sexta-feira, 27 de maio de 2011

Eu te amo Che Guevara

Tenho um cachorro que é um grande filho da puta. Se chama Che Guevara. Sim, eu amo aquela coisa pequena e burra que ele é. É de fato um revolucionário. Jogo a bolinha, ele pega, mas se recusa a trazer de volta. É filhote. Mija pela casa inteira e me olha com cara de sonso. Às vezes acho que ele me ama também. Eu brigo e brigo, mas ele sempre volta. Ele é um grande filho da puta porque sabe que eu o adoro e sabe que me dói o coração brigar com ele. Então ele continua mijando e cagando pela casa, roubando comidas do armário debaixo da pia, comendo a ponta dos meus sapatos e roendo a antena da TV. O veterinário ensinou a não bater. O melhor é borrifar água na cara do cachorro quando ele fizer arte. Já se foi o tempo de dar uns tapas, no cachorro e nos filhos. Daqui a pouco tem lei proibindo ensinar cachorro com borrifada também. A sociedade protetora dos animais vai entrar com ação: "Coitado do bixinho" - eles vão dizer. "Do meu filho cuido eu, seus bezerros filhos de vaca gorda. Vão se chupar por ai ou comer um suculento pé de alface!" - eu provavelmente vou responder. Tenho a certeza de que meu filho vai concordar comigo.

Às vezes chego em casa puto da vida com qualquer coisa. Faculdade, família, a vida, o que seja. Abro a porta e o cachorro está la, a abanar o rabo e me olhar ansioso, saudoso. Eu entro. Ele pula. Passo pela sala. Ele pula. Entro no quarto. Ele continua pulando. Olho pra ele. Ele para, se abaixa e prepara o bote. Salto pra cima dele. Ele pula pra trás e revida. Vira uma guerra. Dentes pra lá, mãos pra cá. Lambidas na cara, risos, gritos. A mãe dele, minha mulher, só observa provavelmente sem entender essa rivalidade entre machos de espécies diferentes. Enfim, os dois cansados bebem água. Dou a ele água da minha garrafa. No pote dele, claro. Sento feliz no sofá e assisto qualquer bobeira na TV enquanto ele dorme com a cabeça em cima do meu pé. É o único jeito que ele dorme, com a cabeça em cima do meu pé. Vai entender.

Hoje cheguei em casa tranquilo. Fiz todo o percurso. Ele sempre pulando. Abri a janela do quarto. Bateu uma brisa e me inundou a cara com cheiro de mijo. Olhei pra cama. Filho da puta, mijou na minha cama! Fiquei puto da vida. Lasquei-lhe água na cara. Pareceu que o cachorro voltou de um passeio em algum parque aquático. Che Guevara Wet' n Wild, molhado e revolucionário. O nome realmente cai bem. Ele fugiu pra algum canto da casa, atrás do pé da mãe que morria de dó. Buscou refúgio, fugiu dessa guerra porque sabia que estava errado. Sabia também que dali alguns minutos estaria lá de novo, guerreando em paz, sem água. Dentes, mãos, lambidas na cara, e o ciclo se repetindo. Como realmente aconteceu.

Às vezes me pego pensando: esse cachorro me tem nas mãos (ou nas patas). O dia que eu chegar em casa, depois de uma rotina do cão, e ele não estiver lá, me esperando com o rabo abanando, não vou saber o que fazer. Vou correr pra trás dos pés da minha mulher e esperar que ninguém me jogue água na cara por todas as cagadas que dei na sala dos outros o dia inteiro. Esperando alguém me passar a mão na cabeça, me alimentar e ter como unica preocupação correr atrás de uma bolinha mastigável. Pois é, nos meus dias de cão o que eu mais quero é, de fato, ser um cachorro.

Meu querido cão fedorento, eu te invejo mais do que você pode imaginar. Me sinto pouco pra cuidar de você, incapaz até. Eu, o cagalhão do mundo, cuidado de você, um mijão revolucionário. Deus nos ajude, porque Che Guevara, eu te amo!

Um comentário:

  1. Quantas vezes corremos, sem olhar pra trás, por causa das nossas cagadas, mas, ao contrário de nós, Che logo está ali novamente, disposto à luta, à guerra em paz. Che Guevara, esse "cão fedorento", me causa inveja também.

    Parabéns pelo texto, absolutamente tocante e parabéns pelo cachorro, tão sábio em sua simplicidade irracional.

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