quarta-feira, 2 de junho de 2010

Subsolo

Sentei-me em um banco na praça da XV com esperança de poder pensar. Precisava pensar na vida, coisa que não fazia há dias, semanas ou talvez meses até. Escolhi o banco que ficava de frente para o centro da praça, em baixo de uma árvore grande e acolhedora. Percebi que fazia isso sempre que precisava pensar: me sentava perto de coisas imponentes, um prédio muito alto, uma árvore grande, uma mulher bem gorda. Acho que fazia isso por instinto, pra me lembrar da época em que pensar na vida era deitar no colo de minha mãe, com os olhos cheios d'água e sentir sua mão em meus cabelos enquanto ouvia os sons que ela fazia com a boca, esperando que eu me acalmasse, seja lá o que fosse que tivesse me abalado. Não que minha mãe fosse grande ou gorda e muito menos imponente, mas para o meu tamanho e idade ela era o máximo de poder que eu tinha de exemplo. O olhar fixo e carinhoso que ela me dava me trazia paz, assim como o meu olhar fixo em algo grande e imponete me traz paz hoje. Me sentir pequeno me tira as responsabilidades e ambições e me faz sentir a liberdade de ser criança de novo, quando minha maior preocupação era saber qual o próximo desenho animado passaria na televisão.

Quando me dei conta, estava sentado no banco com as pernas o mais pra frente possível e a cabeça o mais pra trás possível. Estava com os olhos perdidos nos emaranhados daquela árvore imensa e robusta. Me ajeitei olhando para os lados pensando se alguém havia reparado que eu estava daquele jeito, largado no banco da praça. Um homem feito, com seu metro e oitenta e largado no banco da praça, inprodutivo. Voltou-me de repente aquele velho sentimento adulto: vergonha. Fixei os olhos então no centro da praça, à minha frente, e voltei para o meu mundo de pensamentos, para o subsolo da humanidade, onde todos vivemos algum momento antes de voltar à superfície. Meu subsolo era escuro, mas muito aconchegante. O silêncio era o meu melhor amigo e o negro à frente de meus olhos me davam a sensação de perda de controle. Era como ser mente sem corpo, sem movimento, apenas pensamentos. Eu era pensamentos.

Acordei daquele transe mais umas duas ou três vezes antes de decidir que era hora de voltar pra casa. Antes de me levantar, olhei mais uma vez ao redor buscando alguém que pudesse ter me visto ali, naquela situação, com o corpo exposto enquanto a mente viajava fundo debaixo da terra e não encontrei um único olhar a me encarar. Havia muitas pessoas por ali, sozinhas, sentadas em bancos de forma aleatória e, para a minha surpresa, estavam todas com o mesmo olhar. Todas afundadas em seus próprios subsolos. Por um momento fiquei triste, em pensar que nem mesmo isso era somente meu, o subsolo. Nem o que eu tinha de mais individual era unicamente meu. Levantei-me olhando para aquelas pessoas como se estivesse olhando pra mim mesmo. Encarei todos aqueles olhos fixos e sem vida, abandonados pelas mentes que se afundavam cada vez mais e pensei: "preciso parar com isso, hora dessas me afundo de vez e não saberei como voltar." e fui embora, sem pensar em nada.

(Influenciado, ou nem tanto, pela peça que assisti ontem: Memórias do Subsolo)

Um comentário:

  1. Que merda, eu esqueci dessa peça, voltei de Curitiba no dia primeiro, ou no dia 2 mesmo, e fui estudar prá prova do dia seguinte ¬¬

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