quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Você dizia...

Sentados no restaurante

-Então... O que quer dizer?
-Não quero dizer nada.
-Mas...

Chega a comida.
Pensamentos, flashes.

-Diga!
-Já disse o que tinha pra dizer.
-Não, eu não entendo.
-Amor, não fale de boca cheia!
-Puta que pariu!

Silêncio.
Cautela.

-Desculpa, você sabe que...
-Não tolero palavrões.
-Eu sei, mas...
-Você sabe o quanto eu odeio isso.
-Sim, mas...
-E você insiste em falar.
-Amor...
-Não acredito.
-PORRA! Escuta!

Silêncio.
Paciência, paciência...

-Eu não sei se entendi muito bem mas...
-Tem uma coisa ai.
-O quê?
-Tem uma coisa ai.
-Ai aonde? Do que está falando?
-Aí, no canto da boca.
-O quê?
-Tem comida no canto da sua boca. Limpa isso, está me incomodando.

Respira.
Limpa o canto da boca.
Vai começar a falar.

-Com a toalha da mesa, amor? Tenha modos.
-(Batendo a mão na mesa. Ela assusta. Ele contido)Escuta! (Pausa longa, olhos nos olhos) Estamos aqui para discutir algo bem mais importante do que a comida no canto da minha boca.
-(Como uma criança tentando se justificar)Sim. Eu compreendo. (Fala olhando pra baixo)Mas estava me incomodando.

Ele respira fundo.
Raiva no canto da boca.

-Quero que você me explique novamente. O que quer dizer com...
-Não repita, por favor. Sou supersticiosa.

Ele bufa o que ia terminar de falar.
Respira.
Pensa bem.
Vai tentar de novo.

-(Pausadamente cada frase)Por favor. Do começo. Me explica.
-Explique-me. (Pausa. Ele a encara profundamente. Ela tenta se explicar como anteriormente)É o jeito correto: "explique-me". No começo da frase. Enfim... (Desvia o olhar)
-(Encarando-a)Escuta, estou perdendo a paciência.
-Você nunca teve muita mesmo.
-(Falando para si. Raiva contida) Merda!
-O quê?

Ele a encara nos olhos.
Sorriso inconformado.
Procura por onde começar.
Tenta e para.
Retoma.

-Eu disse merda.
-Que absurdo. E acabei de dizer que...
-Merda!
-O que está acontecendo?
-(Passando os olhos pelo ambiente)Estou cansado disso tudo.
-Mas...
-Merda! É isso mesmo.

Boca entreaberta; dela.
Olhar penetrante, entre o ambiente e ela; dele.

-Não aguento mais você me dizendo o que fazer.
-Eu...
-(Com a mão apontando pra ela) Não. Não. É melhor não dizer nada.

Silêncio.

-Você se estragou agora. Acabou com a própria vida. Não sabe o que te esperava. Não. (Ri)
-Meu bem, você...
-Não me venha com esse (imita ela) "meu bem". Você nunca se preocupou.
-Mas...
-Shhh. Shhh. (Com o dedo indicador na frente da boca)

Engolem as salivas.

-Eu vou matá-la. Sim, é isso.
-O quê?
-Vou fazer picadinho de você. Quanto você pesa?
-Calma... Eu...
-Ein!? Quanto você pesa? Levaria o que, uns cinco dias para comê-la.
-Amor, que brincadeira mais sem graça.
-Não é brincadeira.

Ele tem ar de louco.
Flashes.

-(Surtando e gritando, quase levantando da cadeira, pra cima dela) VOU ACABAR COM VOCÊ SUA VADIA!
-SOCORRO!

Garçons em alerta.

-VOU TE MATAR SUA PUTA!

Ela levanta pra correr.
Ele a segura pelo braço.
Alguém o segura pelas pernas.
Alguém a segura pelo outro braço.
Gritaria.

-Acalmem -se todos. - grita um dos garçons.
-ACALMEM-SE. (Prolonga o "SE")

Pausa.
Tensão.

Ele, soltando um ultimo suspiro, a larga, desistindo.
Ela assustada é abraçada pelo garçon protetor.
Ele chora, derrotado, com a cara no chão.
Ela chora, amedrontada.
Os garçons se riem por dentro.
As pessoas comem suas sopas e bifes ensanguentados.

Ele não olha mais pra ela.
Ela proibiu que falassem o nome dele.

Ela pesa 61.
Ele, 94.

2 comentários:

  1. Estava passando só pra quebrar o gelo e matar as saudades (faz tanto tempo)... mas nossa que texto!!!! Maravilhoso!

    Ahhh "do you like?"

    ;*

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  2. CLAP CLAP CLAP CLAP extraordinário!!! Sério!!! Muitoooo teatral... muito foda! Todos os elementos perfeitos... tensão... final inesperado e o melhor... não perdeu tempo se explicando... no final deixa um desafio à platéia =D CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP curti muito! acho que deu pra perceber =D quando vai ser encenado? faz uma intervenção! abraço.

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