segunda-feira, 19 de abril de 2010

Guarda-chuva

Debruçado na janela do quarto, observava. Lá fora todas aquelas pessoas com seus pensamentos tão importantes zanzavam de um lado a outro falando em seus celulares e andando em seus automóveis. Daqui de cima, as via como formigas. Vulneráveis e famintas. Tão suscetíveis a qualquer bexiga d'água que as fizesse sorrir. Pensei em como tinha o poder de acabar com esta monotonia em que viviam, com uma simples bexiga amarela se espatifando no chão e jogando água para todos os lados. Depois uma outra verde, uma vermelha, uma azul e todas se espatifando e libertando de dentro delas a água e o riso encalhado das pessoas forminídeas - é assim que as chamo daqui de cima. Imaginei então a chuva de bexigas e as gotas que, na verdade, subiam ao serem libertas do ventre da borracha. Chovendo bexiga pra baixo, chovendo água pra cima. Que loucura, que caos. Que belo.

Vi nitidamente então as pessoas se escondendo debaixo de suas pastas com documentos importantíssimos, mas nem tão importantes quanto seus cabelos bem arrumados. Alguns entraram nos carros, outros correram para os comercios por ali, buscando abrigo e proteção contra o apocalipse de látex e água fresca.

Estas são as pessoas fominídeas que vejo todos os dias daqui de cima. Têm medo das cores e de água fresca. Preferem ternos pretos e coca-cola. Preferem os mesmos caminhos traçados e programados em seus gê-pê-esses. Preferem o trabalho à vida.

Daqui de cima fico eu, observando. Sozinho no privilégio de ser diferente, até me lembrar que amanha cedo tem aula, trabalho, louça pra lavar. Fecho a janela sem lançar uma única bexiga, entro neste blog e escrevo sobre isso. Mais tarde vou desligar o computador, ler um trecho de um livro qualquer, dormir e acordar cedo para programar o meu GPS e garantir que não perca nenhum compromisso. E anotarei num bilhete na geladeira assim: Leve um guarda-chuva, pode ser que chova bexigas.

Um comentário:

  1. "Preferem ternos pretos e coca-cola."... genial.

    comecei a ler o texto e "riariairaira, dorgas mano"
    mas o texto foi se desvendando,
    começou como uma bexiga murcha, sem forma, nem sentido,
    depois tomou a sua devida forma, cheia de informação, pronta pra estorar.
    haha :)

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