sexta-feira, 25 de junho de 2010

Silêncio

As coisas me acontecem assim. Uma hora eu me deito na cama e começo a pensar. Na outra estou sentado no chão, encolhido, nu, gelado e chorando de soluçar enquanto o mundo continua rodando lá fora.

Deve ser culpa do silêncio. Hoje li que o silêncio é "a gente mesmo, demais". Quanta verdade. Como somos podres pra pensar desta forma. Conhecer muito de nós mesmos nos faz chorar, nos faz sentir mal, nos faz ter ânsia e dores na boca do estômago. É feito um soco bem dado. Ou bem tomado.

O quarto vazio. A vida vazia. Antes ainda havia fotos daquela mulher que já amei. Hoje não sinto mais nada por ela. Nada daquilo que era eterno se eternizou. Tudo foi enfiado para dentro do cu sujo dela junto com o pau daquele unzinho que a comia por trás, e ela a viver outra vida por trás de mim. Fazer o quê, é a vida, não é? Sem ressentimentos amor, viva a sua vida porque eu concordo que comigo não era lá aquelas coisas. Pode dar o seu cu em paz.

Agora eu choro o vazio de nem mesmo sentir saudades. Agora eu lambo os dedos pra sentir o amargo das lágrimas que enxugo. É algo a se sentir pelo menos. O cheiro das paredes cinzas, escurecidas pela fumaça do cigarro sempre aceso. O cigarro e o computador. O cigarro, o computador e eu. Trago o cigarrro e ele me traga o pensamento, que o computador transforma em bits ou bytes ou o cacete a quatro de zeros e uns. Meus pensamentos são zeros-e-uns. Matemática básica e fundamental do meu ideal. Nada mais do que números.

Meu cérebro lê então essa orgia de números e reinterpreta em bytes cerebrais, sinapses, imagens, idéias, música, tudo novo de novo. Conteúdo original de uma velha idéia. Se é que se pode chamar este lixo todo de conteúdo. Um texto após o outro e tudo isso pra que? Existe alguma coisa por trás disso ou é só mais um choro barato na internet. Mais uma vida pela qual ninguém se interessa? Mais bits desperdiçados, com tanta coisa importante que tem por ai...

Eventualmente tenho uma ereção ao pensar que nem sempre fui assim. Já fui homem de respeito, de família. Namorava, como disse. Tinha vida social e dava valor às coisas. Tudo foi por água abaixo quando parei de entender as relações que tinha. Namorar não fazia mais sentido e eu ainda não sabia que ela me traía. Talvez nem me traía e só começou depois que eu virei aquele estranho dentro de casa. Desconfiava dos meus amigos e até mesmo da minha família. Depois, fui pego de surpresa por uma doença desgraçada que me jogava ao chão a tremer dos pés a cabeça. Voltava a mim com a lingua sangrando, atravessada pelos dentes que quase se quebravam ao se debaterem dentro da minha boca. O corpo doía e a pele ficava roxa. Volta e meia acordava em lugares desconhecidos, com estranhos a me olharem com olhos esbugalhados e amedrontados, desesperados pra saber se eu estava bem.

Certo dia acordei no metrô, caído, vomitado e humilhado, no centro de uma multidão que me olhava espantada. A doença me atacou de tal forma que me deteriorou o cérebro e me fazer cagar nas calças e vomitar as tripas em um lugar público. Pensei seriamente em desistir, mas não tive coragem. O corpo gelava só de pensar em sumir deste mundo sem deixar uma marca que fosse. Não queria ser somente mais um nome na tabela de óbitos do jornal de domingo. Não poderia terminar assim... e não terminou.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Assim mesmo, sem ordem

Aquela brincadeira de criança se tornou adulta. Perdeu a graça.

Manteve-se a memória, apenas isso. Os primeiros passos, os primeiros balbucios, primeiros rabiscos, bronca, aviãozinho, video-game, raiva, punheta, estudos, punheta, vestibular.

Enfim, um universitário de respeito perdido na bebida e nas drogas. Fazendo teatro aos finais de semana pra quebrar o gelo do um-mais-um-rais-quadrada-de-três-não-sei. Também, foi escolher logo engenharia? Devia ter ido viver a vida. Hoje em dia apenas sonha com ela.

Meus pés descalços se enraizaram na cidade que me acolheu. Os donos dos bares me conhecem pelo nome. Os novos animais que adentram este meu mundo - leia-se, os bixos universitários - me respeitam por qualquer besteira e não por quem eu sou. Aliás, duvido que saibam quem eu sou. Fazer o quê, também não sei quem eles são. Pra mim, são bixos. Aliás, entraram gente, se tornaram bixos e talvez saiam uma mistura. Bixo-Homem, que sabe fazer contas.

Retornar ao lar também não é facil. Ver minhas coisas antigas espalhadas pelo chão, quase do jeito que as deixei, é espantoso. Sou pai de mim mesmo me vendo brincar pelo chão sujo que me deixou marcas até hoje, por dentro, nas tripas. Me revirou as tripas mesmo ver o antigo sapato que eu fingia ser um carro e depois um avião. Meu velho video-game empoeirado. Minha coleção de propagandas de langerie que me esquentavam em noites solitárias, quando a casa era água parada e eu era rio que desaguava no mar.

Revivi tudo isso. Senti o orgasmo. Voei alto de carro-avião e travei batalha contra um exército inteiro de homenzinhos imaginários. Comandos em ação. Que barato. Tirei os sapatos pra entrar em casa. Dei beijo na mãe, no pai. Passei reto pelas fotos nas estantes e nem percebi meu primeiro desenho -de quando era um bebê; enquadrado, imortalizado, fazendo centro na sala de estar. Fui direto para o meu quarto, velho quarto, arrumado, esperando o filho que não volta mais, voltar para casa.

Sentei ao pé da cama e chorei feito um bebê, em pele de adulto. Enxuguei as lágrimas. Agarrei o controle e destrocei centenas de zumbis famintos que estavam prestes a acabar com o meu dia. Alguns minutos depois meu filho entrou no quarto e parou a me olhar, em pé. "O que é isso?", Meu antigo video-game, "Bem antigo ein!", Tem idade pra ser seu avô, "Que coisa chata! Desliga isso e liga o meu que é bem melhor.".

Então sim. Minha infância envelheceu. Ainda que permaneça jovem dentro de mim.

sábado, 19 de junho de 2010

E agora?

Três da manhã. Precisando dormir, mas fico preso nessa porcaria de computador.

Pensando em como fazer os outros pensarem amanhã (ou hoje) cedo, na reunião que terei mais tarde. Preciso fazer os outros pensarem.

Como? Se às vezes duvido que eu mesmo sou capaz de pensar.

Preciso de um estímulo. Um dos grandes. Talvez uma boa noite de sono pra me trazer boas idéias. Sonhos reveladores ou aquelas epifanias que fazem as pessoas se entenderem no mundo.

Se entender no mundo. Está aí algo a se pensar. Pergunta sem resposta que dá pano pra manga.

Você já se localizou no mundo hoje?

Você já parou de apenas existir e começou a viver?

Sem tempo para pensar. Tempo de sobra para fazer.

Apenas anotando aqui alguns pensamentos da madrugada.

Peço desculpas. E desejo boa noite!

Boa noite!

terça-feira, 8 de junho de 2010

Flores que fedem

Fiquei aqui o dia todo observando flores
e tentando achá-las bonitas

Me sentei em frente a uma rosa
Vermelha e grande
Fedida
e feia.

Não vejo graça em flores
prefiro televisão
Acho bonito ver gente na televisão
Da pra sentir o cheiro
e é melhor do que o de flores
Mesmo não dando, de fato,
pra sentir o cheiro.

Cheguei a conclusão de que odeio flores
As árvores eu respeito
porque são grandes
e meu pai me ensinou a não mexer
com coisa grande
a não ser que eu tivesse uma arma

Não tenho uma arma
Odeio flores
Respeito árvores
Gosto de televisão

Me levantei e fui cheirar a rosa
Vermelha e grande
e feia
e, como ja havia dito, fedida.

Continuava fedida.

Cheguei a conclusão de que odeio flores que fedem
As outras não tentei ainda.
Fica pra outro dia.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Um banco sujo e manco

A vida perfeita. Não muito o que falar sobre, apenas viver isso. Ou não. Mais um dia que começa com um banho, vestir a roupa de sempre, calçar os sapatos, vestir o sorriso e o espírito de "boa vizinhança" e sair às ruas pronto pra convencer que levo a vida perfeita. Mulher e filhos, todos lindos e perfeitos. Jardim impecável em uma casa grande e bonita no melhor bairro da cidade. Tudo tão claro e limpo pra quem vê, mas tão escuro e sujo pra mim. Só mais um dia em minha vida perfeita. Gostaria de uma corda em meu pescoço, um banco sujo e manco em que eu pudesse subir e chutar quando todos estivessem chegando do trabalho. Se bem que seria melhor se tivesse sangue na cena. Chocante e revigorante. Crianças nadando na piscina ensaguentanda onde eu tenha me matado. Corte perfeito em baixo do braço esquerdo, preservando a imagem pra quem chegasse primeiro em cena. Eu, finalmente fora de mim em forma de sangue, o corpo branco e frio e o sangue quente e vermelho negro. O fim perfeito para a vida perfeita.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Se eu soubesse cantar, cantaria

Faz anos que não ligo minha guitarra. Não é a toa, também... não sei tocar! Nunca soube realmente, mas já tive uma banda, por incrível que pareça. Nem tão incrível assim pra quem já nos ouviu tocando... uma desgraça! Parecíamos quatro caras com pedaços de pau na mão que jurávamos que faziam os sons que a gente queria, mas não, não fazia. Cantando então, uma caganeira sem tamanho. O importante é que nos divertíamos bastante e rolava vários charmes na hora de tocar, pra conquistar as garotinhas do colégio - sim, só tocamos no colégio e ainda por dó eu suspeito. Nunca peguei ninguém por causa da banda. Me valia mais segurar o violão nos luais, sem tocar nada, só fingindo mesmo, do que de fato tocar. Segurar o violão me deixava bonito. Tocá-lo me fazia tosco.

Quando comprei minha guitarra, quis a mais bonita, claro. Já sabia que o que valia era a beleza dela e não a minha e o estilo que eu fazia quando a segurava e pulava feito louco em cima do palco - que na verdade nunca foi um palco porque sempre tocamos no chão - me garantia alguns sorrisos. Depois de uns anos tentando, descobri que eu servia pra ser guitarra base e que se eu deixasse o som um pouco mais baixo, não me destacaria muito e o outro guitarrista faria tudo. Como ninguém sabia de onde o som tava vindo de fato, porque eu enganava bem, o crédito seria dividido. Entretando o outro guitarrista também não era lá aquelas coisas e no final, a banda era péssima. Porém, como existe gosto para tudo, houveram aqueles que gostavam do som da nossa banda, ou melhor, do estupro ao som que a banda fazia. Tivemos camisetas com nosso nome e uma meia dúzia de garotas novinhas que mal sabiam o que eram pêlos pubianos. Que diferença faz, afinal? Quando elas tem a gente pede pra tirar mesmo, então estava bom.

Pena que a coisa não durou muito. Veio a faculdade e estragou tudo. Quero dizer, não tudo, afinal de contas me formarei engenheiro, talvez. Melhor do que tentar a vida de músico, artista ou coisa assim. Ser rockstar não é pra quaquer um. Eu que sempre me recusei a ter cabelo comprido não me daria bem nessa profissão. Além do que, com os visuais que se vê por ai hoje em dia o melhor mesmo é ficar assim: engenheiro. Ainda bem que isso não significa que eu preciso parar de tocar meu violão, graças-a-deus. Acho até que a qualidade musical de minhas canções melhoraram. Também, depois de tanta bosta que vemos na universidade, é a única arma que temos... a música, o texto, a poesia, enfim: a arte. Porque até onde eu sei, raiz quadrada não critica, só se enquadra.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Subsolo

Sentei-me em um banco na praça da XV com esperança de poder pensar. Precisava pensar na vida, coisa que não fazia há dias, semanas ou talvez meses até. Escolhi o banco que ficava de frente para o centro da praça, em baixo de uma árvore grande e acolhedora. Percebi que fazia isso sempre que precisava pensar: me sentava perto de coisas imponentes, um prédio muito alto, uma árvore grande, uma mulher bem gorda. Acho que fazia isso por instinto, pra me lembrar da época em que pensar na vida era deitar no colo de minha mãe, com os olhos cheios d'água e sentir sua mão em meus cabelos enquanto ouvia os sons que ela fazia com a boca, esperando que eu me acalmasse, seja lá o que fosse que tivesse me abalado. Não que minha mãe fosse grande ou gorda e muito menos imponente, mas para o meu tamanho e idade ela era o máximo de poder que eu tinha de exemplo. O olhar fixo e carinhoso que ela me dava me trazia paz, assim como o meu olhar fixo em algo grande e imponete me traz paz hoje. Me sentir pequeno me tira as responsabilidades e ambições e me faz sentir a liberdade de ser criança de novo, quando minha maior preocupação era saber qual o próximo desenho animado passaria na televisão.

Quando me dei conta, estava sentado no banco com as pernas o mais pra frente possível e a cabeça o mais pra trás possível. Estava com os olhos perdidos nos emaranhados daquela árvore imensa e robusta. Me ajeitei olhando para os lados pensando se alguém havia reparado que eu estava daquele jeito, largado no banco da praça. Um homem feito, com seu metro e oitenta e largado no banco da praça, inprodutivo. Voltou-me de repente aquele velho sentimento adulto: vergonha. Fixei os olhos então no centro da praça, à minha frente, e voltei para o meu mundo de pensamentos, para o subsolo da humanidade, onde todos vivemos algum momento antes de voltar à superfície. Meu subsolo era escuro, mas muito aconchegante. O silêncio era o meu melhor amigo e o negro à frente de meus olhos me davam a sensação de perda de controle. Era como ser mente sem corpo, sem movimento, apenas pensamentos. Eu era pensamentos.

Acordei daquele transe mais umas duas ou três vezes antes de decidir que era hora de voltar pra casa. Antes de me levantar, olhei mais uma vez ao redor buscando alguém que pudesse ter me visto ali, naquela situação, com o corpo exposto enquanto a mente viajava fundo debaixo da terra e não encontrei um único olhar a me encarar. Havia muitas pessoas por ali, sozinhas, sentadas em bancos de forma aleatória e, para a minha surpresa, estavam todas com o mesmo olhar. Todas afundadas em seus próprios subsolos. Por um momento fiquei triste, em pensar que nem mesmo isso era somente meu, o subsolo. Nem o que eu tinha de mais individual era unicamente meu. Levantei-me olhando para aquelas pessoas como se estivesse olhando pra mim mesmo. Encarei todos aqueles olhos fixos e sem vida, abandonados pelas mentes que se afundavam cada vez mais e pensei: "preciso parar com isso, hora dessas me afundo de vez e não saberei como voltar." e fui embora, sem pensar em nada.

(Influenciado, ou nem tanto, pela peça que assisti ontem: Memórias do Subsolo)