quarta-feira, 5 de junho de 2013

Poema de gaveta

Nos teus braços
adormece a solidão
de nós

Dos abraços cansados,
do afago e do amor

Do gosto de vida suada,
do suor cheio de sal.

O sal do oceano.

Que banha o que resta
do que um dia
fomos nós

Sós,
apenas nós
sós.

sábado, 1 de junho de 2013

Cotidianas

Andando pelas ruas de dentro de casa eu me lembro das marcas de minha infância. Ruas por onde disputei sozinho grandes corridas de carros velozes e coloridos. Corridas que por vezes perdi e, por não aceitar a derrota, me convencia de que eu estava no outro carro, o vencedor. Nesta mesma casa, andei colado nas paredes fingindo ser um grande espião, invisível e mortal, cheio de artimanhas e instrumentos de espionagem moderna como os binóculos que eu fazia com minhas próprias mãos ou as luvas com ventosas que eu improvisava com meias velhas. Assim, eu espionava a casa, entrava nos quartos imperceptível e assustava a mocinha que trabalhava em casa. Anos depois eu entendi que ela se deixava assustar para me alegrar, mas disse também que as vezes se sentia vigiada sem saber se eu estava realmente por perto.

A moça era bonita em minha memória, mas realmente feia nas fotografias. Eu, mais do que todos na casa, convivia com ela diariamente e acompanhava com minhas brincadeiras os serviços domésticos que ela executava com maestria. Mesmo assim, minha mãe ainda reclamava de um copo mal lavado ou um móvel empoeirado. Ela seguia então limpando e eu observando os novos cheiros da casa limpa.

Os anos se passaram e ela também passou, lavou, cozinhou e se dedicou a cada centímetro daquela casa. Cada dia mais cansada e eu cada dia mais distante. Passaram-se as férias e eu pouco tempo tinha para espionar os serviços domésticos. Mudamos de casa e ela continuou conosco. Tive que partir para abraçar o mundo enquanto ela continuava abraçando as almofadas para tirar o pó do sofá. Aos poucos, ela dentro de casa se tornou o silêncio que eu tanto gostava de ouvir. A casa se limpando sozinha, trocando de pele, de cheiros e gostos. Minha cama sempre posta para os dias de visita e a mesa sempre farta em noites frias. Ela, silenciosa, preencheu os vazios da vida cotidiana.

Hoje, quando limpo minha própria casa, sinto que é ela  quem me observa, analisando se aprendi direito tudo o que me ensinou enquanto eu brincava. E assim eu retiro o pó dos cantos da casa. Lavo-me e passo-me enquanto lavo e passo as minhas roupas. Termino o dia limpo, com apenas um pensamento fora do lugar. Gostaria de me lembrar do nome dela.