terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Entre nós

Muito antes de dizer, antes de qualquer coisa, antes de qualquer gole de café, gelado, eu pensei. Pensei que as coisas seriam diferentes se eu fosse uma pessoa melhor, se eu fosse justo, se eu fosse. Não foi, existia apenas uma urgência em estar vivo, uma vontade de seguir em frente sem saber pra onde, uma constante dor me acompanhava dentro do carro, uma força maior me impulsionava caminhando, uma outra forma de pensar me dizia o que fazer em todos os momentos. Gostaria de assumir outros valores, implodir o que ficou pra trás, mas não, melhor não. Grito, em silêncio, que o que passou passou e por favor me deixe em paz. Sei o que é o fel e o mel, sei o que devo dizer, tenho raiva dessa impunidade, tenho amor pelos que tentam, não quero morrer por ser honesto. Também quero o meu quinhão, mas não tão sujo quanto o deles. Me lembro do meu pai me dizendo que todos os dias nascem um trouxa e um esperto e, quando os dois se encontram, dá negócio. Eu realmente desejei esse lugar, do esperto, mas me sinto trouxa, me sinto enganado por uma dúzia de espertos impunes que usam desse poder para vencer, em cima de mim, de você, de nós. Seus filhos crescem no sangue roubado dos que trabalham, dos que batalham. Quero deletar, o que sinto, o que acredito, pra me sentir menos como um peixe morto nesse aquário de água rala. Me dê mais um gole desse vinho, mais um trago desse tabaco, mais uma picada dessa agulha, mais um cheiro desse seu perfume que me seduz, me vicia, me faz sentir o coração pulsando na boca como se fosse a primeira vez. Seu beijo, seco e cinza, beijo de chão quente. Te olho de baixo, me sinto impotente, de pau murcho e magro, tenho fome, sede, lágrimas. Explodo na intensidade dos extremos enquanto você insiste que o erro é dos outros, que o erro é meu, que eu sou pouco pra você e que o preço da gasolina está insatisfatório pra você manter três carros na garagem. Será obrigado a comprar uma bicicleta. A sensação amarga da chuva ácida molhando seus poucos cabelos, isso te incomoda e me molha de entendimento. Tu, ó tu, maldito ladrão de homens, afogue-se nas águas do teu sofrimento e devolva o que é meu. É isso, vou fazer diferente, quero ter o seu lugar, mas não. Pensei não existir mais nada além daqui, de nós, mas me encontrei dentro de mim e hoje farei do meu jeito, da minha maneira. Serei enfim, um rei. Seja feliz, é tudo e é agora, o mundo foi salvo, nessa urgência, paciência. A vida é maior do que nós. Tenho vocês e vocês a mim. Entre nós, é nosso, desamarro. Amém.

"Inspirado no CD: 'Zero e Um' (2004), do Dead Fish - banda nacional. Recomendo. Muito."

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