sexta-feira, 26 de março de 2010

às nuvens

As pessoas passavam pela rua como se não o vissem. Ele estava ali em pé, bem vestido, cabelos que caiam a altura dos ombros, arrumados. Nas mãos, bem ao alto, segurava uma placa: abraços grátis.

Não é realmente de se esperar que haja uma pessoa com uma placa dessas, plantada como uma árvore no meio da rua, esperando ser abraçada. Porém, estava acontecendo e ninguém o abraçava. Pelo menos não por um bom tempo até que uma pessoa, caminhando lentamente em sua frente, para, lê a placa e sorri. No primeiro passo em direção a ele, a pessoa abre os braços o máximo que pode. Na mão direita uma sacola fica pendurada, na esquerda um guarda-chuva. É uma senhorinha pequena e muito sorridente e, no segundo passo, pende a cabeça para um dos lados mantendo no rosto um olhar receptivo e um sorriso de avó carinhosa. No terceiro passo, enfim, o abraço. Tem cheiro de baunilha, ele pensa. Um abraço gostoso, quantos anos, ela pensa.

O rapaz começa a se abaixar pra deixar o abraço mais confortável e ela o aperta mais forte, como se fosse seu neto que não vê a anos. De joelhos no chão ele afasta um pouco o rosto e encara a senhorinha nos olhos. Ela solta uma das mãos de trás do rapaz, deixando o guarda-chuva apoiar na outra mão, e a coloca no rosto dele. A mão enrugada no rosto novo gera um contraste tão impactante que chega a acalmar o coração cheio de sentimentos. Todos os pensamentos passam a ser de entendimento e reflexão sobre a vida. Pensamos em quem amamos e em quem nos ama. Lembramos que o tempo passa, saindo dessa mania humana de achar que temos todo o tempo do mundo.

Com a mão ainda no rosto dele, ela sorri novamente e o beija na testa. Ele não consegue conter a primeira lágrima, nem a segunda e a terceira e começa a chorar. De alegria, tristeza ou emoção, nunca saberemos. Ainda assim o entendemos, assim como aquela senhora, que não chora mais porque compreende o motivo das lágrimas.

Finalmente ela se solta levemente do abraço e se vai, deixando o rapaz ajoelhado e com os olhos cheios d'agua no meio da rua, com a placa ao lado, voltada ao céu, pedindo um abraço às nuvens. De repente o que era uma brincadeira, um simples abraço gratuito, ganhou um preço impagável. Ganhou o valor de um verdadeiro abraço.

Um comentário:

  1. Comovente. Que os abraços sejam sempre gratuitos e verdadeiros!

    "com a placa ao lado, voltada ao céu, pedindo um abraço às nuvens"

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