quarta-feira, 31 de março de 2010

tum-tum-tum

Cara, esse barulho chato, insistente, começa a me doer os ouvidos.

Começou como um zumbido bobo, uma voz de consciência fraca e sem sentido. Agora é maquinário, é rua movimentada, é New York enlatada. Começa a me deixar louco. Louco de pedra.

Às vezes acho que fala comigo. "TUM-TUM-TUM". Às vezes acho que não.

Também, se fosse falar ia falar o que? Que minha vida é isso, minha vida é aquilo. Nada de novo, afinal. Só o mesmo tum-tum-tum de sempre. Ad Infinitum ou sei lá o que.

Já não importa mais também. É tão repetitivo, sempre no mesmo intervalo, sempre no mesmo periodo, tão cotidiano, que é como se levantar todos os dias, tomar o café, estudar-trabalhar-trepar, dormir. É como rotina.

Se for ver bem é assim mesmo. A vida é um zumbido chato e insistente que aprendemos a conviver.

terça-feira, 30 de março de 2010

Os funerais do coelho branco



Me sento ao canto, em um sofá/puff que encontro encostado na parede. Copo de cerveja na mão. Cerveja gelada. Do outro lado, a festa, onde as pessoas dançam e conversam feito papagaios. Ao meu lado uma garota semi-morta escorada na pareda e com a mão direita quase enconstando em seu próprio vomito. Ela está com a saia acima da cintura e eu posso ver sua calcinha. Seria um tesão se não fosse tão nojento aquele vômito ao lado.

Olhando em frente vejo novamente as pessoas dançando. As bundinhas de todas as menininhas que eu finjo ter o maior respeito no dia-a-dia estão balançando hipnoticamente. Gole de cerveja. Não quero ir até lá pra dançar. Quero ir até la pra trepar com todas elas. Penso.

Encaro minha cerveja pensando em como sou fracassado. Ou "estou-em-fase-de-mudança" como diz minha analista. Que fracassado, frequento uma analista. Me sinto tão diferente mas ainda sou comum como todo mundo, ligado a todos ao meu redor pela mesma pergunta clichê. Quem eu sou afinal?

Ao fundo toca uma música que diz "...e o que eu queria mesmo era copo de água suja pra beber". Fato. Beberia um copo de água suja só pra variar.

Música boa. Olho novamente pra garota com a calcinha aparecendo. Ninguém mais está olhando. Respiro fundo. Último gole da cerveja já quente. Vou até ela e pergunto se está viva. Não responde. Olho bem pra calcinha com um pouco do volume dos pêlos. Cor-de-rosa com pelinhos. Olho ao redor. Ninguém. Olho pro rosto dela e não tenho idéia de quem ela seja. "Foda-se", penso, e vou embora bêbado deixando a música de fundo...

"Tento pensar em coisas
Que não me deixem lembrar
Das noites em que
Fiz planos para
Trocar os meus olhos
Por estes restos de comida e
Cinzas de cigarro molhadas
Impressas no tapete
Em festas que estive
E ninguém me viu
Atirar bolo aos peixes

Pra que teorizar sobre estar só
Se o inverso de ser feliz
É a certeza de saber que
Nem sempre temos
Respostas que queremos ouvir?

Então me liga! - ela disse
Na verdade sequer lembra o meu nome
Ligo sim... é claro. – respondi
Acabo sempre ligando

"Sabe, hoje talvez passe
aquele filme que eu gosto tanto..."

É eu podia ser gentil
E perguntar coisas fúteis,
Mas o que eu queria mesmo
É ter um copo de água suja
Pra beber e parar de fingir
No saber se o vazio é bem maior
Agora que sabemos ter feito
O melhor pra nós dois
E deixamos tudo mais pra depois.

Sabe,
Às vezes, penso mesmo que dizer
“deixa pra lá” cansa menos
e você?"

(Os Funerais do Coelho Branco - Dance of Days)

domingo, 28 de março de 2010

Café e palavras

Uma palavra após a outra. Um pedaço de carne. Uhm que delícia, obrigado-pai. Volto e escrevo mais um pouco. Penso. Penso que penso. Esqueço.

Café - palavra - café. Café e palavras, a combinação perfeita. Talvez pra quem sabe ler e escrever. Porque burro não sabe lê, muito menos escrevê.

Levanto todos os dias com essa sensação boa de estar fazendo a diferença enquanto o mundo todo se levanta todos os dias indiferente a mim. Que triste. Que chato. Que tédio.

Friends na TV. Eu também quero os meus, mas eles nem são tão legais assim. Um fuma, outro fode, outro vomita sempre que bebe. Chato. Tudo se repete em camera lenta e depois em camera rápida.

Todo mundo junto em busca de um-prato-de-comida. Essa é a beleza desta vida.

sexta-feira, 26 de março de 2010

às nuvens

As pessoas passavam pela rua como se não o vissem. Ele estava ali em pé, bem vestido, cabelos que caiam a altura dos ombros, arrumados. Nas mãos, bem ao alto, segurava uma placa: abraços grátis.

Não é realmente de se esperar que haja uma pessoa com uma placa dessas, plantada como uma árvore no meio da rua, esperando ser abraçada. Porém, estava acontecendo e ninguém o abraçava. Pelo menos não por um bom tempo até que uma pessoa, caminhando lentamente em sua frente, para, lê a placa e sorri. No primeiro passo em direção a ele, a pessoa abre os braços o máximo que pode. Na mão direita uma sacola fica pendurada, na esquerda um guarda-chuva. É uma senhorinha pequena e muito sorridente e, no segundo passo, pende a cabeça para um dos lados mantendo no rosto um olhar receptivo e um sorriso de avó carinhosa. No terceiro passo, enfim, o abraço. Tem cheiro de baunilha, ele pensa. Um abraço gostoso, quantos anos, ela pensa.

O rapaz começa a se abaixar pra deixar o abraço mais confortável e ela o aperta mais forte, como se fosse seu neto que não vê a anos. De joelhos no chão ele afasta um pouco o rosto e encara a senhorinha nos olhos. Ela solta uma das mãos de trás do rapaz, deixando o guarda-chuva apoiar na outra mão, e a coloca no rosto dele. A mão enrugada no rosto novo gera um contraste tão impactante que chega a acalmar o coração cheio de sentimentos. Todos os pensamentos passam a ser de entendimento e reflexão sobre a vida. Pensamos em quem amamos e em quem nos ama. Lembramos que o tempo passa, saindo dessa mania humana de achar que temos todo o tempo do mundo.

Com a mão ainda no rosto dele, ela sorri novamente e o beija na testa. Ele não consegue conter a primeira lágrima, nem a segunda e a terceira e começa a chorar. De alegria, tristeza ou emoção, nunca saberemos. Ainda assim o entendemos, assim como aquela senhora, que não chora mais porque compreende o motivo das lágrimas.

Finalmente ela se solta levemente do abraço e se vai, deixando o rapaz ajoelhado e com os olhos cheios d'agua no meio da rua, com a placa ao lado, voltada ao céu, pedindo um abraço às nuvens. De repente o que era uma brincadeira, um simples abraço gratuito, ganhou um preço impagável. Ganhou o valor de um verdadeiro abraço.

quinta-feira, 18 de março de 2010

5º andar

Conheci uma garota no caminho pra casa. Raro, sim, eu sei.

Estávamos no mesmo lado da calçada. Ela andava a passos mais lentos do que eu, mas ainda havia certa distância entre nós. A alcancei. A inteção não era falar nada, mas simplesmente ultrapassa-la, como fazemos normalmente com as pessoas que não conhecemos, nas ruas, sem nem olhar para trás.

Porém, quando ja estava pra passar ao lado dela, ela, sem perceber a minha presença, fechou a passagem e quase esbarramos. Sorri. Ela ainda não havia me visto e quando fui tentar passar pelo outro lado ela me bloqueou novamente. Ri um pouco mais alto e dessa vez ela ouviu.

-Eu to tentando... - tentei explicar.
-O que?
-É... - fiz sinal pedindo passagem.
-Ah! Sim, desculpe!

Sorrisos.

Antes que pudesse dar o próximo passo para ultrapassa-la percebi que já estava em frente ao meu prédio e parei. Ela parou também, esperando o portão se abrir. Olhei pra ela. Sorrisos.

-Não é possível. - falei.
Risos. Cara de "o que!?", dela.
-Moramos no mesmo prédio? Nunca te vi.
Ela sorri e abaixa a cabeça.

Uma breve explicação: meu prédio na verdade são dois prédios. Aliás, duas torres pra não ficar confuso. Duas torres as quais vou me limitar a nomeá-las de "torre de lá" e "torre de cá", sendo esta última a que eu moro e, por coincidencia, ela também.

-Moramos na mesma torre também? - perguntei retoricamente.
Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.
-Qual seu nome?
-Renata.
-Prazer, Filippe.

Silêncio. Sorrisos. Silêncio.

Ela é linda, vale dizer. Nos 8 ou 10 passos que demos até chegar ao elevador eu pensei: ela é linda.

Entramos no elevador. Apertei o 15, ela o 5. Em poucos segundos - creio que no tempo em que a porta se fechava - me imaginei descendo no 5 com ela e nunca mais voltando ao 15. Além de linda, gostosa. Poxa! Desço no 5 também. Quem dera!

Haviam 2 pessoas no elevador além de nós. Um casal. Dois casais, pensei. Sorri.

-É você que mora numa república... - pergunto de forma genérica, fingindo que em algum momento eu já tinha ouvido falar da república dela, quando na verdade era apenas um palpite que eu esperava ser confirmado.
-...Sim!

Ufa! 1º andar.

-É da federal? - pergunto.
-Sim. E você é da estadual?
-Sim.

Falávamos sobre nossas universidades.
2º andar.

-Achei que não havia muitas republicas por aqui. - falo.
-Hum! - ela olha pro chão.

3º andar.

-Fazemos muito barulho? - pergunto quase desesperado ao casal que nos acompanha, como se esperasse deles um assunto que a fizesse querer que eu descesse com ela no 5º andar.
-Até que não. - eles respondem.

4º andar.

-Isso porque moramos entre duas republicas. Uma em cima, outra embaixo, não é amor? - diz a mulher do casal puxando assunto.
-É. - responde o homem impaciente e percebendo meu desespero.
-Mas por enquanto está tudo tranquilo. - continua a mulher.

Enquanto isso a mulher da minha vida, a mulher que eu imaginei do beijo ao sexo, que estava ao meu lado, olhava para o chão. Provavelmente pensava em quando seria a próxima consulta ao ginecologista ou a próxima visita ao salão de beleza, quanto a outra mulher falava sem parar.

5º andar.

Ela sai dizendo tchau, interrompendo a fala da outra. Eu fico dizendo adeus, tentando imaginar a proxima vez que nos veremos.

A porta do elevador se fecha.

Em seis meses que moro aqui nunca a havia visto e agora talvez precise esperar mais seis meses pela próxima vez. - eu penso.

A mulher (do casal) que havia parado de falar, pra dizer "tchau", retoma a conversa que eu já não sabia mais do que se tratava.

O homem bufa!

Eu sorrio. Depois entristeço.

"Tchau!"
"Adeus."

terça-feira, 16 de março de 2010

O rir e o riso

-Do que esta rindo?
-Daquele cara.
-Que cara?
-Aquele.
-Por que?
-Porque caiu.
-E está rindo?
-Sim.
-Como caiu?
-Tinha uma pedra.
-Uma pedra?
-Sim, no caminho.
-E caiu?
-Sim.
-E o que tem de engraçado?
-Nada.
-Mas está rindo.
-Sim.
-Então?
-Você não viu.
-Não, e daí?
-não vai entender.
-Porque não?
-Precisava ter visto pra entender.
-Pra rir?
-Sim.
-Tenta.
-Não.
-Por favor.
-Ele caiu, só isso!
-E o que tem de engraçado em cair?
-Parecia que ia continuar andando, mas caiu.
-E?
-Ele continuou andando, enquanto caia.
-Enquanto caia?
-Sim, enquanto caia, e no caminho as pernas travaram mas já era tarde.
-Travaram?
-O corpo todo na verdade.
-Travou?
-Se contraiu, tentou corrigir a queda.
-Corrigir?
-Como se quisesse voltar pra trás.
-Pra trás? Antes do tombo?
-Sim.
-Que engraçado.
-Sim.
-Pena que não vi.
-Coitado.
-Sim, coitado.

quinta-feira, 11 de março de 2010

notável?

Como um dia neutro qualquer, desses que você se esquece logo que termina, cheio de momentos neutros que você mal consegue lembrar mesmo que tente, foi o dia de hoje. Porém, olhando mais de perto, se houver como olhar um dia de perto já que, até então estou apenas programado para vivê-lo e não olhá-lo ou entende-lo, mas assumindo que podemos olhar um dia de perto, existe um momento, um único momento deste dia que grudou na memória sem querer, ou querendo, vai saber.

Por entre os cantos obscuros que sou obrigado a percorrer todos os dias nesta cidade, mas que no referido momento não estava escuro, já que era dia, aconteceu o tal fato que transformou o meu dia neutro em dia notável ou pelo menos em dia não perdido, com um momento a ser lembrado.

Acontece então que percebendo isso, vim correndo ao computador escrever o que havia percebido como algo a ser lembrado, algo que valesse a pena relatar e mostrar ao mundo que eventualmente coisas acontecem em minha vida e, enquanto escrevia estas linhas percebi que estava deixando gravado na minha memória e na memória do meu computador e na memória do servidor e do monitor e do e do e do, enfim, o que era apenas o meu dia notável. É capaz então, até, que alguém leia isso e guarde, de certa forma, em sua memória, nem que seja como referência a algo que alguém falou ou a alguma imagem vista por ai ou seja lá como, o importante é que lembrou. Como pode também haver alguém que lerá este texto e não se lembrará nunca mais ou pense "que bosta!" e se lembrará como o pior texto que já leu. Tudo bem, desde que lembre. Triste mesmo é ser esquecido.

O que quero dizer então, para guardar este momento do dia que me fez perceber o dia de forma diferente, escrevo enfim o que me fez olhar de forma inteligente para mim mesmo e ter consciência de que este dia existiu, que foi o fato de eu ter pensado em escrever este texto, enquanto caminhava como caminho todos os dias pelas ruas desta cidade. Muito notável, muito que eu tenha pensado em algo, quando geralmente não penso em nada. Digno de um texto eu diria. Qualquer dia eu escrevo um.

...

quarta-feira, 10 de março de 2010

...

Tudo tem passado
até o passado, estado
lá atrás, guardado
enlatado e asfixiado
querendo respirar

Mas não vai.

Vai continuar onde está.

No passado, sem ar.