A um bilhão de
quilômetros da Terra, a humanidade mergulha entres os anéis de Saturno em uma
curva de sessenta e três graus na primeira das vinte aproximações pretendidas
para estudo da composição das majestosas circunferências planetárias que
rodeiam aquele planeta. Aqui em casa, não sei como vou fazer para trabalhar
doze horas do meu dia, entre a saída para o trabalho e o retorno, lavar a
louça, a roupa, passar a roupa também, tomar banho, comer, dormir e ler algum
livro ou fazer qualquer coisa que seja para mim. Em um plano bastante agressivo
a sonda vai sofrer com as forças gravitacionais e ser impulsionada novamente
para fora e se preparar para um novo mergulho, mais análises e fotografias
cósmicas. Depois de jantar preciso agir rapidamente em direção ao que pretendo
fazer durante a noite, se não o fizer, perco o resto do dia sentado no sofá
sapeando por mídias digitais e viajando distâncias imaginárias para Dubai ou
Ubatuba sem sair do sofá. O grupo que vai analisar os dados ficará um longo
período no escuro, sem receber notícias da corajosa sonda até que ela esteja
pronta para emitir novos sinais vitais aos seus tutores terrestres, tudo deve
levar um ou dois dias, não sabemos ao certo. Não são raras as noites que passo
de olhos abertos procurando respostas virtuais para perguntas imediatas e
superficiais que surgiram apenas por eu estar procurando resposta para outras
perguntas imediatas e superficiais, assim mergulho no cosmos de outras vidas
pelas fotografias e dados expostos em seus universos particulares. Após cumprir
sua missão de longos anos, Cassini ficará sem combustível e mergulhará uma
última vez para o denso e obscuro mundo do desconhecido planeta Saturno com uma
triunfal queima de componentes que entraram para o livro dos recordes como o
primeiro show pirotécnico do planeta dos compromissos. Meu compromisso
permanecerá mesmo que eu desapareça em pedaços em um particular show de fogos,
artificiais e belos, enquanto aguardo no escuro a próxima ligação, mensagem ou
sinal divino que me aproxime ou afaste de outro alguém. A humanidade colidirá
com uma nova fronteira, demarcando assim com sua urina metálica territórios
alheios, como sempre fez e continuará fazendo por direito assumido em leis
terráqueas com validade universal indeterminada. Meu mundo colidirá com outro
formando novas partículas de fortes ligações atômicas e será objeto de estudo
para outros planetas em galáxias distantes e menos invasivos do que nós, seres
humanos, de racionalidades duvidosas, enquanto uma chuva de meteoros ofuscará as
lentes de um telescópio apontado de Saturno para cá, construído com os
destroços de uma sonda decaída, feito um anjo que trouxe tecnologia do céu, aos
seres do além mar, ou do além poeira cósmica, não sem antes ameaçar por vinte
vezes colidir com a poeira estelar por ali encontrada. Espero que os estudos
revelem a origem do meu ser, dos anéis que orbitam o meu planeta, das luas que
seguem o rastro infinito desse nado em águas negras, desviando de buracos
destruidores de planetas e enfim, as sondas se encontrem quando Saturno se
alinhar ao signo de Cassini em uma epopeia de explosões universais. Como é belo
e denso o universo e sua gravidade.
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