sexta-feira, 20 de maio de 2011

Em branco

Não consigo encarar uma folha em branco. Ela me olha com ar inquisitivo. "E ai? Vai botar a criatividade pra fora ou vai ficar nessa escuridão descriativa?". Sim, a folha em branco inventa palavras pra me provocar. Talvez ela esteja possuida pelo espírito de Guimarães Rosa com seus neologismos que eu odiava tanto no segundo ano do colegial. Quanta masturbação mental. Quanto tempo perdido.

Não sinto falta daquela época.
Não sinto falta de Guimarães Rosa.

...

E então folha em branco, vai colaborar? Eu pergunto. "Não inteiramente - ela diz. Ainda faltam muitas linhas, meia página pelo menos. Você mal escreveu um parágrafo, seu imbecil!". A folha em branco me xinga como gente grande. Ela brinda a minha derrota com as folhas de trás e debocha o meu branco criativo.

Não consigo criar nada.

E a folha continua brincando, 'bran-cando', e me encarando de frente escondendo todas as vidas e loucuras que ali poderiam ser criadas.

Maldita folha em branco. Maldito branco criativo.

...

Tento rabiscar qualquer coisa. Ela apaga.

Desenho. Ela reprova, se amassa e ameaça se jogar no lixo.

...

Ela não aceita o meu trabalho de jeito nenhum e vejo que preciso me esforçar mais. Vejo que por enquanto é ela quem manda, mas isso tem que mudar. Vejo que ela se dobra, se vira, se desvira, vira aviãozinho mas não quer saber de mim.

Preciso me livrar dela, decido. Aliás, do branco dela. Transformá-la em folha usada, escrita, como eu.

Começo a me olhar por dentro. Vasculhar o meu eu. Percebo então que estou escrito, rabiscado pelo mundo, cheio de corretivos que escondem as atrocidades gramaticais da vida que escrevi com navalhas sobre os punhos. Vejo que a folha precisa ser como eu, precisa ser eu. Vejo que ela deve ser na verdade um espelho que reflete a minha face, a minha vida.

Mas como? Como?

...

Me perco em pensamentos, vôo em devaneios. Fico distante por um tempo.

3, 2, 1

...

Volto à superfície cheio de idéias, criativo, embriagado pelo que encontrei. Olho para a folha querendo rasgá-la, escrever em vermelho tudo o que vi. Fico cego de novo, escrevendo feito um louco desvairado sem parar nem mesmo pra respirar ou colocar uma vírgula nas devidas malditas pausas que o pofessor la de sei lá que ano ensinou. Não paro, não consigo parar, não quero parar, não vou parar... eu respingo suor.

...

Volta a visão.

Observo, exausto, com os punhos doendo. Um de escrever, o outro de apertar o canto da mesa.

...

Enfim, me vejo inscrito na folha em letras tortas e desesperadas, escritas com a sede de um grande desabafo. Me vejo tatuado naquela folha, antes em branco e agora exibindo ao mundo as minhas entranhas. Me vejo ali, aberto, nu em cima dela. Ela, feito uma mulher que me recebeu em suas linhas e que agora tanto me conhece e eu ainda nada sei sobre ela.

Eu que sempre quis saber tudo sobre essa maldita folha, descobri nela o que ha em mim.

Não sei se gosto.

Talvez por isso ela me assuste tanto, a folha em branco.

Querer saber demais. Querer demais. É o preço que se paga pelas próprias idéias.

Agora estou exposto, decidido a ficar exposto. Afinal, quem escolhe apertar o botão sou eu e é exatamente o que farei.

Publicar. Tornar público a minha vitória sobre a folha. Tornar pública a minha vida.

Mas...

...

Agora que ela se mostrou pra mim, mostrou o que ha dentro de mim, eu percebo...

Sempre preferi uma folha em branco.

3 comentários:

  1. Eu daria um RT... #muitobommesmo
    (comentário em versão de poucos caracteres);D

    ResponderExcluir
  2. Obrigado!! =]
    Postaria no tuiter tambem, mas nao sei usar aquilo..

    ResponderExcluir
  3. E eu daria uns 3 ou 4 Likes, se fossem possíveis uma sucessão de likes. (Sou completamente a favor, algumas coisas, como esse texto, merecem mais de um like)
    HAHAHAHA

    ResponderExcluir