Por mais esperado que fosse que ela chorasse, não chorava. Mantinha sempre aquela cara estática, sem expressão qualquer, que não deixava espaço para especulação alguma sobre o que estava pensando. Cara-de-cu, de fato. Devia estar degustando o amargo gosto da perda. Os olhos se mantinham fixos no caixão à sua frente. Seu pai morto, estendido e duro feito pedra. Feito a cara dela, que não soltava uma lágrima.
Era uma cena triste, claro. Aliás, seria se ela não fosse uma desgraçada que fugira de casa aos doze anos sem mais nem porque. Diziam que era por causa de um namoradinho qualquer. Vai saber. Ficou sabendo do pai doze anos depois, morto em um acidente estúpido de carro. Coincidência maluca. Doze anos com ele, outros doze sem ele. Ou pior, agora o resto da vida.
A mãe a olhava com desprezo, tamanho era o baque de ver a filha ingrata depois de tantos anos sem uma única notícia. Pelo menos tivera a descência de aparecer no enterro do pai. Pena que indecentemente de saia curta e colada ao corpo, ainda que preta em sinal de luto. Mais parecia uma prostituta fingindo chorar a morte do seu cafetão. Um choro sem lágrimas, quase indiferente.
Quando o corpo alcançou o fundo negro e obscuro da cova, ela suspirou. Soluçou duas vezes e desembestou a chorar. A mãe a olhava sem entender e com certa vergonha daquele choro em frente aos amigos. Poucos sabiam que era a filha. Outros pensavam que era a amante. Todos achavam que era puta. Inclusive a mãe que não sabia o que a filha fazia pra sobreviver.
Ao cair da última pá de areia, a mãe se ajoelhou e chorou em silêncio. Todos foram saindo, deixando a senhora chorar seu luto e por fim ficaram mãe e filha, frente a frente, separadas pelo montinho de areia que cobria o pai. A moça continuava em pé, com o choro já contido, olhando para a mãe e buscando semelhanças no rosto e no corpo. Quem observasse de longe veria a filha a esquerda do túmulo, em pé, de saia curta e inteira de preto e a mãe à direita, ajoelhada de saia longa, também de preto. Ao meio, o pai morto e enterrado, com uma lápide em cima de sua cabeça que dizia: "pai esquecido, marido amado". Injusto demais para terminar numa lápide nua e fria.
Me lembrou do enterro de uma mãe, do livro que estou lendo (Como vivem os mortos, de Will Self). A mãe escreve ao ver que sua filha não chora em seu enterro: "Acendi um cigarro e, inalando, me lembrei das palavras de um fumante mais famoso que eu. Camus, morto aos 47 anos em um desastre de automóvel. "Se um homem não chora no enterro da mãe, o mundo corta fora a cabeça dele." Isso mesmo, Berto, isso mesmo. E quando a uma filha - bem, tremi só de pensar"
ResponderExcluirE sobre o epitáfio: genial, tocante e humilhante. Hahaha.