
As outras não tentei ainda.
Fica pra outro dia.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Um banco sujo e manco

A vida perfeita. Não muito o que falar sobre, apenas viver isso. Ou não. Mais um dia que começa com um banho, vestir a roupa de sempre, calçar os sapatos, vestir o sorriso e o espírito de "boa vizinhança" e sair às ruas pronto pra convencer que levo a vida perfeita. Mulher e filhos, todos lindos e perfeitos. Jardim impecável em uma casa grande e bonita no melhor bairro da cidade. Tudo tão claro e limpo pra quem vê, mas tão escuro e sujo pra mim. Só mais um dia em minha vida perfeita. Gostaria de uma corda em meu pescoço, um banco sujo e manco em que eu pudesse subir e chutar quando todos estivessem chegando do trabalho. Se bem que seria melhor se tivesse sangue na cena. Chocante e revigorante. Crianças nadando na piscina ensaguentanda onde eu tenha me matado. Corte perfeito em baixo do braço esquerdo, preservando a imagem pra quem chegasse primeiro em cena. Eu, finalmente fora de mim em forma de sangue, o corpo branco e frio e o sangue quente e vermelho negro. O fim perfeito para a vida perfeita.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Se eu soubesse cantar, cantaria

Faz anos que não ligo minha guitarra. Não é a toa, também... não sei tocar! Nunca soube realmente, mas já tive uma banda, por incrível que pareça. Nem tão incrível assim pra quem já nos ouviu tocando... uma desgraça! Parecíamos quatro caras com pedaços de pau na mão que jurávamos que faziam os sons que a gente queria, mas não, não fazia. Cantando então, uma caganeira sem tamanho. O importante é que nos divertíamos bastante e rolava vários charmes na hora de tocar, pra conquistar as garotinhas do colégio - sim, só tocamos no colégio e ainda por dó eu suspeito. Nunca peguei ninguém por causa da banda. Me valia mais segurar o violão nos luais, sem tocar nada, só fingindo mesmo, do que de fato tocar. Segurar o violão me deixava bonito. Tocá-lo me fazia tosco.

Quando comprei minha guitarra, quis a mais bonita, claro. Já sabia que o que valia era a beleza dela e não a minha e o estilo que eu fazia quando a segurava e pulava feito louco em cima do palco - que na verdade nunca foi um palco porque sempre tocamos no chão - me garantia alguns sorrisos. Depois de uns anos tentando, descobri que eu servia pra ser guitarra base e que se eu deixasse o som um pouco mais baixo, não me destacaria muito e o outro guitarrista faria tudo. Como ninguém sabia de onde o som tava vindo de fato, porque eu enganava bem, o crédito seria dividido. Entretando o outro guitarrista também não era lá aquelas coisas e no final, a banda era péssima. Porém, como existe gosto para tudo, houveram aqueles que gostavam do som da nossa banda, ou melhor, do estupro ao som que a banda fazia. Tivemos camisetas com nosso nome e uma meia dúzia de garotas novinhas que mal sabiam o que eram pêlos pubianos. Que diferença faz, afinal? Quando elas tem a gente pede pra tirar mesmo, então estava bom.

Pena que a coisa não durou muito. Veio a faculdade e estragou tudo. Quero dizer, não tudo, afinal de contas me formarei engenheiro, talvez. Melhor do que tentar a vida de músico, artista ou coisa assim. Ser rockstar não é pra quaquer um. Eu que sempre me recusei a ter cabelo comprido não me daria bem nessa profissão. Além do que, com os visuais que se vê por ai hoje em dia o melhor mesmo é ficar assim: engenheiro. Ainda bem que isso não significa que eu preciso parar de tocar meu violão, graças-a-deus. Acho até que a qualidade musical de minhas canções melhoraram. Também, depois de tanta bosta que vemos na universidade, é a única arma que temos... a música, o texto, a poesia, enfim: a arte. Porque até onde eu sei, raiz quadrada não critica, só se enquadra.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Subsolo

Sentei-me em um banco na praça da XV com esperança de poder pensar. Precisava pensar na vida, coisa que não fazia há dias, semanas ou talvez meses até. Escolhi o banco que ficava de frente para o centro da praça, em baixo de uma árvore grande e acolhedora. Percebi que fazia isso sempre que precisava pensar: me sentava perto de coisas imponentes, um prédio muito alto, uma árvore grande, uma mulher bem gorda. Acho que fazia isso por instinto, pra me lembrar da época em que pensar na vida era deitar no colo de minha mãe, com os olhos cheios d'água e sentir sua mão em meus cabelos enquanto ouvia os sons que ela fazia com a boca, esperando que eu me acalmasse, seja lá o que fosse que tivesse me abalado. Não que minha mãe fosse grande ou gorda e muito menos imponente, mas para o meu tamanho e idade ela era o máximo de poder que eu tinha de exemplo. O olhar fixo e carinhoso que ela me dava me trazia paz, assim como o meu olhar fixo em algo grande e imponete me traz paz hoje. Me sentir pequeno me tira as responsabilidades e ambições e me faz sentir a liberdade de ser criança de novo, quando minha maior preocupação era saber qual o próximo desenho animado passaria na televisão.

Quando me dei conta, estava sentado no banco com as pernas o mais pra frente possível e a cabeça o mais pra trás possível. Estava com os olhos perdidos nos emaranhados daquela árvore imensa e robusta. Me ajeitei olhando para os lados pensando se alguém havia reparado que eu estava daquele jeito, largado no banco da praça. Um homem feito, com seu metro e oitenta e largado no banco da praça, inprodutivo. Voltou-me de repente aquele velho sentimento adulto: vergonha. Fixei os olhos então no centro da praça, à minha frente, e voltei para o meu mundo de pensamentos, para o subsolo da humanidade, onde todos vivemos algum momento antes de voltar à superfície. Meu subsolo era escuro, mas muito aconchegante. O silêncio era o meu melhor amigo e o negro à frente de meus olhos me davam a sensação de perda de controle. Era como ser mente sem corpo, sem movimento, apenas pensamentos. Eu era pensamentos.

Acordei daquele transe mais umas duas ou três vezes antes de decidir que era hora de voltar pra casa. Antes de me levantar, olhei mais uma vez ao redor buscando alguém que pudesse ter me visto ali, naquela situação, com o corpo exposto enquanto a mente viajava fundo debaixo da terra e não encontrei um único olhar a me encarar. Havia muitas pessoas por ali, sozinhas, sentadas em bancos de forma aleatória e, para a minha surpresa, estavam todas com o mesmo olhar. Todas afundadas em seus próprios subsolos. Por um momento fiquei triste, em pensar que nem mesmo isso era somente meu, o subsolo. Nem o que eu tinha de mais individual era unicamente meu. Levantei-me olhando para aquelas pessoas como se estivesse olhando pra mim mesmo. Encarei todos aqueles olhos fixos e sem vida, abandonados pelas mentes que se afundavam cada vez mais e pensei: "preciso parar com isso, hora dessas me afundo de vez e não saberei como voltar." e fui embora, sem pensar em nada.

(Influenciado, ou nem tanto, pela peça que assisti ontem: Memórias do Subsolo)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Prematuro

Era tarde fria naquela cidade pacata. Ele, deitado ao chão e coberto de trapos procurava o galo mais confortável em sua cabeça pra descansar. Virava para um lado, virava para o outro, mas não achava. Maldita cabeça que não fora feita como um travesseiro, mas toda de osso duro. Pelo menos assim, distraído, não tinha tempo pra pensar na fome.

Uma pessoa que passou ao seu lado, olhou e deu de ombros. Outra, jogou uma moeda pra se sentir melhor. Ele continuou se ajeitando e não deu a mínima bola. Pensava agora em quantos ossos devia ter no corpo e como todos eles doíam naquele frio. Os dentes rangiam e ha noites não dormia direito com tremedeiras. Não que nas noites de verão dormisse melhor, afinal de contas, era um homem de rua que dormia no chão e seria uma mentira dizer que já tivera uma boa noite de sono. Talvez quando era criança, quando dormia no colo da mãe, mas também não se lembraria agora.

Por vezes ficava parado, olhando para o nada, tentando se lembrar desta época distante de quando era pequeno. Não consseguia recuperar a memória daquele tempo. Talvez pelo uso abusivo de drogas, talvez porque sua mãe morreu quando era muito novo e não teve tempo de ser criança. Não importa, o que importa é que não lembrava e às vezes, louco de drogas, imaginava ter nascido homem feito. Tinha alucinações e se via saindo da vagina de sua mãe cheio de sangue, barbudo, com uma garrafa de vinho barato em uma mão e um cigarro na outra. Quem o observava em plena loucura via um homem nascendo do ventre de uma mãe imaginária, com um sorriso parecendo choro e fumando um cigarro imaginário. Depois tossia sangue e caía ao chão em desmaio. No dia seguinte, acordava com o sol na cara e o corpo doído do nascimento. "Nasci prematuro" - pensava. "Homem feito, mas prematuro". Pegava suas coisas e ia dormir em outro lugar.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Nãna

Lembro que ela me pediu um gole da minha soda. Neguei de brincadeira, mas ela não entendeu. Logo fechou a cara e não queria mais falar comigo, dizendo que eu era um egoísta. Tentei explicar, mas ela fez charme. Brincou comigo até que eu jurasse que não queria magoá-la e que dividiria meu refrigerante, sorvete, cerveja ou o que fosse sempre que ela pedisse, sem pensar duas vezes. Jurei contrariado, mas jurei.

"Lu", é assim que a chamo. Gosta quando brinco com seu nome e uso pedaços dele ao invés de usar tudo de uma vez. Assim como faço com ela quando estamos na cama, ela diz. Pedacinho por pedacinho até que o todo se satisfaça. Ela lembra de sexo quando a chamo de Lu, ou Nana - pronunciando Nãna, com voz de criança. Luana se excita. E eu não tenho vergonha de contar isso. Todo casal se trata como criança e, no geral, são realmente duas crianças. Quando se beijam de manhã viram adultos para os seus trabalhos e para a vida dura, cotidiana. De volta, na janta, se beijam de novo e voltam a ser dois adolescentes apaixonados ou briguentos, depende do casal, ou do tempo que estão juntos. Cedo ou tarde, todos viram adolescentes briguentos.

"Quer sorvete, Lu?", perguntei. Ela aceitou, com a condição de que dividíssemos. Estava me testando, provavelmente e eu passei. Comprei um sorvete de casquinha porque sei que ela gosta de comer o "rabinho", que é a parte final, quando sobra apenas a casca seca e doce. As vezes comentava com ela que tambem gostaria de comer o "rabinho". Ela entendia e sorria, sem graça, dizendo: "Um dia, meu amor. Seja paciente. Se não, o que irá sobrar pra depois do casamento?". Eu sempre dava risada, não dela, mas de pensar que esperaria anos por isso e que talvez nem acontecesse. Ela comendo o rabinho do sorvete enquanto pensava em casamento e eu pensando em casamento querendo comer o rabinho. Que ironia.

Seguimos até o final do parque. Era um parque de diversões desses que aparecem em terrenos abandonados, onde em outros momentos haviam circos ou feiras de carros usados. Nenhum brinquedo parecia confiável o suficiente pra se arriscar. Demos a volta e caminhamos em direção a saída. Consigo me lembrar perfeitamente de nós dois, percorrendo o caminho de terra que dava à entrada do parque. Ao fundo estava a roda gigante iluminada, que acendia luzes do centro para fora, amarelas e vermelhas parecendo fogo. Aos lados, palhaços e crianças corriam quase em camera lenta, se encurralando em brincadeiras de pegar. No centro, ela se deliciando com o que sobrara do sorvete enquanto eu a abraçava pelos ombros com o braço esquerdo, bem apertado em sinal de proteção, e segurava na mão direita um urso de pelucia - conquistado na barraquinha três do palhaço Suruba ou sei la o que. À nossa frente, apenas a escuridão do mundo afora, nos esperando na saída.

domingo, 9 de maio de 2010

Nua e fria

Por mais esperado que fosse que ela chorasse, não chorava. Mantinha sempre aquela cara estática, sem expressão qualquer, que não deixava espaço para especulação alguma sobre o que estava pensando. Cara-de-cu, de fato. Devia estar degustando o amargo gosto da perda. Os olhos se mantinham fixos no caixão à sua frente. Seu pai morto, estendido e duro feito pedra. Feito a cara dela, que não soltava uma lágrima.

Era uma cena triste, claro. Aliás, seria se ela não fosse uma desgraçada que fugira de casa aos doze anos sem mais nem porque. Diziam que era por causa de um namoradinho qualquer. Vai saber. Ficou sabendo do pai doze anos depois, morto em um acidente estúpido de carro. Coincidência maluca. Doze anos com ele, outros doze sem ele. Ou pior, agora o resto da vida.

A mãe a olhava com desprezo, tamanho era o baque de ver a filha ingrata depois de tantos anos sem uma única notícia. Pelo menos tivera a descência de aparecer no enterro do pai. Pena que indecentemente de saia curta e colada ao corpo, ainda que preta em sinal de luto. Mais parecia uma prostituta fingindo chorar a morte do seu cafetão. Um choro sem lágrimas, quase indiferente.

Quando o corpo alcançou o fundo negro e obscuro da cova, ela suspirou. Soluçou duas vezes e desembestou a chorar. A mãe a olhava sem entender e com certa vergonha daquele choro em frente aos amigos. Poucos sabiam que era a filha. Outros pensavam que era a amante. Todos achavam que era puta. Inclusive a mãe que não sabia o que a filha fazia pra sobreviver.

Ao cair da última pá de areia, a mãe se ajoelhou e chorou em silêncio. Todos foram saindo, deixando a senhora chorar seu luto e por fim ficaram mãe e filha, frente a frente, separadas pelo montinho de areia que cobria o pai. A moça continuava em pé, com o choro já contido, olhando para a mãe e buscando semelhanças no rosto e no corpo. Quem observasse de longe veria a filha a esquerda do túmulo, em pé, de saia curta e inteira de preto e a mãe à direita, ajoelhada de saia longa, também de preto. Ao meio, o pai morto e enterrado, com uma lápide em cima de sua cabeça que dizia: "pai esquecido, marido amado". Injusto demais para terminar numa lápide nua e fria.

...

Escrever é perda de tempo.

Assim como respirar.

Ou dormir.

domingo, 2 de maio de 2010

Noite quente

Não bastasse o baque surdo do punho que me acertava em cheio o olho esquerdo, veio também um velho conhecido insulto:
-Filho da puta!
-AHHHHHHH! - respondi, de dor.

Fiquei estirado no chão por alguns segundos tentando entender o que havia acontecido e então entendi. Maria era mulher dele e eu não sabia. Ele, marido dela, era agressivo e eu também não sabia.

Tentei me levantar devagar, mas desisti. Percebi que meu esforço pra manter o copo de bebida intacto havia sido inútil. Alias, não inútil por completo, o copo ainda estava intacto, a bebida é que agora estava inteira em cima de mim. Justo na blusa novinha que Maria havia me dado. Igual à dele, por sinal. Talvez isso tenha me entregado.

-Levanta seu merda! - ele continuou.
-Me dê um minuto. - pedi.
-Ora, seu...
-Amor, pare! - gritou Maria, finalmente a meu favor.
-Como "pare", sua.. sua... Ora, não fuja! - gritou ele novamente quando me viu engatinhando em direção à porta.
-Desculpe, senhor. Eu não sabia! - confessei.
-Mentiroso! - e me chutou as pernas me fazendo cair de novo.
-Ele não sabia mesmo, amor! Juro! - Maria piedosa.
-Sua biscate!
-Hei! Não fale assim com a mulher que nos conquistou! - falei.
-Seu atrevido de merda!! Levanta daí! - gritou o marido.
-Não levanto! Tá doendo!
-Quer gelo? - perguntou Maria.
-Sim, por favor.
-Se for buscar vai ser pra sua cara sua puta! - falou o marido.
-O quê? - Maria puta.
-Eu quis dizer... - marido medroso.
-Eu vou embora, seu bosta!
-Não meu amor, me desculpe! Por favor, eu...
-Por isso eu o traí! Seu pau mole de merda! - Maria ofensiva.
-Não! Espera... - marido chorão.
-Ela foi embora! - eu, intrometido.
-Eu vou te matar! - e me pegou pelos cabelos.
-Calma, amigo! Calma! Ai que dor, filho da puta!
-Lá fora! Agora!
-Lá fora? Já chamamos atenção aqui dentro, por que levar isso pra lá? Vai estragar minha imagem nas ruas.
-Cale a boca!
-Não calo! Você vai me bater então eu vou te encher o saco!

Que fique claro que eu não estava realmente calmo, apesar da conversa deixar a entender que sim. Estava completamente desesperando, me debatendo feito louco, com um brutamontes me segurando pelos cabelos prestes a me mostrar que não era de fato um "pau mole" como a mulher havia dito.

-Reaja! Lute como um homem! - cuspia o cara.
-Não quero te matar! - respondi, me cagando todo.
-Me bate, seu merda!
-Me bate você, seu viado sem bolas!

Depois disso, me lembro apenas de acordar na rua, sem meus sapatos e sem minha carteira, com dois olhos inchados e uma dor de cabeça insuportável. Tenho quase certeza também que tinha cuspe no cabelo, ou cocô de pomba, talvez.

As pessoas passavam olhando pra mim, mas ninguém me ajudava, achando que eu era um mendigo ou um bandidinho qualquer. Levantei-me devagar. Procurei por algum trocado nos bolsos, mas nada. Nem um centavo, não me deixaram nada. Olhei para o bar em frente, onde tudo aconteceu. Entrei.

-Bom dia! - falei.
-Tem certeza? - perguntou o dono.
-Depende. O senhor vende fiado?
-Não.
-Então esquece, vai ser um péssimo dia.

sábado, 1 de maio de 2010

Noite fria

Estavam bêbados.

Ele sentado na cadeira de plástico branca, ela em pé ao lado dele. Enquanto ele tragava a fumaça de um cigarro light, ela soltava o ar gelado e cheirando a cerveja que se acumulava em seus pulmões enquanto ela pensava. Nele, talvez.

Trocavam de papéis. Ela pegava o cigarro e tragava enquanto ele soltava o ar gelado e batia com a ponta dos dedos nos cantos da cadeira branca.

Quando ela resolveu se abaixar para falar alguma coisa ao ouvido dele, ele a beijou.

Ela aceitou, mas levou na brincadeira. Ele estava bêbado demais pra ter certeza se aquele beijo tinha realmente acontecido.

Os dois retomaram o ritual da fumaça e ar gelado até que ela falou:

-Você é aquela paixão de colegial, sabe?

-Sei. - ele respondeu.

Trago. Ar gelado. Dedos na ponta da cadeira branca.

No céu nada se via, além da neblina branca de mais um noite fria.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Guarda-chuva

Debruçado na janela do quarto, observava. Lá fora todas aquelas pessoas com seus pensamentos tão importantes zanzavam de um lado a outro falando em seus celulares e andando em seus automóveis. Daqui de cima, as via como formigas. Vulneráveis e famintas. Tão suscetíveis a qualquer bexiga d'água que as fizesse sorrir. Pensei em como tinha o poder de acabar com esta monotonia em que viviam, com uma simples bexiga amarela se espatifando no chão e jogando água para todos os lados. Depois uma outra verde, uma vermelha, uma azul e todas se espatifando e libertando de dentro delas a água e o riso encalhado das pessoas forminídeas - é assim que as chamo daqui de cima. Imaginei então a chuva de bexigas e as gotas que, na verdade, subiam ao serem libertas do ventre da borracha. Chovendo bexiga pra baixo, chovendo água pra cima. Que loucura, que caos. Que belo.

Vi nitidamente então as pessoas se escondendo debaixo de suas pastas com documentos importantíssimos, mas nem tão importantes quanto seus cabelos bem arrumados. Alguns entraram nos carros, outros correram para os comercios por ali, buscando abrigo e proteção contra o apocalipse de látex e água fresca.

Estas são as pessoas fominídeas que vejo todos os dias daqui de cima. Têm medo das cores e de água fresca. Preferem ternos pretos e coca-cola. Preferem os mesmos caminhos traçados e programados em seus gê-pê-esses. Preferem o trabalho à vida.

Daqui de cima fico eu, observando. Sozinho no privilégio de ser diferente, até me lembrar que amanha cedo tem aula, trabalho, louça pra lavar. Fecho a janela sem lançar uma única bexiga, entro neste blog e escrevo sobre isso. Mais tarde vou desligar o computador, ler um trecho de um livro qualquer, dormir e acordar cedo para programar o meu GPS e garantir que não perca nenhum compromisso. E anotarei num bilhete na geladeira assim: Leve um guarda-chuva, pode ser que chova bexigas.

domingo, 18 de abril de 2010

(D)esclarecimentos

Esses dias estava pensando sobre o modo como escrevo aqui no blog. Quase sempre coloco um texto viajado, cheio de palavras que as vezes nem eu sei o que significa, tentando traduzir um sentimento ou um momento que tive. Gosto bastante de escrever dessa forma, já que geralmente pra mim aquilo realmente traduz o que estou pensando. O problema - se for realmente um problema - é que alguém depois sempre pergunta: "que porra é aquela que você escreveu?".

Sempre que alguém me pergunta isso eu fico pensando se o que escrevo aqui no blog, já que é um espaço público, é pra mim ou para os outros. Vejo que ninguém nunca comenta nos meus textos, o que não acho ruim de fato, e torna o blog algo inteiramente voltado pra mim. Ou não? Talvez não, porque eu sei que mesmo sem comentar, algumas pessoas frequentam este meu humilde pedaço da internet. Pode ser também que as minhas diarréias mentais não tenham agradado a muitos no começo e agora estes nem frequentam mais o grande edgar como faziam antes, porque aqui só encontram bosta ou coisa de "zé droguinha" como diz um amigo.

De fato tem muita bosta, mas preciso me manifestar quanto a esse pensamento. Mais pra mim do que para os outros. Por que escrevo bosta? Por que tantas palavras jogadas para definir um momento ou sentimento? Não poderia simplesmente entrar aqui e escrever: "RAIVA.", "AMOR.", "ALEGRIA.", "TRISTEZA.". Enfim, deu pra entender? Por que não facilitar?

Raul Seixas parece já ter passado pelas mesmas dúvidas, julgando pela música "Eu quero mesmo", em que ele diz assim "Eu tinha medo de ver a beleza da simplicidade...". Não é mais ou menos isso? Pelo tanto de perguntas que já fiz a mim mesmo neste tópico creio que é exatamente isso: medo. Medo de ser conciso, medo de me entender melhor do que eu realmente quero, medo de perder o romantismo da vida que permite traduzir os sentidos em palavras desconexas. Afinal de contas já ficou claro que gosto disso mais do que escrever textos muito bem pensados e com parágrafos e frases bem definidas.

Enfim, não posso parar de escrever assim desse jeito, cheio de frases que não dizem porra nenhuma a ninguém a não ser pra mim. O grande edgar é uma espécie de alter ego meu, pelo visto. Espero que isso também não desagrade a quem le minhas loucuras, mas tento não escrever pensando em quem le, pra que assim eu possa escrever sem os embelezamentos liricos que agradam, mas sim com verdadeiramente com o que vem de mim, de la de dentro, mesmo que seja ruim. Pode ser também que isso um dia vire um grande sucesso. Que alguém descubra este blog e reuna a pequena parcela da população que pode gostar do que eu escrevo e publicar um livro com "os pensamentos profundos do grande edgar" ou algo assim. Sonhando demais? Vai saber. Ta cheio de livro escrito para o ego do autor por ai. Por que não mais esse?

Bom, chega de perguntas e pensamentos vazio. Cansei de escrever certinho. Vou viajar um pouco e volto na próxima com algum texto viajado e assassinando a lingua portuguesa. Sou péssimo em gramática caso não tenham notado. Até a próxima então.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"..."

"...porque no final o importante é tirar as pessoas da inércia e levá-las à ter uma experiência quase transcendental. Um gozo imaterial de sensações e emoções. Uma dose de distânciamento e uma injeção, na medida, de si mesmos. Assim, podemos ter um pouco de cada um ao nosso redor dentro de nós mesmos e levar aqueles que amamos para sempre conosco, um pedaço que seja, como uma marca ou como uma cicatriz, que serve para nos lembrar sempre de que o passado realmente existiu."

domingo, 11 de abril de 2010

mimimi

O que resta de mim no dia de hoje é uma cabeça que pensa. O corpo liquefez -se no ensaio. Meu pé tem um buraco fudido que está doendo na alma. Meus olhos, às 18h, já indicam um sinal de farol baixo implorando por uma boa noite de sono. Mas cara, to feliz pra caralho!

Brinquei de twitter aqui mesmo, "mano"! nem ligo, tá ligado?

Issaê!

quarta-feira, 31 de março de 2010

tum-tum-tum

Cara, esse barulho chato, insistente, começa a me doer os ouvidos.

Começou como um zumbido bobo, uma voz de consciência fraca e sem sentido. Agora é maquinário, é rua movimentada, é New York enlatada. Começa a me deixar louco. Louco de pedra.

Às vezes acho que fala comigo. "TUM-TUM-TUM". Às vezes acho que não.

Também, se fosse falar ia falar o que? Que minha vida é isso, minha vida é aquilo. Nada de novo, afinal. Só o mesmo tum-tum-tum de sempre. Ad Infinitum ou sei lá o que.

Já não importa mais também. É tão repetitivo, sempre no mesmo intervalo, sempre no mesmo periodo, tão cotidiano, que é como se levantar todos os dias, tomar o café, estudar-trabalhar-trepar, dormir. É como rotina.

Se for ver bem é assim mesmo. A vida é um zumbido chato e insistente que aprendemos a conviver.

terça-feira, 30 de março de 2010

Os funerais do coelho branco



Me sento ao canto, em um sofá/puff que encontro encostado na parede. Copo de cerveja na mão. Cerveja gelada. Do outro lado, a festa, onde as pessoas dançam e conversam feito papagaios. Ao meu lado uma garota semi-morta escorada na pareda e com a mão direita quase enconstando em seu próprio vomito. Ela está com a saia acima da cintura e eu posso ver sua calcinha. Seria um tesão se não fosse tão nojento aquele vômito ao lado.

Olhando em frente vejo novamente as pessoas dançando. As bundinhas de todas as menininhas que eu finjo ter o maior respeito no dia-a-dia estão balançando hipnoticamente. Gole de cerveja. Não quero ir até lá pra dançar. Quero ir até la pra trepar com todas elas. Penso.

Encaro minha cerveja pensando em como sou fracassado. Ou "estou-em-fase-de-mudança" como diz minha analista. Que fracassado, frequento uma analista. Me sinto tão diferente mas ainda sou comum como todo mundo, ligado a todos ao meu redor pela mesma pergunta clichê. Quem eu sou afinal?

Ao fundo toca uma música que diz "...e o que eu queria mesmo era copo de água suja pra beber". Fato. Beberia um copo de água suja só pra variar.

Música boa. Olho novamente pra garota com a calcinha aparecendo. Ninguém mais está olhando. Respiro fundo. Último gole da cerveja já quente. Vou até ela e pergunto se está viva. Não responde. Olho bem pra calcinha com um pouco do volume dos pêlos. Cor-de-rosa com pelinhos. Olho ao redor. Ninguém. Olho pro rosto dela e não tenho idéia de quem ela seja. "Foda-se", penso, e vou embora bêbado deixando a música de fundo...

"Tento pensar em coisas
Que não me deixem lembrar
Das noites em que
Fiz planos para
Trocar os meus olhos
Por estes restos de comida e
Cinzas de cigarro molhadas
Impressas no tapete
Em festas que estive
E ninguém me viu
Atirar bolo aos peixes

Pra que teorizar sobre estar só
Se o inverso de ser feliz
É a certeza de saber que
Nem sempre temos
Respostas que queremos ouvir?

Então me liga! - ela disse
Na verdade sequer lembra o meu nome
Ligo sim... é claro. – respondi
Acabo sempre ligando

"Sabe, hoje talvez passe
aquele filme que eu gosto tanto..."

É eu podia ser gentil
E perguntar coisas fúteis,
Mas o que eu queria mesmo
É ter um copo de água suja
Pra beber e parar de fingir
No saber se o vazio é bem maior
Agora que sabemos ter feito
O melhor pra nós dois
E deixamos tudo mais pra depois.

Sabe,
Às vezes, penso mesmo que dizer
“deixa pra lá” cansa menos
e você?"

(Os Funerais do Coelho Branco - Dance of Days)

domingo, 28 de março de 2010

Café e palavras

Uma palavra após a outra. Um pedaço de carne. Uhm que delícia, obrigado-pai. Volto e escrevo mais um pouco. Penso. Penso que penso. Esqueço.

Café - palavra - café. Café e palavras, a combinação perfeita. Talvez pra quem sabe ler e escrever. Porque burro não sabe lê, muito menos escrevê.

Levanto todos os dias com essa sensação boa de estar fazendo a diferença enquanto o mundo todo se levanta todos os dias indiferente a mim. Que triste. Que chato. Que tédio.

Friends na TV. Eu também quero os meus, mas eles nem são tão legais assim. Um fuma, outro fode, outro vomita sempre que bebe. Chato. Tudo se repete em camera lenta e depois em camera rápida.

Todo mundo junto em busca de um-prato-de-comida. Essa é a beleza desta vida.

sexta-feira, 26 de março de 2010

às nuvens

As pessoas passavam pela rua como se não o vissem. Ele estava ali em pé, bem vestido, cabelos que caiam a altura dos ombros, arrumados. Nas mãos, bem ao alto, segurava uma placa: abraços grátis.

Não é realmente de se esperar que haja uma pessoa com uma placa dessas, plantada como uma árvore no meio da rua, esperando ser abraçada. Porém, estava acontecendo e ninguém o abraçava. Pelo menos não por um bom tempo até que uma pessoa, caminhando lentamente em sua frente, para, lê a placa e sorri. No primeiro passo em direção a ele, a pessoa abre os braços o máximo que pode. Na mão direita uma sacola fica pendurada, na esquerda um guarda-chuva. É uma senhorinha pequena e muito sorridente e, no segundo passo, pende a cabeça para um dos lados mantendo no rosto um olhar receptivo e um sorriso de avó carinhosa. No terceiro passo, enfim, o abraço. Tem cheiro de baunilha, ele pensa. Um abraço gostoso, quantos anos, ela pensa.

O rapaz começa a se abaixar pra deixar o abraço mais confortável e ela o aperta mais forte, como se fosse seu neto que não vê a anos. De joelhos no chão ele afasta um pouco o rosto e encara a senhorinha nos olhos. Ela solta uma das mãos de trás do rapaz, deixando o guarda-chuva apoiar na outra mão, e a coloca no rosto dele. A mão enrugada no rosto novo gera um contraste tão impactante que chega a acalmar o coração cheio de sentimentos. Todos os pensamentos passam a ser de entendimento e reflexão sobre a vida. Pensamos em quem amamos e em quem nos ama. Lembramos que o tempo passa, saindo dessa mania humana de achar que temos todo o tempo do mundo.

Com a mão ainda no rosto dele, ela sorri novamente e o beija na testa. Ele não consegue conter a primeira lágrima, nem a segunda e a terceira e começa a chorar. De alegria, tristeza ou emoção, nunca saberemos. Ainda assim o entendemos, assim como aquela senhora, que não chora mais porque compreende o motivo das lágrimas.

Finalmente ela se solta levemente do abraço e se vai, deixando o rapaz ajoelhado e com os olhos cheios d'agua no meio da rua, com a placa ao lado, voltada ao céu, pedindo um abraço às nuvens. De repente o que era uma brincadeira, um simples abraço gratuito, ganhou um preço impagável. Ganhou o valor de um verdadeiro abraço.

quinta-feira, 18 de março de 2010

5º andar

Conheci uma garota no caminho pra casa. Raro, sim, eu sei.

Estávamos no mesmo lado da calçada. Ela andava a passos mais lentos do que eu, mas ainda havia certa distância entre nós. A alcancei. A inteção não era falar nada, mas simplesmente ultrapassa-la, como fazemos normalmente com as pessoas que não conhecemos, nas ruas, sem nem olhar para trás.

Porém, quando ja estava pra passar ao lado dela, ela, sem perceber a minha presença, fechou a passagem e quase esbarramos. Sorri. Ela ainda não havia me visto e quando fui tentar passar pelo outro lado ela me bloqueou novamente. Ri um pouco mais alto e dessa vez ela ouviu.

-Eu to tentando... - tentei explicar.
-O que?
-É... - fiz sinal pedindo passagem.
-Ah! Sim, desculpe!

Sorrisos.

Antes que pudesse dar o próximo passo para ultrapassa-la percebi que já estava em frente ao meu prédio e parei. Ela parou também, esperando o portão se abrir. Olhei pra ela. Sorrisos.

-Não é possível. - falei.
Risos. Cara de "o que!?", dela.
-Moramos no mesmo prédio? Nunca te vi.
Ela sorri e abaixa a cabeça.

Uma breve explicação: meu prédio na verdade são dois prédios. Aliás, duas torres pra não ficar confuso. Duas torres as quais vou me limitar a nomeá-las de "torre de lá" e "torre de cá", sendo esta última a que eu moro e, por coincidencia, ela também.

-Moramos na mesma torre também? - perguntei retoricamente.
Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.
-Qual seu nome?
-Renata.
-Prazer, Filippe.

Silêncio. Sorrisos. Silêncio.

Ela é linda, vale dizer. Nos 8 ou 10 passos que demos até chegar ao elevador eu pensei: ela é linda.

Entramos no elevador. Apertei o 15, ela o 5. Em poucos segundos - creio que no tempo em que a porta se fechava - me imaginei descendo no 5 com ela e nunca mais voltando ao 15. Além de linda, gostosa. Poxa! Desço no 5 também. Quem dera!

Haviam 2 pessoas no elevador além de nós. Um casal. Dois casais, pensei. Sorri.

-É você que mora numa república... - pergunto de forma genérica, fingindo que em algum momento eu já tinha ouvido falar da república dela, quando na verdade era apenas um palpite que eu esperava ser confirmado.
-...Sim!

Ufa! 1º andar.

-É da federal? - pergunto.
-Sim. E você é da estadual?
-Sim.

Falávamos sobre nossas universidades.
2º andar.

-Achei que não havia muitas republicas por aqui. - falo.
-Hum! - ela olha pro chão.

3º andar.

-Fazemos muito barulho? - pergunto quase desesperado ao casal que nos acompanha, como se esperasse deles um assunto que a fizesse querer que eu descesse com ela no 5º andar.
-Até que não. - eles respondem.

4º andar.

-Isso porque moramos entre duas republicas. Uma em cima, outra embaixo, não é amor? - diz a mulher do casal puxando assunto.
-É. - responde o homem impaciente e percebendo meu desespero.
-Mas por enquanto está tudo tranquilo. - continua a mulher.

Enquanto isso a mulher da minha vida, a mulher que eu imaginei do beijo ao sexo, que estava ao meu lado, olhava para o chão. Provavelmente pensava em quando seria a próxima consulta ao ginecologista ou a próxima visita ao salão de beleza, quanto a outra mulher falava sem parar.

5º andar.

Ela sai dizendo tchau, interrompendo a fala da outra. Eu fico dizendo adeus, tentando imaginar a proxima vez que nos veremos.

A porta do elevador se fecha.

Em seis meses que moro aqui nunca a havia visto e agora talvez precise esperar mais seis meses pela próxima vez. - eu penso.

A mulher (do casal) que havia parado de falar, pra dizer "tchau", retoma a conversa que eu já não sabia mais do que se tratava.

O homem bufa!

Eu sorrio. Depois entristeço.

"Tchau!"
"Adeus."