quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Absinto



Tocou a campainha sem a esperança de ser atendido. Oito anos haviam se passado desde a última vez. Ele agora tinha barba, bebia e fumava. Ela, não se sabe mais, iria descobrir agora. Ouviu passos e sentiu a luz acender por trás da porta. Viu alguém se aproximando, pelo movimento das sombras na fresta ao seus pés. O coração tentava inutilmente se manter calmo, mas acelerado como se estivesse correndo denunciava que mesmo depois de tanto tempo havia algo guardado ali, querendo sair. Apertou nas mãos o whisky que trazia embrulhado numa sacola de papel. Tinha pensado em levar vinho, mas o tempo distante o fez compreender que ela nunca gostara de vinho e no fundo, sempre quis algo mais forte.

O papel áspero que embrulhava a bebida, sonoro ao ser apertado, soava o som do nervosismo quando ela abriu a porta. Com a luz de fundo e a escuridão de fora, não se reconheceram até que ele falou - "Oi gostosa, é você?" e ela respondeu, depois de alguns segundos, que sim. Ela hesitou, mas o chamou para entrar, com ar de preocupada. Quando entrou, enfim ele pode vê -la, mais velha, oito anos gasta pelo tempo que na época parecia nem passar. "Eterno" - diziam. Agora puderam perceber que não, que o tempo sempre esteve presente.

Ela comentou da barba, ele sorriu e comentou do hobby de seda - "Ficou rica, como prometido, não foi?" ao que ela respondeu - "Foi você quem trouxe o vinho, meu bem". "Whisky" - ele corrigiu e percebeu no rosto dela um ar de pouco surpresa. Seguiram para a cozinha onde ele comentou - "Lembra quando entrava por aquela porta e, mal te cumprimentava, já subiamos correndo ao quarto, trepar?". Ela, batento as portas dos armários pegando copos respondeu de costas: "Trepar? Usávamos mesmo este termo? Bom, hoje em dia não uso mais. Eu e meu marido fazemos amor". Ao ouvir isso, ele desejou não ter aparecido por ali. Pelo menos não sem ter ligado antes. Queria que tudo se desfizesse como em filmes rodando ao contrário, em câmera lenta. Percorrendo de trás pra frente a cozinha, o corredor, a porta da frente, enfim, a rua. Ela percebeu o silêncio e que ele estava desconfortável. Pegou os copos, caminhou até a mesa e servindo a bebida continuou - "Sim, me casei e estou com medo que meu marido acorde e te veja bebendo comigo". "Vou embora" - ele tentou. "Não, Fique! Gosto deste friozinho na barriga. Você sabe bem... gosto do que é proibido". "Sei... e por isso fui embora. Não quero que o pobre coitado que dorme na nossa cama passe pelo mesmo. Adeus".

Antes de sair da cozinha, tomou de um gole a dose servida de Whisky, pegou a garrafa de cima da mesa e caminhou sem olhar para trás, em direçao a porta. Ela pensou por alguns segundos e depois correu até ele, abraçando -o por trás, em frente à escada. Visto de fora, o sentimento era de ternura, saudade. Talvez um pouco de desejo. E foi exatamente isso que o marido viu, de cima da escada, antes que pudesse descer pra ver o que estava acontecendo no andar de baixo. Quando ela percebeu, o marido já tinha lágrimas nos olhos. O outro, com o Whisky na mão, disse apenas - "Eu lamento." - antes de sair com a cabeça baixa pela porta em que ele havia entrado tantas vezes e agora, depois de oito anos, saia novamente pensando em nunca mais voltar.

Ao que se sabe ela se explicou ao marido que acreditou em tudo, e então viveram como nos filmes hollywoodianos, felizes para sempre, mesmo depois das traições que aconteram à partir daquele dia. Nosso protagonista, por sua vez, naquela mesma noite bebeu a garrafa de Whisky sozinho, esperando o dia amanhecer na porta de algum café a alguns quarteirões da casa dela. Tomou um café assim que a loja se abriu e foi embora para o lugar de onde veio. Agora, oito anos depois, ela se lembra do que aconteceu e espera ansiosa, bebendo Whisky na cozinha enquanto o marido dorme. Espera que ele apareça de novo, mas que dessa vez traga absinto.

4 comentários:

  1. Mulher safada não tem jeito então?
    Ou amor antigo é que não morre?
    De qualquer jeito o marido ta fudido.
    Abraço

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  2. Nossa como eu quase odeio passar por aqui... toda vez que leio um post novo me dá vontade de acabar com o meu anonimato... Tente ser menos interessante vai! (risos envergonhados)
    Passo aqui te convidar para um café qualquer dia desses!
    Beijos

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  3. Só conheço seus textos. Pareceu interessante fazer o caminho inverso: conhecer o conteúdo para depois perceber a forma (é assim que nascem as melhores amizades...). Está fascinante!
    Foi uma pena não ter acontecido nosso café ainda.
    Beijos

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  4. hahahaha olha, fi! altos xavecos! vc não é mais o mesmo! .. enfim, falando o que presta.. gostei muito desse! mesmo! fiz uma pausa nos estudos - palmeiras e forrações... sim, eu tenho prova disso! haha - e passei por aqui! beijos!

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