O quarto não está mais do que vazio, cheio de móveis e silêncio apesar da música no rádio. Música que toca em silêncio os pensamentos dele. O teto deste apartamento não tem manchas, é branco por inteiro à espera das marcas de uma vida um tanto quanto entediante. Ele fuma um cigarro na sacada, com a porta fechada pra fumaça não invadir o quarto, para além dos pulmões, junto com os primeiros raios da manhã que, esses sim, adentram o ambiente sem pedir licença. Os olhos estão perdidos em um horizonte poluído de edificações angulares onde é possível que esteja procurando o fim. O ponto mais longe daquela sacada. Não pensa em pular, gosta da vida, mas se voasse pularia. Voaria para além do horizonte vertical, em busca de uma montanha em que pudesse meditar sozinho. Na companhia do vento. Queria poder enxergar o vento, as cores de um cheiro bom e o sentido da vida. O cigarro acaba, a bituca também não voa e cai feito beijo no asfalto, com sabor de nicotina. Ele sorri porque pensou no beijo, no asfalto. Felicidade repentina pela vida que viveu. Que bom que já havia lido algo de interessante, mas queria mesmo era escrever. Algo que pudesse ficar para sempre, marcado, feito aquele beijo no asfalto agora carimbado pela borracha do pneu de algum andarilho motorizado. Somos todos andarilhos, ele pensa. Almocreves. Cedo ou tarde encontramos o nosso caminho. Às vezes cedo demais, às vezes tarde demais. Quase nunca do jeito que a gente quer, mas no fim, bem, encontramos.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
Aquilo que não existe
Posso dizer que te amei, sim.
Talvez.
Porque tudo o que me ensinou é belo.
E o feio?
Também.
Não fosse isso, não saberia a diferença.
E hoje?
Hoje eu sei.
E então.
Não, não mais.
Nem um pouco.
Pouco, talvez.
Talvez.
E o que aprendeu?
O amor, claro.
E a falta dele
E a falta dele
Bom, já dizia ela
Ela?
Aquela, da TV.
Ah. Da TV.
Coração quebrado tem cura.
Tem?
A paz de não precisar mais aguardar a perfeição que não existe.
Ah. Belo, realmente.
Sim, belo. Fecha-se o ciclo.
Talvez.
Porque tudo o que me ensinou é belo.
E o feio?
Também.
Não fosse isso, não saberia a diferença.
E hoje?
Hoje eu sei.
E então.
Não, não mais.
Nem um pouco.
Pouco, talvez.
Talvez.
E o que aprendeu?
O amor, claro.
E a falta dele
E a falta dele
Bom, já dizia ela
Ela?
Aquela, da TV.
Ah. Da TV.
Coração quebrado tem cura.
Tem?
A paz de não precisar mais aguardar a perfeição que não existe.
Ah. Belo, realmente.
Sim, belo. Fecha-se o ciclo.
sábado, 12 de janeiro de 2013
A valsa dos alcoolizados
Perguntei a ela por que não e ela me respondeu que era complicada de mais.
- Como assim?
- Assim. - ela disse.
E continuou.
- Leia isso! - abrindo um livro do Caio F. Abreu e me empurrando para sentar em uma grande almofada que estava no chão.
"Os sobreviventes".
- Eu já li esse texto. É realmente complicado, mas também muito bonito. Assim como...
- Não. Leia de novo, ouvindo esta música! - ela, meio mandona.
Vai até o rádio e coloca um vinil velho, da Ângela Ro Ro. Amor meu grande amor é a música. Ela ainda escuta discos de vinil.
- Conheço essa música também. - eu, o culto.
- Você precisa aprender a escutar a música. Conhecer não basta. - ela, mais culta do que eu.
E começa a dançar ao som da música, fazendo círculos no tapete Yin-Yang comprado usado em alguma feira coisas velhas. Com uma das mãos pra cima e a outra abraçando a si mesma pela cintura, de olhos fechados, ela dança a valsa dos alcoolizados. Eu a observo impaciente, sentado na grande almofada no chão, desconfortável.
Ela abre os olhos e me encara.
- Leia o texto. Agora. - diz, sorrindo pra si mesma.
Começo a ler, como ordenado. Leio, escuto a música, observo ela dançando nas pausas e deixo aquilo me mostrar o caminho que tanto ela quer que eu percorra.
"Amor meu grande amor" - ela canta junto. "...e tudo o que eu te dou, meu calor, meu endereço...". Leio o texto. Leio o texto e escuto a música. Leio a música, o texto. Escuto o texto enquanto leio a música e ela dança, dança sobre a minha alma que agora entende e se assusta.
- Eu preciso ir embora. - digo.
- Por que? - ela pergunta, congelando o movimento da dança.
- Você é muito complicada.
Levanto e saio pela porta da frente.
sábado, 5 de janeiro de 2013
Até que a morte nos separe
Existe uma caixinha dentro da qual eu coloco tudo o que há. E também o que não ha, às vezes, quando convém. Depois chacoalho, misturo, abro a caixa e como o resultado feito cereal, matinal, que não pode ser comido outra hora do dia. Faço isso sentado numa poltrona velha e empoeirada, poeira de sal. Melhor seria se fosse de sal grosso. Bebo tudo com leite, tomando cuidado pro sal não invadir meu copo, nem meu corpo, por consequência. Assim vou indo, acendendo um livro no outro até que a morte nos separe. Talvez nem a morte, onde as fotografias eternizam a felicidade ou o sofrimento dos amantes. Um dia percebi sem querer que algo se mexia por trás da porta, sombras, pés talvez. Esqueci -me que a porta é transparente do ponto de vista do olho mágico e me deixei intrigar com a agitação das sombras dali da poltrona mesmo. Pra lá e pra cá, pra lá e pra cá. Às vezes sumia, deixando a curiosidade excitada quase o suficiente pra me fazer levantar. Pus em pé os olhos, encarando o teto, olhando para o centro de uma mancha preta que havia se formado em cima de mim ao longo destes anos todos de ócio, às vezes tédio, às vezes os dois, de mãos dadas. Quase me vi ali, no centro, o pensamento distante e cada vez mais longe até que um barulho do lado de fora me acordou os sentidos, me trazendo de volta. Olhei novamente pelo vão da porta, a sombra, de volta. Pra lá e pra cá. Endireitei as costas, estalando vértebra por vértebra descolando-me da poltrona, inclinando -me em direção a porta, os pés ainda cravados no chão e a bunda na poltrona, mas atencioso, com os olhos cerrados, martelo-estribo-bigorna, tudo na porta. Me aproximando cada vez mais de uma mudança, de levantar daquela poltrona e enfim acabar com aquele descanso rápido que começou anos atrás, com uma sentada depois de um dia de cão, sem emprego, sem mulher nem filhos nem nada. E lá estava eu naquele momento, prestes a mudar tudo aquilo, em ato contínuo, até que um arrepio cinematográfico me percorreu a espinha, disparando o coração e gelando o nariz entre os olhos. Travei, com o coração a mil. Três batidas na porta - engraçado, são sempre três. "Alguém em casa?". Calei, mais do que já estava calado. "Por favor, alguém, é importante!". Estanquei a respiração, corpo travado. Sombra pra lá, sombra pra cá. Parou, depois pra lá e pra cá de novo, até que escolheu um lado e foi-se. Direita ou esquerda? Não me lembro. Também tanto faz, pra mim olhando daqui seria uma coisa, pra ele outra, totalmente diferente. Esperei alguns segundos, soltei a respiração aliviado. Quase. Curvei as costas reencaixando minhas vértebras em seus devidos lugares. Comi uma colherada do meu cereal de possibilidades e acendi mais um livro, pra relaxar. Depois outro e outro, noutro. Até que a morte nos separe, enfim...
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