sábado, 13 de junho de 2009

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. Não consigo me lembrar do resto. Que droga! Eis que no meio do caminho surge um buraco. Sim, um buraco no meio do caminho que, parecendo calculado, acerta em cheio a roda esquerda do carro. Depois de algumas voltas no ar, uma injeção extrema de adrenalina, dois corpos saindo pelos lados do carro e um pela frente, minha visão escureceu.

Abro os olhos algum tempo depois, não sei quanto, mas já existe certa aglomeração no local. Minha visão se resume a muitos pés se movimentando de um lado para o outro, pedaços do carro carimbados no asfalto, sangue na altura do meu olho direito que praticamente toca o chão e meus dois amigos estirados na minha frente, distantes uns 2 metros um do outro e uns 5 metros, na minha visão deturpada, de mim. Tento falar alguma coisa. Nada. Não consigo falar e meu ouvido está tomado por um zunido intenso que me causa dor de cabeça e não me deixa ouvir nada também. O gosto do sangue me faz esquecer a fome, motivo pelo qual estávamos no carro a princípio.

Tinha um buraco no meio do caminho. Entre a casa do Ale e a lanchonete do Pedrão. Devia ser um buraco novo, já fizemos este caminho tantas vezes e nunca o tínhamos visto. Algum caminhão talvez tenha feito isso. Percebo que minha visão começa a escurecer de novo e tento reagir. Inútil. Desmaio outra vez.

Acordo novamente com alguém tocando em minhas pernas. Que alívio, posso senti-las. Procuro meus amigos que já não estão mais ali, no meu campo de visão ainda prejudicado pelo sangue. Meu coração acelera apreensivo. Onde estão... AI! Sinto uma dor intensa na parte de trás do meu corpo. Duas pessoas, paramédicos, viram meu corpo em cima de uma maca fria. Carros buzinam. O chão antes era quente. O asfalto quente dos pneus ferozes que por ali costumam passar e agora pedem passagem para carimbar suas marcas e logotipos no meu sangue. Vai entender.

Volto o pensamento em meus amigos. É difícil manter uma linha de raciocínio. Sinto-me tão acelerado e com o corpo tão imóvel que toda energia se acumula em minhas idéias. A velocidade com que elas passam é incrível. Aí, está vendo? Estava pensando em meus amigos agora mesmo e no segundo seguinte, outro pensamento.

Sinto meu corpo sendo levantado do chão. Até que não foi difícil, não peso muito. Outra dor intensa me sobe a coluna acompanhada de um arrepio. É noite e parece estar frio. Cada passo mais próximo da ambulância é uma dor que sinto em algum lugar diferente. Hora na cabeça, hora nos pés, hora no pescoço. É a melhor dor que já senti. Sinal irrefutável de que tudo ainda está devidamente ligado dentro de mim. Arrisco movimentar o pé e olhar com os olhos tontos. Dói o corpo inteiro, mas o dedo se mexe e eu consigo ver. Sorrio antes de desmaiar de novo.

Acordo mais uma vez. "Ufa" eu penso. Agora consigo ouvir um burburinho dos homens que me acudiram, conversando. Tento chamar a atenção de um deles. Sucesso. Prontamente o homem, que está encostado na maca, coloca sua máscara protetora e começa a falar comigo. "O senhor está bem?". Sorrio, nunca me chamaram de senhor antes. Respondo, com dificuldade, com outra pergunta: "E..." pausadamente, "E... meus... amigos?". O homem esboça alguma expressão por trás da máscara e me responde: "Estão todos bem. Agora o senhor vai sentir um leve desconforto e adormecer.". Não me convenceu. Mas a parte do leve desconforto era verdadeira e tudo fica escuro de novo.
(...)

Um comentário:

  1. Dor e grandes emoções causam descargas de pensamentos? Acho que vou pular de uns prédios por aí! Beijos meus

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