Pensei que seria fácil, confesso. Hoje percebo que sou escravo de certas coisas que não esperava ser. Quero dizer, quantas vezes passei por tudo isso no passado sem ficar com essas marcas? Essas feridas entreabertas que eu tenho que encarar todos os dias. Se quer saber, é fácil fazer a coisa errada pensando que está fazendo a coisa certa, as coisas simplesmente acontecem e quando vemos já é tarde. Difícil é encarar isso tudo. E agora você está sozinha, cerveja e cigarro dividindo o que restou de seus lábios, secos e sem vida. Entra o álcool na forma que preferir - cerveja, uísque, vodka, puro - e sai a fumaça do Lucky Strike, a sua marca preferida agora que não tem mais Camel no Brasil. Se já não fosse charmoso o suficiente você fumar Camel - quando tinha - você ainda gostava de usar batom vermelho para beijar seus camelos. Agora a boca fica assim, branca mesmo. E eu que pensava que poderíamos ser ou fazer a diferença neste mundão, agora vejo o quão entediada é a nossa juventude. Nossos sonhos se resumem ao consumo do novo, deixando o passado pra trás mais rápido do que os novos processadores da intel e menos significativos que comerciais de pasta dental. É isso o que somos, comerciais vivos, ou mortos, tanto faz. Se não temos o melhor rock n' roll, nem os melhores livros, nem o melhor grito de guerra, nem a ditadura, nem o amor em longas noites embaladas por LSD ou qualquer outra droga, o que temos afinal? Tédio, a pior das drogas. Alguém deveria estudar os efeitos do tédio no coração ao invés de ficar analisando os efeitos psíquico físicos da maconha. Pare de olhar pra maconha e fume-a. Ou não, a escolha é sua e deixe que cada um tenha sua própria opinião, você não acha? Parece que na falta de um ditador brigamos uns com os outros pra ver quem tem razão. Razão? Somos um bando de loucos sem ambições na vida, ou ambiciosos demais, e isso está errado. A humanidade precisa sonhar mais e brigar menos. Eu sou um homem que sonha e você sabe disso. Não sei quanto tempo ainda tenho de vida, não sei se vou aguentar muito nesse ritmo que só piorou quando você resolveu trocar nossos sorrisos por migalhas de pão francês. Os pequenos vícios que já não consigo abandonar estão acabando pouco a pouco comigo, um trago por vez, um gole por vez, uma batida por vez. Não sou exemplo do meu próprio discurso contra o tédio, ao contrário, sou o oposto de mim. Mente e corpo brigando o tempo inteiro, virando essa bagunça que sou. Estou meio fodido, admito, mas que culpa tenho eu se o meu maior defeito é sonhar todos os dias? O problema no final não é ser um sonhador, o problema é sonhar somente com aquilo que eu já tive e perdi. Sonhos sem final feliz porque acordo. Sonhos impossíveis, mas ainda assim sonhos. Sou um sonhador, eu sei. Um sonhador que não quer dormir nunca mais.
terça-feira, 30 de outubro de 2012
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
No bar
Estávamos no bar falando sobre percepção. Um papo um tanto quanto sério para um bar, num sábado abafado em uma cidade relativamente agitada. O que estávamos fazendo ali eu não sei dizer, nunca saberei provavelmente, mas tudo caminhou daquela forma, para aquele nosso cantinho do mundo. Percepção. É assim que descrevo aquela noite segundo uma interpretação da minha própria percepção daquele momento - e um pouco de floreios, claro. Que loucura, eu penso, que loucura eu pensei. Eu disse a ela "não sei nem se o jeito que eu te vejo e te descrevo é o mesmo jeito que você se vê e se descreveria e, também, nunca saberei, entende?". Ela fez que sim com a cabeça. "Quer dizer, se isso aqui pra mim é de uma cor e pra você é de outra, mas sempre a reconhecemos pelo mesmo nome, estaremos concordando com a própria discordância do negócio, percebe?". De novo ela fez que sim. "Sabe, são muitas as percepções, será que não existe uma pessoa sequer no mundo que seja capaz de ver o mundo como eu o vejo, exatamente com as mesmas cores, os mesmos cheiros, sensível aos mesmos toques e sabores? Existe alguém que perceba a vida como eu a percebo?". Dessa vez ela fez que não. Disse que talvez alguém sinta uma coisa ou outra como eu, mas não tudo. Que mundo injusto. Ou justo, por permitir realmente que cada um seja único na sua forma de sentir as coisas. "Mas também traz aquela sensação de estar sozinho, sabe? Aquele barulhinho irritante que se chama solidão, ou melhor, a consciência da solidão. Não importa o que aconteça, sempre morreremos sozinhos. Também seria injusto querer levar todo mundo com você, mas fazer o que... talvez daí venha o medo da morte.". Sim, ela disse que entendia perfeitamente. Também sentia isso. Pausa. Falamos sobre Deus também. Nada mais conveniente nesse papo do que falar sobre Deus. Não estamos sozinhos ou estamos sozinhos? Que papo para um bar, agora vazio. "Nada disso importa afinal, o que importa é: será que com tantas pessoas no mundo, tantas formas diferentes de se ver a mesma coisa e tantas coisas diferentes pra se ver da mesma forma, tudo só depende do olhar de quem vê, da criação, do momento, do sentimento e disso e daquilo, mas será que ninguém vai ser capaz de perceber que existe algo errado no mundo? Que existe algo de muito errado com as pessoas? Que as relações estão tomando rumos muito diferentes e as pessoas estão se afastando umas das outras. Eu quero dizer... se temos tanto medo de ficar sozinhos, por que continuamos nos afastando? Qual o nosso problema, estamos antecipando a tragédia por medo dela acontecer? Este mundo está fodido, neste exato momento deve haver muitas pessoas morrendo pelo mundo, fruto de alguma guerra estúpida, de alguma briga de transito, vítimas de algum tipo de violência, da demência da raça humana. Quantas pessoas estão nascendo hoje pra viver isso, também, amanhã? E nós aqui, bebendo, comendo, conversando. É um pensamento como tantas outras pessoas já tiveram, cli-chê-zão eu sei, mas porra eu penso nisso você não?". Ela fez que sim. "E não vamos fazer nada não é mesmo?". Ela concordou fazendo que não com a cabeça e apertando os lábios. Pausa. "Quer mais uma cerveja? Amendoins?" Ela quis os dois. Garçom, cerveja e amendoins. Do que estávamos falando mesmo? Da vida... acho que era da vida.
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